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1. INTRODUÇÃO TEÓRICA

2.2. Descrição das Condições Experimentais

2.2.2. O Solvente Orgânico

A escolha adequada do solvente orgânico é de extrema importância, não só pelas alterações que introduz na janela de potencial do sistema, mas também pelos aspetos relacionados com o impacto ambiental, com a sua toxicidade, com as suas propriedades físico-químicas ou até mesmo com o custo do próprio solvente.

87 Uma parte importante dos estudos iniciais consistiu na procura de solventes orgânicos alternativos aos solventes convencionais para estudos em ITIES (1,2- dicloroetano, DCE, e nitrobenzeno, NB) que apresentam elevada toxicidade, elevado impacto ambiental e requerem condições adequadas de manuseamento. Assim, três solventes de toxicidade reduzida foram testados nos estudos de transferência iónica em ITIES: o 1,6-diclorohexano (DCH), a 2-octanona48 e o éter o-nitrofeniloctilíco49 (NPOE). Este último solvente, além de apresentar uma baixa toxicidade, apresenta ainda uma baixa solubilidade em água e propriedades plasticizantes49.

Após as experiências, algumas dificuldades experimentais associadas a estes solventes foram observadas: a 2-octanona apresenta limitações na dissolução dos sais orgânicos e a sua densidade torna mais difícil o uso das células convencionais (macrointerfaces); o NPOE, apesar de ser um solvente com aplicações crescentes em estudos de ITIES, a janela de potencial obtida é comparável à obtida com o DCE50, ou seja, não é suficientemente larga para a deteção de determinadas espécies iónicas. Deste modo, o DCH foi escolhido como solvente da fase orgânica neste trabalho experimental por aliar boas caraterísticas eletroquímicas com uma baixa toxidade.

A utilização do DCH como solvente em ITIES foi primeiramente reportada por Katano et al.51,52. O uso deste solvente permite a obtenção de uma janela de potencial mais larga quando comparado com o uso do DCE ou NB (ver Tabela 2.1) e o interesse neste solvente tem vindo a aumentar53,54,55. Foi ainda reportada a possibilidade de gelificar o DCH com PVC, devido a este solvente apresentar uma pressão de vapor relativamente baixa, possibilitando a determinação de biomoléculas, como a heparina7 e a insulina9, na interface gel/solução aquosa.

Na Tabela 2.1 estão resumidas algumas propriedades físico-químicas dos solventes orgânicos utilizados durante a execução do trabalho experimental, sendo ainda indicada a sua proveniência e qualidade.

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Tabela 2.1. Lista de algumas caraterísticas físico-químicas dos solventes utilizados a 25 ºC

Solvente Sol. da água no solv. a) (% massa) ρ b) (g cm-3) εr c) η d) (mPa.s) Pressão de Vapor (Pa) Toxic. e) ∆φ (mV) 1,6-Diclorohexano f) (Aldrich, 98%) 0,096 1,064 8,83 2,04 6 IRR 950 g) 1,2-Dicloroetano f)

(Aldrich, HPLC Grade) 0,16 1,246 10,45 0,84 10600 PAC, INF 700

g) Éter o-nitrofeniloctilíco h) (Fluka, ≥99,0%) 0,046 1,041 24.2 13,8 --- SEN 400 i) 2-Octanona j) (Sigma-Aldrich, ≥98%) 0,6 k) 0,8144 10,94 0,869 180 SEN 500 l)

a) Solubilidade da água no solvente; b) Massa volúmica; c) Constante dielétrica; d) Viscosidade; e) Toxicidade, catálogo da Aldrich: IRR – irritante; PAC – potencial agente cancerígeno; INF − inflamável; SEN – sem efeitos nocivos; f) Dados retirados da referência 52; g) Eletrólitos de suporte: Li2SO4 50 mM, TOATPBCl 100 mM; h) Dados retirados da referência 49; i) Eletrólitos de suporte: LiCl 10 mM, TPATPB 20 mM; j) Dados retirados da referência 48; k) Dados retirados da referência 56; l) Eletrólitos de suporte: MgSO4 10 mM, THATPBCl 10 mM.

As soluções de DCE foram preparadas utilizando o solvente sem qualquer tratamento prévio, enquanto as soluções de DCH foram preparadas após purificação do solvente orgânico. Houve ainda o cuidado em minimizar ao máximo as quantidades de solvente utilizado nas experiências e os restos de soluções orgânicas foram devidamente armazenadas para posterior eliminação adequada.

2.2.2.1. Purificação do 1,6-diclorohexano

A utilização do DCH tal como provém do fornecedor não é recomendada devido ao aparecimento de picos de transferência de contaminantes nos voltamogramas da linha de base (ver Figura 2.13), sendo necessário a sua purificação prévia antes da sua utilização, tal como referido no trabalho de Katano et al.51. Todavia, no procedimento indicado neste trabalho é adicionado ácido sulfúrico concentrado ao DCH, provocando uma alteração da tonalidade do solvente de incolor para amarelo carregado e posteriormente para uma tonalidade semelhante à do leite, após adição de uma solução de hidróxido de sódio concentrada. Este facto sugere a formação de enxofre como produto da purificação com o

89 ácido sulfúrico concentrado, podendo ocorrer uma alteração da composição do solvente de forma irreversível. O procedimento utilizado neste trabalho experimental para a purificação do DCH foi muito semelhante ao descrito por Katano e seus colaboradores51, mas com algumas alterações:

• Preparam-se duas soluções de ácido clorídrico e hidróxido de sódio (Merck, p.a.) 0,1 M. De seguida, adiciona-se para um funil de extração o volume de DCH a purificar (≈ 100 mL) e igual volume de solução de ácido clorídrico. Agita-se vigorosamente o balão de forma a misturar bem as fases e deixa-se o funil em repouso por algumas horas até ocorrer separação completa das fases aquosa e orgânica. Após a separação das fases, verifica-se que o solvente orgânico apresenta uma cor branca.

• Recolhe-se o DCH e volta-se a colocar o solvente no interior do balão. Adiciona-se um volume igual de hidróxido de sódio para neutralizar o solvente. Volta-se a agitar vigorosamente o funil e deixa-se a mistura em repouso para ocorrer a separação das fases.

• Recolhe-se novamente o DCH e coloca-se outra vez no funil de extração com igual volume de água pura para a lavagem final. Agita-se vigorosamente o funil contendo a mistura e deixa-se a repousar para separar as fases imiscíveis.

• Por fim, recolhe-se o DCH, adiciona-se 5 a 10 g de sulfato de sódio anidro (Merck, ≥ 99,0%) e agita-se vigorosamente a solução durante cerca de 1 hora para remoção completa da água existente no seio do solvente orgânico. A suspensão é recolhida por filtração sob pressão reduzida e o DCH purificado encontra-se pronto para ser utilizado.

A verificação eletroquímica da pureza do DCH foi efetuada por CV no início das experiências com a análise da linha de base, que não deverá apresentar picos de transferência na zona de potencial polarizável. Para comparação, na Figura 2.13 estão representados os voltamogramas obtidos antes e depois da eliminação das impurezas presentes no DCH, que se transferem através da ITIES. O procedimento de purificação descrito é essencial para a utilização deste solvente orgânico em sistemas líquido-líquido.

90 -100 0 100 200 300 400 500 600 700 800 -1.5x10-8 -1.0x10-8 -5.0x10-9 0.0 5.0x10-9 1.0x10-8 1.5x10-8 I / A E / mV

Figura 2.13: CVs obtidos antes (—) e depois da purificação (---) do solvente orgânico. Condições experimentais: HCl 10 mM; BTPPATPBCl 1 mM.