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CAPÍTULO I AS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS NO ÂMBITO

1.1. Surgimento e Regulamentação do Comércio entre os Estados

1.1.2. Relações Econômicas e o Comércio Internacionais

O desenvolvimento crescente das relações comerciais entre os Estados culminou com o fenômeno da perda da hegemonia destes nas relações econômicas internacionais.

Tornou-se freqüente a participação de empresas privadas em acordos e contratos no âmbito do comércio internacional, sem que os Estados pudessem ter uma participação direta.

O afastamento da figura do Estado de algumas atividades ocasionou o desenvolvimento de regras disciplinadoras do comércio internacional. Os usos e

15 Entende-se por Welfare State como o Estado de Bem-Estar Social, ou seja, aqueles Estados

liberal-democráticos contemporâneos que intervêm social e economicamente em seus territórios, justamente para garantir “o bem-estar da sociedade”.

O conceito de Estado de Bem-Estar ou Estado de Bem-Estar Social tem suas origens na primeira metade do século XX e sua plena consolidação ocorreu após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, as idéias balizadoras do Estado de Bem-Estar resultam de evoluções sociais, políticas e econômicas que foram produzidas nas sociedades européias desde o final do século XIX. A noção de Estado de Bem-Estar Social surgiu como resultado ou conseqüência geral do período político marcado pelas grandes guerras. No entanto, sua formulação constitucional se deu apenas a partir da segunda década do século XX. Nesse contexto, entre os fatores sociais que deflagraram a sua formação destacam-se a Primeira Guerra Mundial, quando então se tem a inserção definitiva do Estado na produção, industrialização e distribuição de alimentos; a crise de 1929, quando há um aumento das despesas públicas para a sustentação dos empregos e das condições de vida dos trabalhadores; a confirmação da ação interventiva do Estado brasileiro, momento em que é promulgada a sua terceira Constituição, a de 1934. Assim sendo, é possível vislumbrar este modelo de Estado intervencionista como aquele tendente a garantir certos benefícios à população, tais como tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação que passa a ser o viabilizador da qualidade de vida do povo.

costumes nascidos da prática contratual utilizada no mercado mundial foram

qualificados como lex mercatoria16. Esta pode ser conceituada como uma ordem jurídica

própria de comerciantes de vários países, cuja função era a regulação do comércio.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, ocorreu a Conferência de Bretton Woods, em 1944, nos Estados Unidos da América (EUA), tendo representantes de 44 países, com a finalidade de planejar e estabilizar a economia internacional, bem como recompor as moedas nacionais prejudicadas pela guerra.

Os acordos assinados em Bretton Woods tiveram validade para o conjunto das nações capitalistas lideradas pelos Estados Unidos da América, resultando na criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BIRD). Para enfrentar a missão de viabilizar esse objetivo, os governos europeus criaram o Plano Marshall que foi um programa de recuperação europeu, lançado em 1947 pelo secretário de Estado norte-americano George C. Marshall, com o objetivo de reconstruir, com a ajuda financeira dos Estados Unidos, a economia da Europa Ocidental arruinada pela Segunda Guerra Mundial. Executado no período entre 1948 e 1951, o programa abrangeu os dezessete países que se reuniram na Conferência de Paris em 1947 para fundar, no ano seguinte, a organização para a Cooperação

16 A lex mercatoria nasceu das feiras da Idade Média, em resposta aos direitos feudais que, com seus

inúmeros privilégios, entravavam as relações comerciais da época. A lex mercatoria baseava-se, além dos usos e costumes, em contratos-padrão, preparados por entidades estrangeiras. Mais recentemente, compunha-se de inúmeros outros elementos, inclusive Direito Internacional Público, leis uniformes e regras das organizações internacionais. Assim sendo, a lex mercatoria pode ser entendida como um “conjunto de normas” formadoras de um sistema jurídico constituído pelo direito internacional. É utilizada pela comunidade mundial dos comerciantes, com vistas a assegurar a regência das relações internacionais do comércio, pretendendo estar acima da legislação interna dos Estados, já que, para a resolução dos conflitos que dela surgem, as regras do direito estatal são ainda bastantes insatisfatórias. Além do mais, para os adeptos da lex mercatoria, tais regras são bastante incertas e imprevisíveis, o que não se coaduna com a dinâmica das referidas relações, principalmente nestes novos tempos de globalização (Cf. STRENGER, Irineu. Direito do comércio

Econômica Européia (CEE), encarregada de viabilizar a integração dos planos nos Países-membros.

Outros organismos internacionais foram criados para proteger a paz mundial e proporcionar o avanço do progresso da humanidade. Entre eles, o de maior destaque foi a Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 26 de junho de 1945, com sede nos Estados Unidos da América, cujo Conselho de Segurança teve papel

decisivo na concretização de acordos firmados no plano da segurança internacional17.

Após o final da Segunda Guerra Mundial, o choque de ideologias

entre os EUA e a União Soviética provocou o fenômeno denominado bipolarização18.

Nessa época, surge também a chamada Guerra Fria que recebeu essa denominação porque as duas superpotências jamais se enfrentaram diretamente, apesar de terem existido inúmeros conflitos regionais com a formação de grupos de oposição que recebiam apoio americano ou soviético.

17 É importante mencionar a respeito dos representantes das nações que se reuniram em San

Francisco (EUA), em abril de 1945, e elaboraram o plano de uma organização que trabalhasse pela manutenção da paz no mundo. Esse plano acha-se descrito num documento chamado Carta das Nações Unidas. Em 26 de junho de 1945, 50 nações assinaram a Carta da ONU, que contém quatro objetivos e sete princípios. O primeiro objetivo é preservar a paz mundial e a segurança universal. O segundo é encorajar as nações a serem justas em suas ações uma com as outras. O terceiro é ajudar as nações a cooperarem no esforço de resolver seus problemas. O quarto é servir como um canal para que todas as nações possam trabalhar para esses objetivos comuns. O primeiro princípio é que todos os membros têm direitos iguais. O segundo é o de que se espera que todos os membros cumpram seus deveres estipulados pela Carta. O terceiro é o de que estão de acordo, por princípio, em resolver seus conflitos pacificamente. O quarto é de que concordam em não se valer da força ou da ameaça da força contra as demais nações, exceto em caso de autodefesa. O quinto é de que os membros concordam em ajudar as Nações Unidas em qualquer ação que leve ao cumprimento dos objetivos da Carta. O sexto é de que as Nações Unidas concordam em agir partindo do pressuposto de que os Estados não-filiados têm os mesmos direitos dos Estados-membros no sentido de preservar a paz mundial e manter a sua segurança. Por fim, o sétimo resume-se a que as Nações Unidas aceitam os princípios da não intervenção nas ações de uma nação-membro dentro de suas próprias fronteiras, desde que essas ações não interfiram em outras nações.

18 A bipolarização pode ser compreendida como o longo período de tensão entre os Estados Unidos e

a União Soviética que repercutiu em todo o mundo, sendo o fato político internacional de maior importância da segunda metade do século XX.

O pacto para o desenvolvimento dos Estados no pós-segunda guerra mundial fez emergir uma nova ordem econômica, tendo como estratégia a formação de blocos econômicos. As novas relações instituídas entre os Estados possibilitaram a redefinição do papel do Estado, que passou a estabelecer como primado absoluto o intercâmbio de serviços, mercadorias e riquezas.

A cooperação intergovernamental tornou-se o alvo dos Estados. Como conseqüência, o conceito de soberania foi reformulado, uma vez que estes passaram a agir não mais individualmente nas relações internacionais, mas, sim,

interdependentemente19. O conceito originário de soberania, sistematizado por Jean

Bodin no século XVI20, foi sofrendo mudanças, notadamente em razão da

interdependência, em especial a econômica, entre os Estados, bem como da globalização da economia e do desenvolvimento e democratização dos meios de transporte e comunicação.

Para Machado Paupério, o conceito de Bodin tornou-se incompatível

com o direito público atual e com o caráter jurídico do Estado moderno21.

Por outro lado, os países financeiramente mais fracos, diante de um possível embargo ou de uma retaliação econômica, muitas vezes, sucumbem e

19 A União Européia é o exemplo mais bem-sucedido do que vem sendo denominado

supranacionalidade, um instituto novo do direito internacional, já pensado por Kelsen.

20Jean Bodin foi o primeiro autor a dar ao tema da soberania um tratamento sistematizado, na sua

obra Os Seis Livros da República. Para ele, soberania é um poder perpétuo que tem como únicas limitações a lei divina e a lei natural. A soberania é, para ele, absoluta dentro dos limites estabelecidos por essas leis. A idéia de poder absoluto de Bodin está ligada à sua crença na necessidade de concentrar o poder totalmente nas mãos do governante; o poder soberano só existe quando o povo se despoja do seu poder soberano e o transfere inteiramente ao governante.

21 PAUPÉRIO, Arthur Machado. Teoria Democrática do Poder: Teoria Democrática da Soberania.

acabam por tomar decisões menos voltadas aos interesses internos e mais

recomendadas pelos países economicamente dominantes22.

Como esclarece Telma Berardo, “se as fronteiras são construções artificiais criadas pelos Estados, nos dias de hoje, mais do que nunca, há necessidade de enfrentarmos os desafios decorrentes desse fato e seus reflexos no direito”23.

Dessa forma, os interesses econômicos motivaram os países a promoverem a globalização, com o objetivo precípuo de acabar com as reservas de mercado e com as barreiras orçamentárias.

A respeito da globalização, assevera Celso Ribeiro Bastos:

Com a globalização, acabou-se com a reserva de mercado e com as barreiras alfandegárias, limitações a importação e até mesmo a expressa reserva por força de lei de certas áreas da economia aos seus nacionais. Cumpre advertir que o processo de globalização, além de não ser uniforme, é dizer, não atingir todos os Países do mesmo modo, ele também não ocorre apenas na área econômica, ainda que esta seja determinante. Em se tratando das grandes empresas, estas passaram a ter como objetivos o mercado internacional, todavia conservam sua base nacional nas funções de

pesquisa e desenvolvimento24

.

As relações econômicas internacionais passaram, então, a articular interesses comuns voltados à proteção da economia interna, com vistas a favorecer a economia comunitária e o trânsito de bens e mercadorias.

22 Os Estados Unidos não participam de um acordo internacional básico, no que se refere a meio

ambiente, que é o Protocolo de Kyoto, formalizado em 1997.

23 BERARDO, Telma. Soberania, um Novo Conceito? Revista de Direito Constitucional e

Internacional. São Paulo, n. 40, julho/set. 2002, p. 40

Criou-se, assim, uma nova ordem mundial25 que modificou sobremaneira as relações internacionais entre os Estados. Com o objetivo de cooperarem para estabelecer um sistema econômico estrangeiro mais propício ao crescimento financeiro, os Estados passaram a formar blocos econômicos como norteadores das políticas de livre comércio de bens e serviços.

Os tratados internacionais assumiram um importante papel na efetivação das relações mundiais. Determinaram ações pragmáticas e graduais, buscando promover a integração dos países signatários, produzindo efeitos jurídicos na ordem internacional.

Um dos principais objetivos colimados pelos países que se reuniram em blocos econômicos, ou seja, o da livre circulação de mercadorias, foi atingido graças ao fenômeno da globalização, aliado à ampliação dos mercados e aos processos de integração regional.

Para Octávio Ianni, a sociedade global já se transformou em realidade não só em termos econômicos, mas também, quanto aos aspectos políticos, sociais e culturais26.

Em suma, pode-se dizer que a progressiva internacionalização dos mercados de bens, serviços e créditos, a redução de tarifas de exportação e de obstáculos aduaneiros e a padronização das operações mercantis resultaram no

25 Ordem internacional pode ser conceituada como um grande sistema mundial de relações de poder

composto por normas, princípios e atores próprios, com o objetivo de distribuição do poder pelo mundo.

fenômeno denominado globalização econômica. Em outras palavras, criou-se o comércio multilateral e o distanciamento formal entre o político e o econômico na circulação dos fatores produtivos.