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4 MUDANÇAS CLIMÁTICAS: UM TEMA AMBIENTAL COMPLEXO E

4.2 O TEMA MUDANÇAS CLIMÁTICAS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Geralmente, nas práticas educativas relacionadas à EA, quando se propõe a trabalhar com conceitos relativos às mudanças climáticas, há o predomínio de uma visão meramente conteudista, considerada totalmente ingênua e ilusória, já que o único esforço gira em torno do fornecimento de “dicas e sugestões” de caráter comportamental, simplista, reducionista e descontextualizado (TAMAIO, 2011). No entanto, a complexidade do fenômeno nos sugere que este não pode resultar apenas destas compreensões reducionistas, já que a ciência não é absoluta e muito menos infalível.

Nesse sentido, pontuamos que a relação entre a EA e as mudanças climáticas está na democratização do saber, já que estamos frente a uma necessidade cada vez maior de compreender e até mesmo construir conhecimentos que possam nos ajudar a "[...] lidar com os cenários ambientais previstos dentro de um contexto de Mudança do Clima e da Mudança

Ambiental Global anunciada, bem, como de entender as controvérsias e complexidades de suas formulações" (SILVA, 2008, p. 12, grifos nossos).

Existem vários caminhos pelos quais podemos abordar, através de uma visão complexa, os diferentes aspectos relativos às controvérsias dos temas de caráter ambiental como, por exemplo, o fenômeno mudanças climáticas.

Watanabe-Caramello (2012), refletindo sobre as diversas possibilidades da incorporação da perspectiva complexa nas práticas de EA, apoiada na Física do não equilíbrio, contempla em seu trabalho quatro ênfases que colaborariam para a inserção das o desenvolvimento de uma visão complexa e para o reconhecimento das incertezas relacionadas aos temas socioambientais: Ênfase dinâmica, Ênfase temporal, Ênfase entrópica e Ênfase das inter-relações. Para exemplificar, apresenta como essas ênfases seriam contempladas no caso do tema mudanças climáticas.

No caso da Ênfase dinâmica, a autora propõe que ao se trabalhar com as mudanças climáticas busquemos efetivar uma contraposição entre sistemas dinâmicos e a visão estática de mundo, levando em consideração a imprevisibilidade e as incertezas do sistema terrestre. Este posicionamento possibilitaria assim o surgimento de uma reflexão a respeito das contribuições das ações antropogênicas sobre o ambiente, visto os inúmeros fenômenos de ordem natural que também interferem no clima da Terra. Deste modo, segundo Watanabe- Caramello (2012, p. 215), a incorporação de uma visão do caráter dinâmico do fenômeno contribuirá para que

[...] situações estáticas possam ser desincorporadas da visão de ciência complexa e dinâmica. Esse caráter dinâmico, do ponto de vista conceitual, significa tratar dos movimentos e possíveis trajetórias envolvidos nos processos. Como exemplo de conceito contra estático pode-se considerar o tempo de residência e a concentração dos gases na atmosfera; o ciclo hidrológico humano etc.

Ao considerar esta ênfase, estaríamos contemplando a complexidade, já que parte-se do pressuposto de que os sistemas estão imersos em um universo em movimento, ou seja, o planeta e os seres vivos constituem um sistema aberto, sujeitos constantemente a mudanças.

Na Ênfase temporal, a autora propõe promover uma discussão acerca da variabilidade climática natural, destacando-se que a estabilidade alcançada neste meio é resultado de uma história de milhares de anos. Com este enfoque, a autora destaca que será possível averiguar a hipótese de que as mudanças climáticas com as quais convivemos na atualidade podem ser

frutos de alterações naturais do meio, consequências da própria dinâmica terrestre. Ao mesmo tempo, compreende-se que este não deve ser compreendido como um “pretexto” para que os indivíduos intensifiquem a degradação ambiental, ao passo que também devem ser destacadas que, em um sistema dinâmico, as alterações realizadas hoje podem resultar em grandes mudanças no futuro.

Outro ponto a ser destacado com esta ênfase está relacionado com a irreversibilidade dos sistemas, ou seja, levando em consideração a interferência humana sobre a natureza, não podemos afirmar que, cessada esta interferência, o clima voltará a apresentar aquelas mesmas variáveis antes da existência desta interação. Também se faz importante destacar sobre a impossibilidade de inferir resultados com grande precisão, analisando-se um curto período de tempo. Nesse sentido, segundo Watanabe-Caramello (2012),

A ênfase temporal contempla os aspectos da complexidade ao reconhecer a história geológica do planeta Terra, na dinâmica das fases sucessivas que lhe são atribuídas ao longo das eras; considerar que a vida na Terra tem uma história evolutiva, diversificando-se e especializando-se e modificando o próprio ambiente terrestre; considerar que as intervenções dos seres humanos têm uma longa história; [...] perceber que devido ao caráter construtivo da evolução do sistema vivo, sua previsibilidade é limitada, sendo passível de indeterminações e distante das certezas (p. 231).

Com a Ênfase entrópica, Watanabe-Caramello (2012) busca promover uma discussão em que seja destacada explicitamente a impossibilidade de que um sistema retorne a seu estado inicial, ou seja, “[...] considerar que tudo tem uma história e essa história é irreversível” (p. 224), o que, de acordo com a autora, pode permitir uma reflexão por parte dos estudantes antes de agir degradando o meio ambiente. Outra característica importante decorrente desta ênfase, segundo a autora, é que ela permite

Reavaliar as contribuições das ações antropogênicas para o aumento da degradação (aumento da entropia), considerando a poluição como inerente a todo o processo de transformação, portanto, implica num outro posicionamento diante da questão socioambiental no qual o sentimento de responsabilidade e culpa tornem-se menos incisivos (p. 224).

No caso da Ênfase das inter-relações, Watanabe-Caramello (2012) procura estimular a ideia das inter-relações que ocorrem no meio socionatural, ou seja, que as partes interferem no todo e o todo interfere nas partes, mas que o todo não significa a soma das partes. Esta

característica remete ao fato de que as relações estabelecidas entre os componentes de um mesmo sistema não podem ser simplificadas a ponto de não levarem em consideração os demais constituintes daquele sistema.

Deste modo, os estudantes estarão cientes de que a interferência antrópica pode promover grandes mudanças no clima terrestre, tanto localmente quanto globalmente, do mesmo modo que os fenômenos naturais também se encarregam de causar tais mudanças.

Pautar-se nos elementos que caracterizam a ênfase das inter-relações implica considerar que nos sistemas complexos há níveis de organização que estão amplamente conectados, de modo que entender todas as interações decorrentes desse sistema é tarefa limitada; e as interações podem ocorrer em espaços e tempos distintos, mas que de alguma forma interferirá no sistema global (WATANABE-CARAMELLO, p. 228, 2012).

Levando em consideração a apresentação destas ênfases como uma das maneiras de apresentar uma visão complexa sobre as mudanças climáticas, consideramos que, ao mesmo tempo, estas podem contribuir para que sejam apresentadas as diversas controvérsias que estão associadas ao fenômeno.

Por exemplo, na ênfase dinâmica em que serão destacadas a imprevisibilidade e as incertezas associadas ao sistema climático, podemos apresentar os distintos pontos de vista dentre a comunidade científica associados com as previsões sobre o futuro de nosso planeta, na ênfase temporal podem ser destacados os posicionamentos daqueles que defendem a variabilidade climática natural, ao passo daqueles que apresentam as mudanças climáticas unicamente como consequência da interferência antrópica sobre o meio ambiente.

A ênfase das inter-relações propicia a abordagem dos aspectos econômicos, políticos e sociais, envolvidos na sistemática de mitigação das mudanças climáticas. Deste modo, nos é permitido destacar que os diversos sistemas serão afetados caso estas medidas sejam adotadas. Por este motivo, existem diversas controvérsias em adotar ou não adotar tais medidas, já que estas interferirão de maneira direta no modo de vida da população e na economia de um país.

Sendo assim, em meio a esta realidade climática complexa e a diversidade de argumentos que dela emerge, Watabe-Caramello (2012, p. 212) aponta sobre a necessidade de recontextualizar as discussões sobre as mudanças climáticas. De acordo com a autora, estas discussões não devem se limitar apenas à procura de um valor para a média da temperatura, mas sim em

[...] compreender que a temperatura não se define por si mesmo, ela depende da análise dos fluxos da entrada e saída de energia do planeta. Significa considerar que o sistema Terra está em equilíbrio dinâmico e que, portanto, a temperatura a ser considerada é uma média, sujeita a flutuações (WATANABE-CARAMELLO, 2012, p. 212).

Ainda é importante mencionar que a abordagem do fenômeno das mudanças climáticas através da visão complexa de mundo e das controvérsias que rodeiam o tema nos permite abarcar em nossas práticas de EA as três dimensões (conhecimento, participação política e valores) elucidadas por Carvalho (2006).

Entendemos que ao tratar sobre as principais causas e consequências do fenômeno, bem como ao apresentar as conceituações dadas ao efeito estufa, ao aquecimento global e às mudanças climáticas, estaremos abarcando a dimensão do conhecimento.

Entretanto, conforme apontado pelo autor supracitado, a dimensão dos conhecimentos não se limita apenas ao conhecimento científico, mas aos diversos conhecimentos relacionados ao mundo natural e cultural. Ainda é importante destacar a importância dada pelo pesquisador para a necessidade de que possamos destacar a produção do conhecimento como uma prática humana, ou seja, sujeita a influências do meio social, político, econômico e cultural, que remetem a erros, acertos e dissensos.

Deste modo, apresentar as controvérsias científicas que estão por trás da construção do conhecimento sobre as mudanças climáticas (principalmente aquelas relacionadas à tentativa de elencar causas e consequências para o fenômeno) permite uma maior aproximação daquilo que é evidenciado pelo autor, já que o destaque para as controvérsias nos mostra um campo cercado pela subjetividade humana que é influenciado pelos condicionantes políticos, econômicos e sociais; ou seja, a produção do conhecimento passa a ser compreendida como uma prática articulada às dimensões da realidade, uma produção não linear em um mundo complexo.

Ainda como destacado por Carvalho (2006), o processo de produção do conhecimento é influenciado por posicionamentos éticos e políticos dos envolvidos, do mesmo modo que a seleção dos conhecimentos hegemônicos entre os grupos sociais também é influenciada pelos posicionamentos políticos e axiológicos, o que “[...] nos levam a concluir que é impossível que a dimensão dos conhecimentos seja trabalhada a partir de uma abordagem mais ampla sem que as questões política e ética sejam consideradas” (CARVALHO, 2006, p. 32, grifos nossos). Sendo assim, o autor conclui que apenas a dimensão dos conhecimentos não atende as exigências para a formação de um sujeito ético e politicamente engajado na sociedade.

Essas considerações nos remetem ao fato de que ao trabalhar com a dimensão dos conhecimentos sobre as mudanças climáticas, também devemos levar em consideração as dimensões relacionadas à ética e à política.

De maneira especial, entendemos que a dimensão ética pode ser claramente enfatizada ao discutirmos sobre as medidas de mitigação. Mesmo que estejamos lidando com a complexidade e a incerteza das respostas climáticas, não podemos descartar o fato de que estamos convivendo com o risco de que futuramente possamos conviver com uma série catástrofes climáticas, respostas dadas pelo clima em relação à intervenção destrutiva do ser humano perante a natureza.

No estudo dessas medidas de mitigação, embora possamos identificar uma série de interesses econômicos e políticos que as acompanham, também nos remetem a uma tentativa de estabelecimento de uma nova relação do ser humano com a natureza, ou seja, podemos, por meio dessas discussões, instigar nos alunos a compreensão do nosso compromisso ético com a vida e as futuras gerações e apresentarmos as diferentes sugestões do estabelecimento de novas relações éticas entre sociedade e natureza.

Por fim, ainda atrelada a estas controvérsias científicas, políticas e econômicas sobre as mudanças climáticas, podemos identificar a grande discussão dentre os líderes mundiais sobre as melhores maneiras de aderir às medidas de mitigação sem que sejam ocasionados grandes impactos na economia mundial. Isso ocorre, já que frequentemente propõem-se as reduções nas emissões de Gás Carbônico, emitido principalmente pelas indústrias. Dessas discussões, emergem distintos posicionamentos daqueles governantes que compreendem que a aderência de tais metas culminaria em um atraso econômico e social para seu país.

Sendo assim, através dessas discussões estaríamos propiciando o trabalho com a dimensão política. Isso ocorre já que, tomando contato com as diferentes discussões dentre o meio político sobre as mudanças climáticas, ainda tendo como base os conhecimentos adquiridos sobre o tema, bem como a dimensão valorativa que dela emerge, estaremos contribuindo para a formação de sujeitos aptos a argumentar criticamente sobre as decisões tomadas e sobre as atitudes que eles mesmos podem tomar.

Novamente destacamos o fato do quanto essas três dimensões devem ser trabalhadas de maneira articulada, já que a liberdade e a autonomia almejadas pela participação política serão desenvolvidas perante aos conhecimentos e aos valores adquiridos. Isso ocorre já que

O sujeito autônomo é aquele que é capaz de estabelecer juízos de valor e assumir responsabilidades pela escolha. Além disso, a autonomia pressupõe a possibilidade dos sujeitos individualmente e coletivamente estabelecerem relações de responsabilidade com o meio natural e escolher livremente os meios e os objetivos de seu crescimento intelectual e as formas de inserção no mundo social (CARVALHO, 2006, p. 37, grifos do autor).

Com estas reflexões, podemos constatar que a abordagem da realidade complexa e das controvérsias associadas ao fenômeno das mudanças climáticas na EA pode contribuir positivamente para a formação de sujeitos críticos e reflexivos diante as questões de natureza socioambiental.

Entretanto, mesmo discutindo sobre a questão climática através do viés da complexidade ou destacando as suas controvérsias inerentes, como argumentamos neste item do trabalho, esse posicionamento não nos impede de que também procuremos apresentar os impactos negativos que as atividades humanas estão causando no clima. Como bem destacado por Jacobi et al. (2012, p. 146):

De uma perspectiva pedagógica e metodológica, há uma necessidade urgente de encontrar alternativas de aprendizagem para abordar um tema cujos cenários são negativos e problemáticos, como indicam os relatórios do IPCC, sem cair num ponto de vista catastrofista de imobilismo ou, em contrapartida, numa visão simplista a respeito de uma questão tão importante e crucial à sociedade contemporânea. A questão mais desafiadora, portanto, é criar condições para que as iniciativas educacionais sejam estratégicas para realizar as mudanças necessárias para motivar os cidadãos a agir em direção às metas de sustentabilidade. As questões são complexas e não possuem repostas precisas, mas os programas educativos têm apresentado impactos consistentes referentes à multiplicação do tema e de sua importância para a humanidade mover-se em direção a uma cultura política e social de sustentabilidade.

Incitados por estas questões, buscamos investigar sobre o que o campo de pesquisa da EA está construindo a respeito do tema mudanças climáticas. Através da análise das dissertações de educação ambiental que tratam do tema mudanças climáticas de maneira central, identificaremos as principais características do fenômeno que são destacadas por este campo, a análise das causas, consequências, medidas de mitigação apresentadas, bem como as concepções sobre os processos educativos que envolvem a temática ambiental que nos auxiliarão a compreender se as controvérsias associadas às mudanças do clima são reconhecidas pelo campo de pesquisa da educação ambiental.

Na próxima seção, apresentaremos as características gerais dos trabalhos que discorrem sobre este assunto, respondendo assim a nossa primeira questão de pesquisa.

5 MAPEAMENTO DAS DISSERTAÇÕES DE EDUCAÇÃO