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CAPÍTULO II A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA COOPERAÇÃO ENTRE OS

2.3. Da sociedade das nações à Carta de Havana

2.3.1. O surgimento do GATT e o estabelecimento das regras tarifárias no

Um dos grupos que elaborou o projeto de criação da OIC, juntamente com outros países defensores da idéia do liberalismo comercial regulamentado em bases multilaterais, iniciou as tratativas para a fixação de um conjunto de normas de concessões tarifárias. Essas negociações acabaram por firmar 45.000 concessões tarifárias e o pacto estabelecido passou a ser denominado Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). A instituição nasceu com o objetivo principal de regulamentar as tarifas e o comércio comum entre as vinte e três nações signatárias, inclusive os Estados Unidos da América.

Curiosamente, o GATT, que fora criado como um acordo provisório para regular as relações comerciais internacionais, teve efetividade por mais de quatro décadas. Regia-se basicamente por três princípios: a) tratamento isonômico

e não discriminatório78 entre todas as nações comerciantes; b) redução de tarifas por

meio de negociações; c) eliminação das cotas de importação.

Apesar de ter sido criado apenas como um órgão cuja finalidade era harmonizar a política aduaneira entre os Estados, o GATT foi eficaz naquilo a que se propôs, adquirindo, mais tarde, o poder de fiscalizar, julgar e punir os países que desrespeitassem as regras tarifárias estabelecidas.

O reconhecimento da liberalização e a expansão do comércio, em detrimento do protecionismo, excluíam do cenário do comércio internacional os tratamentos preferenciais entre parceiros comerciais. Nesse contexto, a isonomia de tratamento imposta pelo GATT passou a impulsionar o comércio internacional, uma vez que todos os países deveriam ser obrigatoriamente tratados de forma igualitária, sem discriminação ou protecionismo.

Diante disto, iniciou-se uma nova ordem para o comércio internacional depois da Segunda Guerra Mundial. Pregava, além da isonomia, a não-discriminação, a redução de tarifas e a limitação de cotas para importação.

78 A cláusula de nação mais favorecida e a obrigação de tratamento nacional nada mais são do que

instrumentos de concretização do princípio da não-discriminação. Assim, a cláusula de nação mais favorecida, inscrita no artigo I do GATT, determina que toda Parte-Contratante deve dispensar às demais Partes-Contratantes tratamento não menos favorável àquele dispensado aos produtos de qualquer outro país. Desta forma, obtempera John H. Jackson, “in the GATT the MFN obligation calls

for each contracting party to grant to every other contracting party the most favorable treatment that it grants to any country with respect to imports and exports of products”. Nas palavras de John H.

Jackson, no GATT a obrigação do MFN indica para cada parte contratante conceder a outra parte contratante o tratamento mais favorável que concede a qualquer país com respeito a importações e exportações de produtos. (Cf. JACKSON, John H. The World Trading System – Law and Policy of

Após a Segunda Guerra Mundial, o GATT se encarregou das transações de intercâmbio comercial entre os países. Tornou-se o ponto de apoio do sistema liberal capitalista, contribuindo para a liberalização das economias e eliminação de barreiras de tarifas aos produtos estrangeiros. As pressões exercidas pelo GATT estabeleceram um regramento jurídico único no Direito Internacional, que acabou por priorizar e proteger o mercado exportador dos Países-membros na organização contra as práticas restritivas, que impediam a livre concorrência.

As tratativas no âmbito do GATT eram denominadas rodadas. Desde a sua criação, previu-se que ele seria um foro para negociações comerciais. O artigo XXVIII de seu estatuto dispõe expressamente que as “rodadas” seriam as formas de entendimento e tomada de decisões entre os membros da organização.

Entre as principais rodadas do GATT com o objetivo de reduzir tarifas e barreiras ao fluxo de mercadorias no mercado mundial, vale mencionar as que foram mais significativas para o contexto das negociações multilaterais comerciais.

A primeira rodada ocorreu em Genebra (Suíça) , em 1947, com vinte

e três países participantes e a segunda rodada em Annecy (França), em 1949, com treze países participantes. A terceira rodada realizou-se em Torquay, cidade britânica, situada às margens do Canal da Mancha, entre 1950 e 1951, com trinta e oito países participantes e a quarta, ocorreu em Genebra, entre 1955 e 1956, com vinte e seis países participantes. A quinta rodada aconteceu na cidade norte- americana de Dillon, entre 1960 e 1961, com a participação de vinte e seis países.

Destacou-se porque teve, como tema principal, as questões referentes ao estabelecimento de tarifas internacionais. A sexta rodada deu-se em Genebra conhecida como a rodada Kennedy, nos anos de 1964 e 1967 com sessenta e dois países participantes. Nessa rodada foram discutidas questões relacionadas às medidas tarifárias e antidumping.

A sétima rodada foi realizada na cidade de Tóquio (Japão), nos anos de 1973 e 1979. Dela participaram cento e dois países que, além da questão recorrente das tarifas, debateram uma cláusula de habilitação concernente à incorporação legal do Sistema Geral de Preferências (SGP). Dizia respeito às preferências tarifárias nos acordos multilaterais, visando à liberalização do acesso a mercados, sem discriminação entre países nem obrigações de reciprocidade.

A oitava rodada do GATT, conhecida como Rodada do Uruguai, ocorreu em setembro de 1986 em Punta Del Leste. A agenda de discussões visava estender os acordos do sistema comercial internacional para novas áreas afetas ao setor de serviços, à propriedade intelectual, à agricultura e aos produtos têxteis. Além da Rodada do Uruguai ocorreu em 1986, uma outra veio a ser realizada em 1994 com a participação de 123 países.

Em 15 de abril de 1994, em Marrakech, antiga capital do Marrocos, foi assinado um acordo que estabelecia o surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC). O mencionado acordo entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995, criando a OMC que veio substituir o GATT.

A OMC tornou-se uma instituição permanente, dotada de personalidade jurídica de direito internacional (art. VIII), destinada a dar suporte ao comércio internacional. O artigo XV, anexo 4, dispõe que todos os membros têm a obrigação de adequar o ordenamento jurídico interno às normas gerais dela.

Na atualidade, a OMC é uma organização cuja missão é facilitar o comércio internacional, por meio de normas firmadas entre os Países-membros. Constitui-se em um foro de negociações, visando elaborar novas regras para disciplinar a comercialização no mercado comum.

Engloba não só acordos referentes ao comércio de bens agrícolas e industriais, como também aos serviços, à propriedade intelectual, à solução de controvérsias, às regras de origem e outros, buscando assim promover a efetiva liberalização do comércio entre seus membros.

A nona rodada de negociações sobre o comércio internacional deu- se no âmbito da OMC e ocorreu em Doha, capital do Qatar, no ano de 2001, na qual participaram 149 países. As discussões versaram sobre as regras referentes a tarifas, agricultura, serviços, facilitação de comércio e solução de controvérsias. Seu objetivo principal foi lançar uma nova rodada de negociações para liberalização do comércio mundial. Foi chamada de Agenda de Doha para o desenvolvimento, por se concentrar na efetivação dos acordos formalizados na Rodada do Uruguai.

As próximas rodadas da OMC, ou seja, a décima, ocorrida em Cancún (México), em 2003, a décima primeira em Genebra (Suíça), em 2004, e a

décima segunda, em Hong Kong (China), em 2005, não evoluíram com eficácia, pois os países desenvolvidos, apesar de reconhecerem a vulnerabilidade dos países em desenvolvimento, não se comprometeram na finalização das negociações.

As discussões versaram sobre o combate à desigualdade, diante das transformações da economia, com a abertura comercial no início dos anos 90. No entanto, os países desenvolvidos atuaram sem visar ao objetivo primordial da rodada de negociações, qual seja, auxiliar na busca pelo desenvolvimento econômico mais favorável para os países menos desenvolvidos.

Apesar da intensa negociação na quinta Conferência Ministerial79

ocorrida em Cancún (México), no ano de 2003, foi na sexta Conferência Ministerial, em Hong Kong (China), em 13 de dezembro de 2005, que se alcançou um relativo consenso, quanto à liberalização dos serviços e ao acesso a mercados não- agrícolas.

Com a fundação da OMC, procurou-se sanar as deficiências do GATT referentes à aplicação das regras tarifárias no comércio internacional, buscando realinhar a atuação dos Países-membros e priorizar a isonomia e o equilíbrio entre todos.

79 Em Setembro de 2003, foi realizada a V Conferência Ministerial da OMC, em Cancún (México),

com o objetivo de promover negociações para a liberalização do comércio internacional, mas desacordos sobre questões no setor agrícola levaram a um impasse: de um lado, países ricos, queriam maior acesso aos mercados de bens e serviços dos países em desenvolvimento; de outro, estes últimos, em troca, desejavam ter mais espaço para seus produtos agrícolas nos mercados dos países ricos.

A partir da criação da OMC, as normas deixaram de ter caráter genérico, tornando-se mais específicas. Porém, não chegaram a detalhar os procedimentos e a forma de agir no âmbito do comércio mundial. Na verdade, a OMC representa hoje a instituição que sucedeu o GATT apenas como organização internacional e não como tratado internacional, conforme ensina José Cretella Neto:

A transição do sistema do GATT para a OMC deve ser entendida sob dois aspectos: primeiramente, entendendo-se GATT na acepção de “tratado internacional”, não se pode considerar que, juridicamente, tenha havido efetiva “sucessão”, pois os Acordos da OMC sobre o comércio de mercadorias adotaram o essencial do “GATT 47” sob a rubrica “GATT 94”, o que leva alguns a se referir aos Acordos atualmente em vigor com a expressão “Acordos GATT-OMC”; em outra acepção no entanto, em que GATT é entendido como “organização internacional”, ocorreu, juridicamente, sucessão por

parte da OMC80

.

Mesmo com um arcabouço de medidas de proteção aos países em desenvolvimento que participam da OMC, existe muita insatisfação quanto à exportação de produtos diante das barreiras de entrada nos mercados mundiais. Tais países continuam a manifestar grande descontentamento pela ausência de efetividade das normas internacionais de liberalização do comércio, notadamente em relação a produtos que possuem maior competitividade.

Destarte, a OMC tem sido vista como uma instituição usada pelos países fortes como instrumento de política externa. Por essa razão, os países em desenvolvimento vêm demonstrando especial interesse em modificar normas e fundamentos das negociações, visando a um maior foco no desenvolvimento, o que remete aos subsídios da Carta de Havana, acordo ratificado há cerca de cinqüenta anos.

80 CRETELLA NETO. José. Solução e Prevenção de Litígios Internacionais. Rio de Janeiro: Forense,