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2 CARACTERIZAÇÃO E ARTICULAÇÕES PROPOSTAS ENTRE COMPLEXIDADES E

2.2 OS TEMAS CONTROVERSOS

As controvérsias estão presentes de maneira frequente em nossa realidade, no entanto, existem algumas características específicas que nos permitem caracterizar um tema como controverso. Ramos e Silva (2007, p. 5) indicam que até mesmo a definição de controvérsia é motivo de dissensos. Conforme os pesquisadores apresentam

[...] para alguns autores, trata-se de uma discussão entre duas partes envolvidas sobre determinado assunto, na qual estão em jogo suas crenças e argumentações, visão que situa a controvérsia num domínio mais cognitivo ou psicológico. Para outros, porém, as controvérsias não podem ser separadas de um contexto cultural mais amplo, sendo, portanto, fenômenos sociais, historicamente determinados.

Estes autores entendem que o enlace entre essas duas visões seja o caminho mais indicado para a busca desta definição, já que tanto as dimensões sociais quanto as dimensões cognitivas e psicológicas são importantes e influenciam o desenvolvimento de controvérsias.

De acordo com as definições de Rudduck (1986), um tema controverso é caracterizado como uma questão responsável por gerar diferentes posicionamentos dentre as pessoas e por envolver diferentes juízos de valor, o que impossibilita a resolução do “problema” apenas por meio da análise das evidências ou da experiência. Reis (2004) entende que a classificação de um assunto como sendo controverso depende de sua importância perante um número considerável de pessoas.

Até mesmo dentre a própria comunidade científica é passível o surgimento de conflitos. O meio científico é, aliás, um dos espaços que são mais suscetíveis ao advento de dissensos sobre determinados assuntos. Aos temas que envolvam a ciência e a tecnologia frequentemente estão associadas diversas controvérsias, sendo que estas se caracterizam por não poderem ser resolvidas levando em consideração apenas os assuntos associados a uma base técnica, já que envolvem valores, conveniências pessoais, pressões de grupos sociais e econômicos, e aspectos de natureza ética e religiosa (REIS, 2004).

Para Narasimhan (2001), é o envolvimento ativo da comunidade científica o responsável por caracterizar uma discordância a respeito de determinado tema como uma controvérsia. Sem este envolvimento, para o autor, o tema polêmico não adquire o status de controverso. Para o referido pesquisador, uma controvérsia é definida como uma “disputa” de

opinião sobre um assunto considerado significativo para a comunidade científica, sendo que esta discordância é de conhecimento público.

Ainda de acordo com o autor, a controvérsia, além de ser conhecida publicamente, é considerada como um evento histórico (o que implica em uma análise histórica) que instiga os envolvidos a demonstrar, de maneira fundamentada, os argumentos que os levam a fazer tal alegação epistêmica.

Essas controvérsias apresentadas no meio científico podem referir-se a fatores epistêmicos, ou seja, àqueles que são intrínsecos aos processos de elaboração do conhecimento científico (ascensão, negociação e rejeição de teorias, discordâncias metodológicas sobre as estratégias de coleta de dados ou o recorte da amostra, discordâncias sobre a validade ou alcance dos modelos elaborados, etc.). Ao mesmo tempo essas controvérsias podem ser originadas a partir de fatores não epistêmicos, ou seja, fatores externos ao meio acadêmico, mas que acabam por influenciar o posicionamento dos cientistas: disputas sociais, políticas, econômicas, discussões éticas, morais e religiosas sobre a moralidade de certas pesquisas, etc. (NARASHIMAN, 2001).

É importante salientar que as mudanças que ocorrem estritamente no interior da academia também poderão desencadear mudanças num âmbito social mais amplo. Ou seja, estamos tratando de múltiplas influências, o social, o político, o econômico são dimensões que perpassam o empreendimento científico, mas que também se deixam influenciar por ele (BARBOSA, LIMA e MACHADO, 2012).

Barbosa, Lima e Machado (2012) entendem a dificuldade de separação desses fatores epistêmicos e não epistêmicos de um determinado tema controverso. Os autores exemplificam essa constatação através do tema controverso aquecimento global: enquanto estamos tratando das controvérsias que envolvem o meio científico, principalmente aquelas relacionadas com a atribuição de causas para o fenômeno, estaríamos aparentemente tratando de fatores epistêmicos, entretanto diversos interesses políticos e econômicos afetam esse discurso sobre o clima, ao mesmo tempo que estes também são afetados pelo discurso científico. Conforme ainda destacado pelos autores:

[...] governantes, ONGs, cidadãos não especialistas e meios de comunicação adentram não apenas o debate das consequências e medidas de mitigação do fenômeno, mas também assumem polaridade ideológica quanto a suas causas, uma vez que tal orientação acaba por impactar macro e microescolhas referentes aos hábitos de vida de toda a sociedade. Partidários dos vários grupos acusam-se mutuamente, pondo em cheque a epistemologia e ética dos cientistas (p. 115).

Nesse sentido, no meio técnico e científico, a suscitação de pontos de vista divergentes vai além da busca de um “conhecimento verdadeiro” que confirme exclua uma hipótese ou busque trazer um final às questões debatidas, o que nos revela “[...] o quão efêmeras, mutáveis, incompletas podem ser as certezas dos conhecimentos científicos (como todas as outras certezas)” (RAMOS e SILVA, 2007, p. 6).

Tratando-se dessa mútua influência entre o científico, o social, o político e o econômico, Nelkin (1992) entende que as controvérsias podem ser suscitadas:

 Por implicações sociais, morais ou religiosas, de uma teoria ou práticas;  Por tensões sociais entre direitos individuais e objetivos sociais, prioridades

políticas e valores ambientais, interesses econômicos e saúde pública;

 Pela destinação de recursos financeiros públicos a grandes projetos em detrimento de outros nomeadamente sociais.

De acordo com Reis (2009), podemos caracterizar as controvérsias como científicas, sócio-científicas e socioambientais. As controvérsias científicas são aquelas que estão diretamente relacionadas com questões internas e restritas ao âmbito da comunidade científica. Segundo o autor, essas controvérsias podem ser amplamente denominadas de científicas porque esta instituição é competitiva e conflituosa:

A história da ciência é marcada por controvérsias intelectuais e conflitos sociais entre grupos de cientistas. Cada um dos grupos tenta produzir argumentos que aumentem a credibilidade da sua própria teoria e diminuam a credibilidade da teoria dos seus oponentes. Procuram, assim, as mais pequenas evidências que possam contrariar as hipóteses das quais discordam. Mas é no meio destas controvérsias científicas – internas e restritas à comunidade científica – que emerge o conhecimento organizado característico da ciência (REIS, 2009, p. 10).

Levando em consideração que a ciência e a tecnologia têm despontado várias reações e impactos na sociedade, também podemos identificar as controvérsias sócio-científicas. Reis (2009, p. 10) afirma que estas controvérsias

[...] não se resumem a disputas acadêmicas internas e restritas à comunidade científica consistindo, isso sim, em questões relativas às interacções entre ciência, tecnologia e sociedade [...], que dividem tanto a comunidade científica como a sociedade em geral, e para as quais diferentes grupos de cidadãos propõem explicações e tentativas de resolução incompatíveis, baseadas em valores alternativos.

Destas controvérsias sócio-científicas ainda podem emergir, dentre o meio político, social e/ou científico, diferentes percepções relativas ao impacto ambiental sobre a sociedade. Essas diferentes percepções são resultados de determinados empreendimentos, o que caracteriza as controvérsias socioambientais. Deste modo, estas controvérsias são aquelas que envolvem, de modo mais explícito, aspectos relativos às questões ambientais.

As controvérsias estão presentes em todos os âmbitos sociais e científicos. Como aponta Nicolai-Hernandez (2005) “[...] mesmo em temáticas mais relacionadas às ciências ditas duras há situações conflituosas que desafiam a lógica clássica e têm exigido uma maneira de lidar com proposições contraditórias sem invalidar os sistemas em questão” (p. 32). As controvérsias permeiam todas as áreas do pensamento humano (ciência, história, arte, economia, política, teologia, etc.), porém nem sempre estas são destacadas nos conteúdos escolares (REIS, 2007).

A realidade de produção do conhecimento é bastante conflituosa, visto que frequentemente há discordância entre os especialistas sobre os pareceres dados em relação a um mesmo assunto ou fenômeno. Esta característica, de acordo com Reis (2009), justifica a necessidade e importância de que tenhamos a capacidade, enquanto cidadãos, de avaliar os diferentes argumentos apresentados pelos diferentes sujeitos envolvidos.

No entanto, embora o campo científico seja constituído tanto por controvérsias científicas quanto por controvérsias sócio-científicas, muitos ainda entendem e defendem uma Ciência que é neutra, coerente, objetiva e que está longe de apresentar controvérsias, além de ser redentora de todos os problemas da humanidade. Essas concepções, de acordo com Ramos e Silva (2007, p. 4), são resultantes de uma formação arraigada a uma abordagem positivista da ciência e tecnologia, que nos apresentam a imagem de atividades científicas neutras e objetivas, e que, baseado apenas em evidências empíricas, constroem um saber racional e universal da realidade. Ainda de acordo com esta concepção, o cientista, por meio de um método infalível, desvenda e descreve a realidade tal como ela é, sem receber qualquer influência do meio e de suas próprias concepções de mundo, de seus valores e posicionamentos ideológicos.

Discorrendo especialmente em relação às controvérsias científicas e socioambientais, Silva (2007, p. 79) apresenta que estas auxiliam na construção e reconhecimento da complexidade ambiental, já que explora “[...] a outridade e os sentidos culturais diferenciados em um processo que incorpora os saberes particulares a partir de suas identidades e diferenças”.

Levando em conta essas diversas considerações, é importante destacarmos que os problemas socioambientais devem ser compreendidos a partir do viés da complexidade, de uma perspectiva que parte do “local-global-local”. Por exemplo, para compreender a situação climática do planeta, não podemos reduzi-lo a poucos traços esquemáticos e necessariamente devemos ter em conta muitos parâmetros, diferentes fenômenos que contribuem para modificar o clima terrestre, o que geralmente são responsáveis por gerar inúmeras controvérsias.

Silva (2007, p. 76) considera que “[...] as controvérsias relacionadas com as implicações sociais e ambientais da Ciência e da Tecnologia apresentam um grande potencial para explicitarmos a complexidade inerente à realidade”. Tratando de maneira especial da temática ambiental, Nicolai-Hernandez (2005) apresenta que a complexidade dessas questões colabora para o surgimento de vários tipos de conflitos e controvérsias que permeiam tanto a sua constituição quanto seu universo de interesse.

Em meio a esta complexidade e variedade de conflitos ligados à temática ambiental, Watanabe-Caramello (2012, p. 202) chama a atenção para o fato de que devemos “[...] buscar um olhar mais atento para as relações complexas e as incertezas que se estabelecem no meio ambiente, tomando o ser humano enquanto parte do sistema e não como mero espectador dos fatos, tal como presenciamos nos discursos do IPCC”.

Em relação ao fenômeno das mudanças climáticas, Martins e Ferreira (2010) destacam que esta temática encontra-se cercada pela incerteza e indeterminação, além de grandes complexidades. Ao mesmo tempo, é responsável por estimular “calorosas controvérsias científicas”, o que desencadeia “[...] complicadas disputas internacionais onde estão colocados diferentes interesses e visões sobre o problema” (p. 223).

Sendo assim, tendo em mente esse referencial teórico e ainda levando em consideração as diversas controvérsias associadas aos diferentes temas ambientais, a seguir destacaremos e argumentaremos sobre nossa concepção de que, através de uma visão complexa, as questões controversas devem ser abarcadas pelo campo da EA.

3 O PROCESSO EDUCATIVO E A TEMÁTICA AMBIENTAL: AS