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O trabalho como uma atividade moralmente aceitável

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1. INTRODUÇÃO

2.3. Os sentidos do trabalho para o ser social

2.3.4. O trabalho como uma atividade moralmente aceitável

Tem-se que o trabalho, como atividade que se desenvolve em meio à sociedade, deve respeitar seus preceitos morais tanto no que diz respeito à realização da tarefa quanto aos fins

a que ela se destina e às relações que estabelece; ou seja, deve ser realizado de maneira ética e socialmente responsável. Tanto é assim que, nas pesquisas de Morin (2001) já citadas, a autora afirma que os administradores pesquisados expressaram certo mal-estar em trabalhar em um meio que exaltasse valores que eles não compartilhassem, que tolerasse práticas desrespeitosas, injustas, contraprodutivas ou até mesmo desonestas ou imorais. Vários deles se mostraram preocupados com as contribuições do trabalho para a sociedade. Segundo eles, o trabalho torna-se algo absurdo, sem sentido, quando não serve para nada, quando não se relaciona a nenhum interesse humano e é realizado em um ambiente no qual as relações são superficiais. Por essas razões, ao considerar a organização do trabalho, as empresas devem procurar fazer isso levando em conta as implicações dele para si mesmas, para aqueles que o realizam e para a sociedade em geral. Concluindo suas colocações a respeito de um trabalho moralmente aceitável, os administradores pesquisados afirmaram que o trabalho é para eles uma forma de transcender seus interesses particulares, dedicando-se a uma causa importante e significativa para os outros.

Sem discordar da abordagem citada ou das pesquisas de Morin, cabe aqui um breve exame do que alguns autores entendem acerca de determinados conceitos que permeiam as questões da ética e da responsabilidade social nos dias de hoje, pois têm impacto no modo com que as pessoas classificam determinado trabalho como sendo ou não moralmente aceitável.

Para a maioria dos trabalhadores, pode ser razão de orgulho atuar em empresas reconhecidas pelo senso comum como socialmente responsáveis. Pode ser motivo de alegria o fato de que elas pratiquem ‘bondades’ para com a sociedade, baseadas no discurso de que reconhecem esse compromisso moral e de cidadania em relação às comunidades com as quais interagem. Todavia, Arendt (1995) chama de ‘bondade’ as boas ações que as pessoas praticam mas que

não vêm a público. Quando uma boa ação torna-se de conhecimento público, deixa de ser ‘bondade’ e torna-se ‘caridade organizada’. Logo, segundo o conceito de bondade de Arendt, a chamada ‘responsabilidade social empresarial’ não tem uma conotação de bondade das empresas para com as pessoas, mas de caridade organizada, uma vez que fazem questão absoluta de tornar suas ações nesse sentido as mais públicas possível. Aliás, isso para elas tem sido uma poderosa ferramenta estratégica face aos dividendos políticos e financeiros que o título de ‘empresa socialmente responsável’ pode trazer.

Em relação à ética, Chauí (1997) aponta que esta não é mais o predomínio da razão sobre as paixões, como na Antigüidade, nem a submissão da vontade humana à vontade divina, como no cristianismo, mas um valor restrito à esfera privada, comandado pela lógica do mercado, em que as paixões são incluídas ou excluídas segundo a utilidade que tenham para os novos interesses econômicos, sociais e políticos. Quando são úteis, as paixões são transformadas em valores morais, em virtudes, já que

[...] se a finalidade da ética é a virtude e o bem, os meios precisam ser bons e virtuosos, sem o que não há ética, uma vez que as ações realizadas em vista de um certo fim já fazem parte do próprio fim a ser atingido, são o caminho para ele. (CHAUÍ, 1997, p.354)

É assim que a cultura capitalista segue moldando essa ética instrumental, em nada comprometida com a vida. É com base nessa noção de ética que a economia dominante, por meio da ‘doutrinação simbólica’, do ‘trabalho de imposição’ começado há muito tempo, do ‘gota-a-gota simbólico’, de que trata Bourdieu (1998), procura engendrar nas pessoas os pressupostos equivocados de que o Estado é ineficie nte, de que este ou aquele candidato é o salvador da pátria (cultura populista), de que a perda do emprego é culpa do próprio trabalhador que não soube mantê- lo, de que cada trabalhador é responsável pela própria carreira profissional, de que a globalização é boa para o trabalhador e para a sociedade, pois

abre caminhos para a conquista de novos espaços, etc. A própria visão do funcionário público como ‘vagabundo’, pensando-se na linha de Bourdieu, parece fazer parte dessa estratégia de doutrinação, já que interessa à elite dominante minar o que ainda resta das instituições estatais e dos agentes públicos dispostos, segundo o autor, a

trabalhar para inventar e construir uma ordem social que não teria como única lei a busca do interesse egoísta e a paixão in dividual do lucro, e que daria lugar a coletivos orientados para a busca racional de fins coletivamente orientados e aprovados. (BOURDIEU, 1998, p.148)

Na política, Chauí (1997) afirma que a idéia que prevalece é a de que todos os meios são bons e lícitos se o fim for bom para a coletividade, ou seja, há uma diferença de natureza entre meios e fins, que leva a uma separação, embora se exija certa proporção entre eles. O lema é ‘rouba, mas faz’. No entanto, a autora aponta que essa separação entre meios e fins, típica da política, parece ter invadido o interior da ética por meio de um fenômeno nacional conhecido como ‘lei de Gerson’ – levar vantagem em tudo. Esse modo de pensar tem causado efeitos perturbadores para as pessoas e gerado uma crise de valores, ao se encontrar com uma sociedade, por exemplo, que considera que a competição e a vitória sobre os outros são uma prova de superioridade e, portanto, transforma-os em valores morais. Essa mesma sociedade afirma que para se alcançar a vitória – fim – todos os meios competitivos são válidos. Dessa forma, se está diante de um alargamento do espaço entre meios e fins, antes permitido somente na política.

2.4. Apontamentos acerca da esfera pública, da esfera privada, da privatização da esfera

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