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O trabalho no processo de formação humana

2 A categoria trabalho na ontologia do ser social de György Lukács

2.2 O trabalho no processo de formação humana

Mantendo a fidelidade a Lukács, até aqui, foi possível apresentar sua apreensão e compreensão de como o ser que principia a trabalhar, de forma lenta e contínua, promove o salto ontológico que o conduz à passagem do ser natural ao ser social. Lukács explicita, com precisão, como o complexo do trabalho desempenha a tarefa fundante deste ser qualitativamente novo, ao mesmo tempo que se configura como central no processo contínuo de autoformação humana, ao longo de seu desenvolvimento material histórico.

No interior desse complexo, o autor, com extremo rigor e exatidão, apresenta a teleologia como categoria subordinada ao ato singular humano, ao mesmo tempo em que desconstrói as errôneas assimilações dessa categoria, ao longo da história da filosofia. Nesse sentido, a teleologia é posta como fundamental na possibilidade de existência do ser e de sua reprodução de vida, afinal, a concretização da objetivação do homem no mundo em seus atos de por dependem, essencialmente, do entrelaçamento entre pensar, agir e transformar.

O pensar é anterior ao pôr em movimento dos materiais no processo de trabalho. Porém, esta anterioridade dever ser compreendida pela afirmação de que no trabalho o ato da produção pressupõe a busca dos meios enquanto momento de prévia-ideação, na exata medida em que o processo de produtivo “não pode deixar de implicar o conhecimento objetivo do sistema causal dos objetos”. Esta advertência é necessária, pois não podemos esquecer que o tratamento lukacsiano à questão tem como perspectiva fundamental a noção de complexo, sendo portanto necessário observar que para nosso autor tal separação é apenas didática, pois esses dois polos constituem momentos heterogêneos, porém sempre no interior de uma unidade, isto é, na realidade

encontram-se em profunda e ineliminável interação e somente podem ser separados para efeitos analíticos. A análise lukacsiana, portanto, parte da constatação primordial de que “a existência ontológica de um depende da existência ontológica do outro” (FORTES, 2001, p. 57).

No processo histórico que começa com a formação humana, dá-se início ao processo de conhecer a realidade e os elementos casualmente existentes nela, elementos estes passíveis de transformação em sua forma. Os produtos derivados desse processo carregam em si sentidos atribuídos pelo por do homem, fato que agrega sentido e valor a tais objetos. Ao mesmo tempo, para que se tenha êxito, o ser que trabalha, além de conhecer as propriedades dos entes naturais, necessita, na mesma proporção, elaborar as formas mais adequadas da realização de seus pores, o que exige do ser social conhecer as possibilidades, na totalidade, para a execução correta do seu ato laborativo. Nesse sentido, Lukács se debruça sobre entender a relação posta entre as categorias trabalho e alternativa.

Este é um ponto fundamental para a autoformação do ser social, pois, a partir da inter-relação das categorias causalidade e teleologia, abrem-se as condições adequadas de apreensão e compreensão desse processo material e histórico. Lukács afirma que, desde os primeiros homens, o conhecimento sistematizado (no sentido epistemológico) não foi determinante para que o homem pudesse efetivar concretamente sua tarefa laboral. Se o fosse, não seria possível o surgimento do trabalho nos estágios mais primitivos, nos quais esse ser não dispunha de reproduções adequadamente sistematizadas e acumuladas. E essa ausência de conhecimento sistematicamente produzido no e pelo trabalho, somada à observação da natureza, não impediu que o ser humano se pusesse a trabalhar e, no interior de sua prática produtiva, progressivamente, fosse conhecendo as propriedades dos objetos em que se objetivavam, dessa maneira iniciando um processo moroso de produção das condições que possibilitavam, mesmo que minimamente, a reprodução de sua existência.

Esse fato é realçado não apenas porque aí está presente a possibilidade objetiva de um superior desenvolvimento ilimitado do trabalho, mas também porque deriva com clareza como um pôr concreto; um pôr que apanhe com aquela adequação concretamente requerida pelo pôr do fim concreto os momentos causais necessários para o fim em questão tem a possibilidade de ser realizado com sucesso também nos casos em que as representações gerais acerca dos objetos, dos processos, das conexões etc. da natureza ainda são inteiramente inadequadas enquanto conhecimento da natureza em sua totalidade (LUKÁCS, 2013, p. 56).

É preciso ter o cuidado de reconhecer a delimitação dialética presente na homogeneização tratada anteriormente, para que se alcance a concretude do outro ponto de vista. Portanto, é preciso ficar claro que:

A descoberta de “novas combinações” é um ato do sujeito que se apropria idealmente da malha causal que governa os objetos, que elabora e descobre as novas articulações e combinações possíveis dos atributos do elemento natural, produzindo, desse modo, novas formas de objetividade condizentes com suas necessidades e desse modo, novas formas de objetividade condizentes com suas necessidades e intenções (FORTES, 2001, p. 58).

Conforme Lukács, nesse movimento existe a ocorrência da “dupla socialização do pôr do fim”, ou seja, primeiro ela é resultado de uma necessidade surgida no interior da vida social, segundo, é preciso alcançar as condições necessárias para a satisfação das mesmas, “enquanto o caráter natural dos substratos dos meios que a realizam impele a práxis, nesse momento, para dentro de um ambiente e uma atividade constituídos de outra maneira”, essa dupla socialização do fim cria em seu desenvolvimento “uma heterogeneidade de princípio entre fim e meio” (LUKÁCS, 2013, p. 56). A superação dessa heterogeneidade pela “homogeneização de princípio entre fim e meio” pode encobrir um problema importante, demonstrando que a sujeição do meio ao fim não é uma questão tão simples quanto possa parecer. É necessário sempre ter clareza de que alcançar o sucesso ou o fracasso na realização do por tem relação direta com até que ponto a investigação dos meios para se realizar tal tarefa foi capaz de conseguir “transformar a causalidade natural em uma causalidade – falando em termos ontológicos – posta” (LUKÁCS, 2013, p. 56).

Como foi dito, o por do fim deriva de uma necessidade do ser social em formação, “mas, para que ela se torne um autêntico pôr do fim”, é necessário que se realize de maneira consistente a investigação dos meios para alcançar o por. É fundamental que se alcance o momento em que a investigação dos meios atinja um estágio adequado de conhecimento sobre as propriedades da natureza, pois, “quando tal estágio ainda não foi alcançado, o pôr do fim permanece um mero projeto utópico, uma espécie de sonho, como o voo foi um sonho desde Ícaro até Leonardo e até bom tempo depois” (LUKÁCS, 2013, p. 56-57). Do ponto de vista da ontologia do ser social, aqui ocorre a ligação profunda entre o trabalho e o desenvolvimento científico, consequentemente, o desenvolvimento das ciências em seu percurso histórico, pois se adentra o campo aberto pela investigação dos meios indispensáveis para a concretização da transformação material, a partir do conhecimento da realidade concreta, ou seja,

trata-se aqui do processo de objetivação social humana no mundo por meio dos pores. Lukács amplia o entendimento do novo, superando o primeiro momento tratado no ato da “mais primária teleologia do trabalho”. Ao efetuar esse movimento, ele incorpora aquilo que denominou “categoria regional do social”, que reconhece ser a primeira “elevação sobre toda mera naturalidade –, está contida nesse modo de surgir e de se desenvolver no trabalho”. A princípio, é possível admitir que, como consequência do até aqui exposto, pela singularidade do trabalho, o fim regula o meio. Contudo, para Lukács, ao se considerar, como fez Hegel, a continuidade do processo de trabalho para a satisfação das necessidades, verifica-se uma inversão nessa ordem de prioridade, ou seja, “embora não sendo certamente absoluta e total é, mesmo assim, de extrema importância para o desenvolvimento da sociedade e da humanidade”. Ao reconhecer que o conhecer da natureza é tarefa indispensável para a realização do trabalho, e que esse conhecimento deriva da investigação dos meios, passa-se a estes, em escala hierárquica, a condição “de garantia da fixação dos resultados dos processos de trabalho, da continuidade na experiência de trabalho e especialmente de seu desenvolvimento ulterior”. Essa é a razão fundamental que torna o conhecimento dos meios o fator preponderante, pois, a partir dele, serão produzidas as condições (ferramentas, instrumentos, técnicas, etc.) que garantirão a contínua reprodução do necessário à satisfação das necessidades, por isso ele ganha esse relevo em relação à própria satisfação da necessidade (LUKÁCS, 2013, p. 57). Lukács cita Hegel para ratificar esse movimento dialético:

O meio é pois o termo médio exterior do silogismo no qual consiste a realização do fim. Nisto se dá a conhecer a racionalidade como aquela que se conserva nesse outro exterior e precisamente por intermédio dessa exterioridade. Por isso o meio é algo de superior aos fins finitos da finalidade

externa; - o arado é mais nobre que as satisfações que ele permite e que

constituem os fins. O instrumento se conserva, enquanto as satisfações imediatas passam e são esquecidas. Com seus instrumentos, o homem domina a natureza exterior, ainda que lhe permaneça sujeito segundo os seus fins (HEGEL, 1841, v. V, p. 220, v. 6, p. 453 apud LUKÁCS, 2013, p. 57- 58).

Lukács retoma esse aspecto tratado no capítulo dedicado a Hegel, por entender ser necessário tocar mais uma vez na questão. Dessa forma:

A essência da atividade humana e o seu diferencial frente ao ordenamento da natureza é revelado por Hegel com toda a precisão e clareza: a legalidade natural permanece tal como é em-si; a ação humana não transforma seus atributos, mas se utiliza deles para produzir os objetos do seu carecimento, fazendo com que a atividade natural se torne diferente do que era, ou seja, seu movimento – a forma da combinação de seus atributos, etc. –, é

decisivamente posto e orientado pela finalidade humana (FORTES, 2001, p. 59).

Nesse sentido, Lukács ressalta acertos da filosofia hegeliana, da mesma maneira que identifica determinada rigidez sobre alguns aspectos, mas que, de maneira geral, entende lançarem luz sobre a questão. Para o filósofo húngaro, Hegel verifica com acerto a maior duração dos meios em relação à satisfação imediata. Porém, chama atenção para que, na realidade social, mesmo que a necessidade singular seja imediatamente satisfeita, ela “também possui persistência e continuidade quando se considera a sociedade como um todo”. Outro ponto abordado por Lukács é o acerto hegeliano em relação ao desenvolvimento dos meios possibilitarem o afastamento das barreiras naturais, ou seja, “o momento do domínio ‘sobre a natureza exterior’, com a delimitação dialética igualmente correta de que, ao contrário, no pôr do fim, o homem permanece submetido a ela”. Todavia, é preciso ter no horizonte que essa concretização hegeliana se dá no plano da sujeição imediata à natureza, pois só é possível ao homem realizar pores a “aqueles fins cujos os meios adequados à sua efetivação dominam de fato” (LUKÁCS, 2013, p. 58), o que demonstra um desenvolvimento social,

isto é, daquele complexo que Marx chama de metabolismo do homem, da sociedade, com a natureza, no qual não há dúvida que o momento social não pode deixar de ser o momento predominante. E com isso, de fato, a superioridade do meio é sublinhada ainda com maior força do que no próprio Hegel (LUKÁCS, 2013, p. 58).

Ao reforçar a posição hegeliana e enfatizá-la, Marx vai além e explicita o maior grau de importância dos meios em relação aos fins, pois, no metabolismo da sociedade com a natureza, está posto que o ser, ao transformar a matéria, reafirma que

os produtos do trabalho não são simples objetos naturais, mas formas de objetividade humano-social. A propriedade humana inserida no elemento natural é acima de tudo a nova forma de ordenamento, são as novas combinações, atribuições e destinações dadas ao elementos e objetos da natureza. A natureza é penetrada por um princípio extrínseco ao espontaneísmo causal de seus desdobramentos, isto é, por um telos. Nos termos empregados por Lukács, a causalidade espontânea da natureza torna- se uma “causalidade posta” pela atividade humana (FORTES, 2001, p. 60).

Outro elemento que Lukács utiliza para apresentar a importância dos meios para o desenvolvimento social humano está contido nas escavações e descobertas arqueológicas. Os traços (ferramentas, utensílios, etc.) deixados por civilizações anteriores são elementos-chaves para conhecermos as etapas pelas quais passou a humanidade, já que não há outros registros que auxiliem na mais ampla compreensão

desses períodos. “No entanto, atrás desse problema cognitivo há, como sempre, um problema ontológico” (LUKÁCS, 2013, p. 58-59). Esses materiais recolhidos nas escavações são, na maioria dos casos, documentos únicos para conhecermos esses processos de formas de existência completamente desaparecidas e eles, muitas vezes, podem oferecer as diretrizes “a respeito da vida concreta das pessoas que os utilizaram, conhecimentos muito maiores do que os que parecem esconder-se nelas” (LUKÁCS, 2013, p. 59). Por essas descobertas, a história das ferramentas pode conter em si muito mais que a explicitação de como e para que foram produzidas, mas podem também revelar a forma de vida das pessoas que as utilizaram. Quer dizer, esses documentos históricos auxiliam na demonstração de como a humanidade se desenvolveu de forma material, histórica e socialmente, como se deu o processo de afastamento das barreiras naturais, a partir da realização de seus pores, e como passou a elaborar meios cada vez mais eficazes de domínio sobre o meio natural. Lukács se apoia em Gordon Childe no que se refere ao afastamento das barreiras naturais por meio do crescente conhecimento adquirido na práxis social e sua aplicação na realidade da vida cotidiana da sociedade:

aqui nos detemos apenas na questão muitíssimo geral do afastamento das barreiras naturais da sociedade do modo como foi descrito com precisão por Gordon Childe na análise da fabricação de vasos no período por ele chamado de revolução neolítica. Antes de qualquer outra coisa, Childe acentua o ponto central, a diferença de princípio que há entre o processo de trabalho ligado à fabricação dos vasos e aquele utilizado na feitura de ferramentas de pedra ou de osso (LUKÁCS, 2013, p. 59).

Essa é uma colocação que demarca a passagem de um momento a outro na história da humanidade, ou seja, delimita a diferença entre as duas épocas citadas por Lukács; a primeira marcada pela limitação material dos objetos utilizados pelos homens na confecção de suas ferramentas, a segunda apresenta o avanço na eliminação dessa “limitação do material originário da natureza e confere aos objetos de uso exatamente aquela constituição que corresponde às suas necessidades sociais” (LUKÁCS, 2013, p. 59).

Outro ponto fundamental que Lukács extrai dessa relação está ligado ao fato de, mesmo no decorrer do tempo, de forma inconsciente, todo o desenvolvimento emergente da “investigação dos objetos e processos da natureza”, necessário em momentos anteriores ao por da causalidade e ao desenvolvimento dos meios necessários para este fim, ser “constituído essencialmente por atos cognitivos reais”, e é a partir desses atos que se dá início e em que está fundada a gênese da ciência (LUKÁCS, 2013, p. 59-60). Como já foi exposto, Lukács entende que todo processo de humanização

deriva do ato de trabalhar. O trabalho é a categoria fundante do ser que ultrapassa a barreira do ser puramente orgânico até alcançar a condição qualitativamente superior de ser social. Nesse processo lento e contínuo, esse ser que se humaniza pela práxis social transforma objetos naturais em coisas úteis para a satisfação de suas necessidades imediatas. Para isso, lança mão da observação daquilo que existe e está disponível na natureza e elabora investigações que possibilitem a ele fazer as escolhas dos materiais corretos aos seus objetivos. Esse movimento permite o acúmulo de conhecimentos adquiridos no ato de trabalhar que passam a compor o leque de possibilidades produtivas e reprodutivas. A investigação dos meios é condição fundamental para a preparação do trabalho e sua posterior objetivação daquele projeto já idealmente existente. Por isso, o autor defende que todo conhecimento socialmente produzido pela humanidade é fruto do trabalho.

A própria história atual da ciência, embora aborde muito raramente esse problema com plena consciência, faz referência a numerosos casos nos quais leis gerais, extremamente abstratas, se originaram da investigação referente a necessidades práticas e ao melhor modo de satisfazê-las, ou seja, da tentativa de encontrar os melhores meios no trabalho (LUKÁCS, 2013, p. 60).

Posto isso, para Lukács, a gênese da ciência está posta a partir do trabalho, pois trata-se da relação estabelecida entre o ato de produzir humano e a generalização do conhecimento obtido no momento da investigação para se alcançar os fins desejados. A investigação dos meios é o momento predominante para a construção de conhecimentos que possibilitam a confecção de ferramentas, armas, utensílios, etc. como extensão do homem que trabalha e, dessa maneira, garante sua reprodução e sua permanência enquanto ser social. “A racionalidade humana é capaz de pôr fins, de estabelecer novas funções a fenômenos totalmente indiferentes e heterogêneos aos interesses e carências humanas (ex: o mar, que antes era limite espacial para o homem, torna-se veículo para a conquista de novos territórios)” (FORTES, 2001, p. 60). Lukács, a partir de estudos especializados sobre a astronomia da China antiga, demonstra como essa generalização se dá e produz ciência:

Somente depois da invenção da roda, diz Bernal, foi possível imitar com exatidão os movimentos rotatórios do céu ao redor dos polos. Parece que a astronomia chinesa se originou dessa ideia de rotação. Até aquele momento o mundo celeste tinha sido tratado como nosso (LUKÁCS, 2013, p. 60).

Esse processo desenvolveu-se, alargou-se e, nesse movimento contínuo, estruturou as ciências. Contudo, é preciso ressaltar a lentidão desse processo, pois se no trabalho está a gênese da ciência, é preciso apreender e compreender que, em diversos

momentos, “grandes mudanças científicas tiveram suas raízes em imagens do mundo que pertenciam à vida cotidiana (ao trabalho), as quais, tendo surgido pouco a pouco, num determinado momento apareceram como radicalmente, qualitativamente, novas” (LUKÁCS, 2013, p. 61). No decorrer desse desenvolvimento, com o avanço das ciências especializadas, a estruturação da indústria e a dominância do sistema pautado pelo capital, o processo primário ontológico fincado no trabalho ficou escondido diante dos fenômenos surgidos a partir dele. Porém, “do ponto de vista ontológico, nada mudou essencialmente; seria até interessante considerar mais de perto, ontológico- criticamente, as influências desse mecanismo sobre a ciência” (LUKÁCS, 2013, p. 61).

Reconhecendo que a exposição sobre o trabalho até aqui é ainda incipiente, Lukács considera já haver elementos suficientes para que se possa compreender que essa categoria já apresenta, para a ontologia do ser social, as formas do ser qualitativamente novas em relação às anteriores, seja nas formas orgânicas, seja nas inorgânicas. “Essa novidade consiste na realização do pôr teleológico como resultado adequado, ideado e desejado”. Novidade essa que é inteiramente inédita na totalidade da realidade natural, que, em si, verificam-se “apenas realidades e uma ininterrupta transformação de suas respectivas formas concretas, um contínuo ser-outro”. Por isso, para o autor, a teoria marxiana é decisiva, pois Marx é, seguramente, o filósofo que identificou na categoria trabalho a condição fundante do “ente teleologicamente produzido, que funda, pela primeira vez, a peculiaridade do ser social” (LUKÁCS, 2013, p. 61). Nesse sentido, o filósofo húngaro confronta as teorias idealistas ou religiosas, que, em sua essência, universalizam o domínio da teleologia e submetem a realidade ao “trabalho” de um criador, de um ser consciente que coloca finalidade e atribui sentido a todas as coisas. Se fosse correta essa posição filosófica:

Toda pedra, toda mosca seriam uma realização do “trabalho” de Deus, do espírito universal etc., do mesmo modo as realizações, que acabamos de descrever, próprias dos pores teleológicos do homem. Consequentemente, deveria desaparecer a diferença entre sociedade e natureza (LUKÁCS, 2013, p. 61).

Essas correntes filosóficas, ao se depararem com esse problema ontológico, identificaram, erroneamente, um dualismo, movimento esse que os levou a confrontar, “em geral, as funções da consciência humana (aparentemente) apenas espirituais, inteiramente separadas (aparentemente) da realidade material, com o mundo do ser meramente material” (LUKÁCS, 2013, p. 61).

Ao identificar esse dualismo, não surpreende que a realidade material perca continuamente mais valor em detrimento das posições oriundas do idealismo e das teologias. Nesse sentido, não é reconhecido o metabolismo do homem com a natureza, mesmo que, continuamente, o homem, através de sua práxis e fundamentalmente pelo seu trabalho, amplie seu domínio sobre os demais entes existentes na realidade. Para