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O trabalho experimental e o ensino das Ciências

CAPÍTULO 2 – Referencial teórico e fundamentos do estudo

2.1. Ensino Experimental e Educação em Ciências

2.1.2. O trabalho experimental e o ensino das Ciências

Antes de nos debruçarmos um pouco mais sobre o trabalho experimental e a sua importância, será conveniente fazer a distinção entre trabalho prático, trabalho laboratorial e trabalho experimental. O termo trabalho prático (TP) “aplica-se a todas as situações em que o aluno está ativamente envolvido na realização de uma tarefa, que pode ser ou não de tipo laboratorial” (Martins et al., 2007, p. 36). O trabalho laboratorial (TL) por sua vez é relativo ao “conjunto de atividades que decorrem no laboratório, com equipamentos próprios ou com estes mesmos equipamentos em outro local, se isso não acarretar risco para a saúde e/ou segurança” (Martins et al., 2007,p. 36). Já o termo trabalho experimental (TE) “aplica-se às atividades práticas onde há manipulação de variáveis” (Martins et al., 2007, p. 36). Estes três tipos de atividades estão muitas vezes relacionados e “referem-se a atividades cujas características podem ou não confluir simultaneamente na mesma” (Martins I. et al., 2007, p. 36).

Hoje em dia, estes três tipos de atividades são desenvolvidos, muitas vezes em conjunto, para um eficiente ensino das Ciências. A importância da sua aplicabilidade com os alunos é, por excelência, um ponto de debate e reflexão na educação científica gerando intervenções nem sempre coincidentes de professores, especialistas, decisores do currículo e de políticas educativas. Os motivos que levam os professores e especialistas a apoiar o trabalho experimental em articulação com o trabalho laboratorial e prático, prendem-se com o reconhecimento de que são atingidos vários objetivos relativos ao saber, ao saber fazer e relativos ao ser. Apresenta-se de seguida uma tabela síntese (ver Tabela 5) de alguns objetivos que são alcançados com o desenvolvimento destes três tipos de atividades:

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Tabela 5 - Objetivos alcançáveis com o trabalho experimental, em articulação com o

laboratorial e prático, adaptado de Aleixandre, Caamaño, Oñorbe, Pedrinaci, & Pro (2003); Hofstein & Lunetta (2004) e Martins et al. (2007).

Objetivos alcançáveis com o trabalho experimental, em articulação com o laboratorial e prático Objetivos relativos ao saber Objetivos relativos ao saber fazer Objetivos relativos ao ser Reforçar a aprendizagem da teoria; Aprender e compreender de modo prático os conceitos científicos; Verificar factos e princípios estudados teoricamente; Entender a natureza e os métodos da Ciência e as complexas interações entre a Ciência, Tecnologia e Sociedade; Ilustrar a relação entre variáveis, importante na interpretação do fenómeno Explicar fenómenos naturais; Apreciar o papel do cientista numa investigação. Aprender técnicas de laboratório.

Aplicar normas de limpeza, segurança e organização. Desenvolver competências manipulativas e laboratoriais; Desenvolver a observação rigorosa;

Registar dados de forma rigorosa;

Analisar dados para obter conclusões;

Registar resultados; Retirar conclusões; Desenvolver o raciocínio científico;

Realizar experiências para testar hipóteses;

Aplicar o método científico;

Motivar os alunos; Desenvolver atitudes científicas; Desenvolver a iniciativa pessoal; Desenvolver a capacidade de trabalho em grupo. Desenvolver a curiosidade e admiração pelo mundo natural;

Desenvolver o espírito crítico;

Como se pode observar, as atividades experimentais em articulação com atividades laboratoriais e práticas constituem um meio de ensino eficaz para atingir muitos dos objetivos de Educação em Ciências: proporcionam experiências educativas de elevadas potencialidades pedagógico/científicas, permitem o desenvolvimento de um conjunto de competências que se revelam em diferentes domínios, tais como o conhecimento, o raciocínio, a comunicação, as atitudes e valores. Contudo, os custos elevados do equipamento técnico utilizado, juntamente com as restrições impostas pelas

27 regras da saúde e de segurança, limitam muitas vezes as possibilidades de realizar atividades experimentais nas escolas (Theune et al., 2009).

No relatório “Science Education Now: A renewed Pedagogy for the Future of Europe”, publicado por Rocard et al. (2007) é defendida a necessidade em promover uma educação em ciências de natureza investigativa, já que está comprovada a sua eficácia, nos ensinos primário e secundário, no aumento do interesse das crianças e jovens pela ciência e simultaneamente no aumento da motivação dos professores. Esta abordagem investigativa do ensino das ciências, e a tradicional abordagem dedutiva não devem ser mutuamente exclusivas, mas combinadas nas aulas de ciências de forma a responder às necessidades e preferências dos alunos de diferentes faixas etárias (Rocard et al., 2007). Osborne e Dillon (2008), recomendam igualmente uma educação em ciências que envolva os alunos com os fenómenos científicos, através da realização de trabalho experimental investigativo, em detrimento de uma aquisição linear de conceitos. De facto, e segundo Baldaia (2006), as atividades experimentais de natureza investigativa potenciam a apropriação do conhecimento e a mudança de atitudes no aluno, que tem um papel ativo na pesquisa e na superação de situações problemáticas. Para Cachapuz, Praia e Jorge (2002), estas atividades experimentais fundamentam-se nos conhecimentos dos alunos, pressupõem uma reflexão conceptual e processual e, concomitantemente, o desenvolvimento de capacidades de processamento e reconstrução crítica da informação. Não se limitam à manipulação das instruções definidas pelo professor, sendo uma atividade de caráter investigativo que envolve a resolução de problemas (Cachapuz et al., 2002). As atividades experimentais assim orientadas possibilitam uma compreensão mais adequada da ciência e da atividade científica, já que desempenham um papel muito importante no desenvolvimento de conceitos científicos e de capacidade de resolução de problemas, o que ajudará os alunos a aprender como observar objetivamente e como desenvolver soluções para problemas complexos (Cachapuz et al., 2002).

Se se aceita que o trabalho experimental deve refletir as características do trabalho científico e se se partir do pressuposto que a atividade científica é

28 uma atividade de resolução de problemas, propõe-se perspetivar o trabalho experimental como uma atividade de resolução de problemas e, portanto, como uma atividade cooperativa de natureza investigativa que envolve a pesquisa de solução de problemas (Almeida et al., 2001). A realização de atividades experimentais permite que o grupo de trabalho: selecione e planifique as estratégias experimentais; defina quais são os resultados experimentais a obter e os registos a fazer; se estimule mutuamente para a prossecução da atividade (Almeida et al., 2001). Por sua vez, a discussão pós atividade experimental, em grupo, ao proporcionar o confronto dos resultados obtidos, das interpretações que os alunos fizeram, bem como da avaliação dos processos desenvolvidos, sem o constrangimento de se chegar à resposta certa, encoraja os alunos a (re)pensar sobre as ideias e os processos (Almeida, 1998).

No Ensino das Ciências que recorre ao trabalho experimental, é importante perceber qual deve ser a ação do professor no desenvolvimento dessas atividades. De acordo com Sá (2002) e Sá e Varela (2004), o professor deve orientar e auxiliar na organização e desenvolvimento das atividades, estimular o debate de ideias e a sua partilha e promover o questionamento. Na Tabela 6 estão sumariadas as ações do aluno e do professor no desenvolvimento das atividades experimentais.

Tabela 6 - Resumo das ações dos alunos e professor no desenvolvimento das

atividades experimentais, adaptado de Sá (2002); Sá e Varela (2004).

Alunos Professor

Explicitam as suas ideias e modos de pensar

Valoriza as ideias; formula questões; concede tempo; procura descodificar as palavras dos alunos.

Comunicam, discutem,

argumentam e contra-argumentam em pequeno grupo e em grande grupo.

Estimula a discussão e cooperação circulando pelos grupos; dinamiza a discussão de grande grupo; promove sínteses após um processo de maturação cognitiva.

Refletem e questionam-se sobre as suas ideias submetendo-as à crítica no confronto com os outros, e submetendo-se à prova da evidência experimental.

Promove a discussão; estimula os alunos a relacionarem as suas ideias com objetos e materiais disponíveis, no sentido de os induzir a planearem e executarem procedimentos

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Alunos Professor

Planificam as suas investigações em pequeno grupo e em grande grupo, e executam os

procedimentos com a intencionalidade do plano estabelecido.

Promove o questionamento pertinente que em cada situação e momento fornece o estímulo intelectual e a adequação do grau de dificuldade, indispensáveis para que os alunos vão evoluindo num contínuo fluxo reflexivo.

Submetem as evidências a intensa reflexão e inventam ideias para resolver questões ou interpretar resultados.

Estimula os alunos a apresentarem as suas explicações incitando-os à reflexão individual e de grupo; focaliza a atenção dos alunos em aspetos relevantes das evidências; fomenta a discussão em torno de boas ideias no sentido de as melhorar.

Consolidam as aprendizagens através do registo, do relatório oral e escrito e do confronto das suas ideias e expetativas iniciais com as evidências e ideias

desenvolvidas.

Ajuda e incentiva os alunos a fazerem registos e relatórios, apontando erros, formulando questões. Solicita que um ou outro aluno apresente à turma a sua síntese e introduz questões e/ou

clarificações a ter em conta por todos os alunos.

De acordo com Pires (2002), o ensino experimental deve ser a base do Ensino das Ciências desde o 1.º CEB, já que as atividades experimentais permitem aos alunos o desenvolvimento de competências cognitivas simples “relacionadas com a aquisição de conhecimento que requer um baixo nível de abstração, e que se manifesta na capacidade de adquirir conhecimento factual e de compreender conceitos aos mais baixo nível” (p. 61), de competências cognitivas complexas “relacionadas com a aquisição de conhecimento que exige um elevado nível de abstração e que se manifesta na capacidade de compreender conceitos ao mais alto nível e na aplicação de conhecimentos a situações novas” (Pires, 2002, p. 61), e de competências psicomotoras e sócio afetivas. O ensino experimental das ciências (EEC) é determinante no processo de construção do conhecimento, já que permite a estimulação do aluno relativamente ao conhecimento científico (Sousa, 2012). Citando Gonçalves (2012),

um EEC que apele à previsão, à planificação e ao envolvimento do aluno na conceção de atividades práticas e investigativas, vai muito além de executar procedimentos, observar, fazer medições e registar. Despoleta a capacidade de explicar, interpretar, avaliar, refletir, argumentar, sem receio de submeter as suas ideias, de as partilhar e de lhes verificar os limites e fragilidade.(p. 30)

30 No EEC, tem sido, nos últimos tempos, prática corrente nas escolas, o uso das TIC, já que, constituem ferramentas importantes, no suporte de competências, atitudes investigativas, e aquisição de conceitos científicos (Murphy, 2003). Segundo este autor, as TIC podem ser utilizadas de forma exploratória e experimental, permitindo que as crianças desenvolviam as diferentes etapas de um trabalho experimental, com recurso a estas tecnologias. Por exemplo, podem recorrer a pesquisas na internet para a colocação de questões, previsões e hipóteses; podem recorrer a instrumentos como máquina fotográfica digital, microscópio digital, para realizarem observações e manipularem variáveis; podem ainda recorrer a apresentações em PowerPoint dos resultados obtidos, que podem posteriormente partilhar on- line com outras escolas e colegas, e que contribui para a interpretação dos resultados obtidos e para uma avaliação das evidências científicas (Murphy, 2003).

2.1.3. Os sentidos e os sensores no Ensino Experimental das