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1.5. M ECANISMOS DE N ETWORK

1.5.5. O T ERCEIRO S ECTOR E AS P ARCERIAS ENTRE G OVERNOS

Ao nível da administração local30, a rede de parcerias é normalmente estabelecida em função das características das actividades em causa, confirmando o argumento de Boyne (1996): os serviços que compõem a acção social (serviços de assistência médica, apoio à idosos, combate à exclusão social, entre outros) são mais susceptíveis de serem prestados através de parcerias com organizações sem fins lucrativos, isto é, o designado terceiro sector (Brandsen & Van Hout, 2006; Evers, 2005; Osbourne & McLaughlin, 2004); no caso da construção e/ou manutenção de grandes infra-estruturas, parcerias e/ou associações com outros governos locais são a solução mais apropriada (Julnes & Pindur, 2004; Morgan & Hirilinger, 1991). Em suma, as parcerias acontecem frequentemente nas áreas sociais e de desenvolvimento económico (Araújo, 2003). O terceiro sector tem desempenhado tarefas próximas e cada vez mais semelhantes às da administração pública, sobretudo ao nível da rede social, e apresentam vantagens no desempenho das suas tarefas, não atingidas por agentes privados e públicos. Assim, o terceiro sector distingue-se dos privados por não procurar, como principal finalidade, o lucro. Consegue, desta forma, ganhar a confiança dos cidadãos que normalmente associam os privados a estratégias individuais de maximização da utilidade, e preferem assim, o terceiro sector como alternativa à prestação de serviços sociais (Brandsen & Pestoff, 2006). Os cidadãos têm maior confiança que a qualidade do serviço não será tão influenciada pelos critérios económicos. Comparativamente com o sector público, apresentam maior flexibilidade na gestão e capacidade de adaptação e resposta aos desafios postos pelo meio externo. Ao longo dos tempos, têm coexistido, no âmbito dos serviços sociais, produtores do sector público e do 3º sector, tornando-se assim, perfeitamente natural que exista uma tendência para acção concertada e conjunta (Bode, 2006). Em muitos casos, o Estado de Providência Social (Welfare State) tem-se apoiado e socorrido desta sociedade de welfare para cumprir com as suas obrigações (Walzer, 1988). Para além de se aproximarem à imagem do sector público, no tipo de serviço que

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prestam e na maneira como o fazem, são as organizações do 3º sector capazes de apresentar custos de produção reduzidos, graças aos benefícios sociais que auferem (acolhem trabalho de voluntariado, recebem doações de bens físicos e financeiros, entre outros) (Ferris & Graddy, 1986).

Relativamente às parcerias com outros governos locais, existem, podemos identificar alguns factores que motivam uma estratégia de acção conjunta e da criação de parcerias (Tavares & Camões, 2008). Por um lado, existem determinados serviços e assuntos (protecção ambiental, combate à criminalidade, desenvolvimento económico, gestão de recursos naturais, acessibilidades e mobilidade regional) que não se compadecem com uma estratégia isolada e limitada à circunscrição administrativa de cada concelho. Em tais situações, devem ser ultrapassadas as fronteiras administrativas, de maneira a ser atingido um nível considerável de eficiência. Existem actividades que requerem um enorme investimento na construção e manutenção de infra-estruturas (abastecimento e tratamento da água; recolha e tratamento de lixo; vias de comunicação; equipamentos portuários e aeroportuários, por exemplo), que só conseguem ser eficientemente rentabilizadas se feitas em conjunto. Portanto, a minimização de custos, a resolução de externalidades, a gestão eficiente de recursos e o aproveitamento das economias de escala constituem os principais factores para o estabelecimento de parcerias entre os governos locais (Ferris & Graddy, 1986; Leroux, 2007; Williamson, 1996).

Assim, as parcerias parecem ser uma alternativa viável para a externalização da produção de bens e serviços públicos, que, à luz da economia dos custos de transacção, apresentam características que impossibilitam a sua execução por agentes privados a actuar num espírito de mercado. Ao estabelecer parcerias, o possível ganho nos custos de produção (inerente a economias de escala e maior eficiência produtiva) não se contrapõe um acréscimo significativo em termos de custos de transacção. Isto porque, estabelecendo alianças com organizações sem fins lucrativos e com outros governos locais, o risco do agente assumir comportamentos oportunistas é menor. Como tal, o problema da racionalidade limitada dos agentes e da incerteza na capacidade de monitorização perde relevância, já que nenhum tem uma especial preocupação para se proteger (via cláusulas contratuais) ou desconfiar dos restantes parceiros.

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CONCLUSÃO

Neste capítulo apresentamos e discutimos o conceito de governação, mas sobretudo as diferentes alternativas de governação. Há muito que a Governação deixou de ser a mera tomada de decisão e implementação de estruturas da Administração Pública, relativamente à produção de bens e serviços públicos. Actualmente, têm-se discutido o conceito de boa governação. Compreende a noção de gerir uma realidade complexa através de uma combinação adequada de mecanismos de governação. Desta forma, a produção de bens e serviços públicos tem-se revelado um campo frutuoso de soluções alternativas de coordenação e controlo: ora o governo assume o fornecimento de serviços à população; ora decide contratar um privado ou concessiona uma actividade; ora cria sociedade comerciais (de capitais, públicos, participadas ou mistos); ora promove parcerias com organizações não governamentais sem fins lucrativos; ora promove a associação entre organismos públicos. Estas diferentes alternativas podem ser agrupadas em três mecanismos de governação:

­ Mecanismos de Hierarquia; ­ Mecanismos de Mercado; ­ Mecanismos de Network;

O primeiro mecanismo confunde-se com o tradicional conceito de governação. Implica a produção de bens e serviços através de mecanismos de autoridade onde as relações são estabelecidas no seio de organizações burocráticas. É a forma tida como mais tradicional de organizar os serviços públicos, que teve o seu maior desenvolvimento com o Welfare State. O segundo mecanismo, de mercado, teve o seu apogeu com a reforma administrativa da Nova Gestão Pública. O governo liberta-se das tarefas de produção, procurando junto do mercado soluções eficientes para o fornecimento de bens e serviços. As relações entre os agentes acontecem, assim, num espírito de concorrência e competitividade, na expectativa que conduzam à adopção de soluções mais eficientes do que as estruturas burocráticas da administração pública. Por fim, o último mecanismo, a rede de parcerias, sendo o mais recente (caracterizador de uma época pós- NGP), também é o mais vago e mais difícil de definir. Caracteriza-se pelo facto do governo criar parcerias com entidades externas, num espírito de confiança e colaboração, como forma de resolver problemas complexos da sociedade actual.

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O desafio que se põe agora à Governação reside nas escolhas que são feitas no âmbito dos mecanismos de governação. Isto é, perante as actividades desenvolvidas pelos governos e as características de cada forma de governação, qual a melhor escolha em cada situação? Na tentativa de responder a esta questão, apresentamos duas abordagens: uma normativa, relativamente ao conceito de Estado e das funções que lhe estão confiadas, e outra positiva usando dimensões políticas, económicas e financeiras, bem como usando os conceitos inerentes à economia dos custos de transacção. Da literatura vem que quando estão em causa actividades complexas, fundamentais à essência do Estado, marcadamente regulamentadoras ou fiscalizadoras e onde o mercado fornece poucas alternativas, estas actividades devem ser asseguradas por mecanismos de hierarquia evitando a externalização por via de soluções de mercado. Se, mesmo perante estes condicionalismos, a opção for externalizar a produção, então a solução da constituição de uma network parece ser a mais indicada.

Durante o capítulo foram também apresentadas as características mais marcantes de cada mecanismo de governação. Esta base irá servir para que, no próximo capítulo, seja feita a exploração e o devido enquadramento dos arranjos institucionais à disposição dos Governos Locais em Portugal, para cumprir com as suas competências.

C

APÍTULO

II

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INTRODUÇÃO

Como já referimos anteriormente, o objectivo principal deste estudo centra-se na análise dos mecanismos de coordenação/governação usados pelos Governos Locais. Isto é, analisar e compreender os condicionalismos e as opções dos Governos Locais relativamente aos arranjos institucionais escolhidos (serviços próprios, contratualização ou parcerias), para a prestação de bens e serviços públicos.

Até agora, exploramos as diferentes formas de coordenação intra e inter- organizacionais, enquanto princípio de gestão e verificámos as mutações e a progressiva relevância que mereceram no seio da gestão das organizações. Posteriormente, associamos estas formas de coordenação a diferentes mecanismos de governação identificando, três tipos alternativos: Hierarquia; Mercado; e Networks. Neste capítulo, é nosso objectivo passar para uma discussão mais centrada na realidade da prestação de serviços ao nível dos municípios portugueses.

Assim, este capítulo estrutura-se em três partes diferentes e complementares. Numa primeira parte, embora não seja o nosso principal objectivo, é nossa intenção analisar a estrutura e evolução do poder local, em Portugal. Para tal, torna-se necessário explorar a organização do poder local desde o antigo regime até à data, com especial incidência em dois momentos: o século XIX, devido aos primeiros esforços de sistematização da organização administrativa portuguesa, com a publicação dos primeiros códigos administrativos e pela intensa sucessão de legislação produzida, fruto sobretudo das tensões centralizadoras/descentralizadoras que marcaram as sucessivas revisões quer ao texto constitucional quer ao código administrativo; num segundo momento, ao período de transição para o regime democrático, que motivou uma série de transformações na realidade da administração local, promovendo a verdadeira autonomia local. Neste período, reivindicaram-se mais serviços, mais autonomia, mais competências que, inevitavelmente, trouxeram mais responsabilização e visibilidade aos titulares de cargos autárquicos. A evolução dos anos mais recentes condicionou também o surgimento de novas estruturas de financiamento e novas formas alternativas para o poder local desenvolver a sua actividade no âmbito das suas competências.

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Numa segunda parte, é nosso objectivo prestar especial atenção aos arranjos institucionais alternativos que estão ao dispor do poder local. Desta forma, quer pelo aumento de competências e responsabilidades, quer pela maior complexidade das necessidades das populações a servir, a tradicional forma de organização da produção de bens e serviços através dos serviços municipais viu a sua área de acção invadida por formas alternativas para a produção dos mesmos. Assim, os Governos Locais foram progressivamente equacionando a possibilidade de substituir os serviços municipais por serviços municipalizados, empresas municipais, sociedades anónimas (com participação de capital municipal), associações de municípios, áreas metropolitanas e mesmo protocolos de colaboração com entidades sem fins lucrativos. Como tal, é nossa intenção identificar e classificar estas formas alternativas no âmbito dos mecanismos de governação identificados (Hierarquia; Mercado; e Networks).

Por fim, numa última parte, discutidas que foram as diferentes formas de coordenação e governação, bem como as suas características e os seus condicionalismos, é nosso propósito apresentar as diferentes hipóteses de trabalho que guiam esta investigação, no sentido de procurar identificar as relações causais entre os diversos mecanismos de governação e a motivação que justifica cada opção.