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O título e as epígrafes internas como instrumentos de ironia

CAPITULO II A TRANSTEXTUALIDADE EM MIGUEL DE CERVANTES

8. O título e as epígrafes internas como instrumentos de ironia

mesmo tempo em que deixa transparecer o seu desapontamento.

Assim, o verdadeiro livro atua como instrumento de circulação e de perpetuação das aventuras de Dom Quixote. Pelo valor que lhe é atribuído, é indispensável em toda a narrativa. Na primeira parte, já se demonstra sua importância. Entretanto, ela é altamente reforçada na segunda parte, sobretudo por conferir autenticidade em relação ao Quixote de Avellaneda.

8. O título e as epígrafes internas como instrumentos de ironia

Antes de adentrarmos à análise das epígrafes internas do Quixote, é relevante enunciar algumas considerações sobre a construção da ironia presente no título. Para que esse efeito seja alcançado, é importante que o leitor conheça a definição de hidalgo, que se explica em função de certo contexto histórico, social e cultural em que a trama cervantina se desenvolve. Assim, a posição de hidalgo de Dom Quixote lhe é atribuída em oposição ao que era típico nas novelas de cavalaria, o título de cavaleiro:

Mientras que los héroes legendarios de los libros caballerescos son designados por el tratamiento especifico de caballeros, el adjancente apositivo hidalgo introduce una precisión un tanto peyorativa sobre el estatuto social del protagonista, que pertenecería al escalón inferior de la nobleza: el hidalgo de aldea solariega, pobre vergonzante, que malvive aferrado a la solera y limpieza de su linaje sin poder liberarse de una miseria material y pecuniaria endémica. La connotación peyorativa es más eficaz si tenemos en cuenta que el hidalgo había dado lugar a un tipo actancial característico de ciertas clases de textos narrativos de la época como el picaresco. (GAGO,1990, p. 762)

Para reforçar a ironia em relação à posição social de seu herói, Cervantes lhe atribui o atributo de “engenhoso”, qualificação que não seria típica para um indivíduo como Dom Quixote, um hidalgo que reside em ambiente rural e em uma casa simples, em companhia apenas da criada e da sobrinha; que cultiva algum gado e algumas galinhas, além de ser proprietário de uma pequena plantação. Atribuir a característica de engenhosidade38 ao seu herói ─ que foge aos cânones do protagonista das novelas de cavalaria ─ é o primeiro elemento irônico, já à entrada da obra. Segundo o topos do gênero, os títulos apontam para a posição de

38 A engenhosidade no registro da Retórica é definida por Molinié como: “L’ingéniosité est une des notions les

plus historiquement difficiles à cerner. Elle défini certainement une qualité du style. Il est apparemment aisé de la rapprocher des effets de plaisant, de pointe, de sel. Les lexicographes du XVII siécle, l’appliquant à des comportements verbaux (réponse, parole), à des productions oratoires (discours, livre), se contentent d’en poser quasiment l’équivalence avec l’esprit, ce qui veut dire le brillant, le caractère spirituel. (MOLINIÉ, 1992, p. 176).

seus heróis como cavaleiros ─ é o que se passa com o título de Amadís de Gaula, “Invencible caballero Amadís de Gaula”.

Entretanto, na segunda parte de sua obra, Cervantes atribui a Dom Quixote o título de “ingenioso caballero”, devido ao desejo de manter a continuação da narrativa das aventuras de seu herói e diferenciar do título da continuação do Quixote apócrifo de Avellaneda, apresentada como Segundo tomo del ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha, que contiene su tercera salida y es la quinta parte de sus aventuras. O propósito de Cervantes era a de manter o título de ingenioso hidalgo. Assim, o Quixote apócrifo bane a ironia que poderia ser mantida no título da segunda parte da obra. Além disso, há uma grande alteração na composição discursiva e no formato do prólogo da segunda parte.

Uma das ferramentas paratextuais presentes na obra como instrumento de consolidação da ironia cervantina são as epígrafes internas. Elemento típico das novelas de cavalaria, as epígrafes anunciam o que será narrado no enredo de cada capítulo. Porém, na novela de Cervantes, esse recurso é utilizado de forma irônica graças a certos jogos de linguagem; conferem, ainda, aspecto lúdico à função paratextual da epígrafe ao estabelecer relações com o texto:

Los epígrafes que encabezan los capítulos del Quijote contribuyen a confirmar la convención de ficcionalidad […] Estos epígrafes contienen comentarios muy significativos a las aventuras o historias narradas en los diferentes capítulos, en los que el autor hace uso de procedimientos lingüístico- retóricos como el epíteto, la hipérbole o los juegos de palabras, de gran eficacia en la producción de los efectos semánticos de la ironía y el humor.

Así, los epítetos hiperbólicos atribuidos al lexema batalla contrastan con la descripción de una lucha puramente imaginaria como en el caso de ‘la brava y descomunal batalla’ que Don Quijote entabla, en sueños, con un gigante que en la realidad ficcional de la novela resultan ser unos cueros de vino (el título aparece en cabeza del capítulo I, 36 aunque la aventura es relatada en el capítulo anterior); la ‘descomunal y nunca vista batalla’ del héroe con el lacayo Tosilos no llega a realizarse pues el lacayo de los duques se rinde antes de comenzar el combate; sin embargo, la batalla con el escudero vizcaíno, que sí fue efectiva, se califica de estupenda. (GAGO, 1990, p. 764-5).

O caráter lúdico das epígrafes internas igualmente advém do uso da linguagem de forma hiperbólica e, algumas vezes, contrariando o que é enunciado ─ rompem-se assim as expectativas do leitor. Além disso, podemos pensar que esse mecanismo pode ser uma forma de ironia a Amadís de Gaula que, em suas epígrafes, anuncia de forma heroica os feitos virtuosos que serão vividos pela personagem. Entretanto, no caso do Quixote, o teor heroico é substituído pelo lúdico na relação irônica entre epígrafe e texto:

Es al lexema aventura al que se atribuye el más variado corpus de epítetos de gran efectividad semántica como en el caso de la ‘espantable y jamás imaginada’ aventura de los molinos de viento (DQ I, 8:128) o de la ‘jamás vista ni oída’ aventura de los batanes, que ni siquiera llegó a ser aventura y en la que los protagonistas caen en el más absoluto ridículo. Otros epítetos contrastan con la entidad de la aventura produciendo el efecto irónico buscado: el episodio en el que Don Quijote arrebata una bacía a un pobre barbero es una alta aventura y es grande la peripecia enteramente soñada que se desarrolla en la Cueva de Montesinos. Cargados de comicidad son los epítetos que nos informan sobre la temática del capítulo correspondiente, con funestas consecuencias para la pareja protagonista: la desgraciada aventura de los yagueses en la que amo y criado son apaleados por unos arrieros gallegos o la cerdosa aventura en la que ambos son pisoteados por una piara de cerdos. El capítulo en el que se reproducen los diálogos entre los héroes y los amigos del falso don Quijote, don Álvaro y don Juan, contiene un extraordinário suceso, que se puede tener por aventura (DQ II, 59:483) cuando no se narra en él ninguna acción de la intriga pseudo-caballeresca. (GAGO,1990, p. 765).

Assim, as epígrafes internas possuem a função de anunciar em cada capítulo os acontecimentos narrados. No caso do Quixote, é empregada com sentido irônico por ser um elemento das novelas de cavalaria. Torna-se, ao mesmo tempo, mecanismo que enfatiza as loucuras da personagem.