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2 A categoria trabalho na ontologia do ser social de György Lukács

2.4 Trabalho: modelo de toda práxis social

Lukács, ao tratar do trabalho como por teleológico que promove a ação humana que se efetiva na natureza e a transforma, demonstra que, nesse ato, está contida a gênese efetiva promotora da formação humana. Isso porque tal processo desencadeia o desenvolvimento necessário à autoconstituição do ser social. Dessa forma, o autor deixa claro que, no desenvolvimento humano, estão presentes tanto a objetividade quanto a subjetividade, atuando estas de maneira contínua no interior dos desdobramentos presentes a partir do complexo originário, a partir dos pores teleológicos. Por essa razão, o trabalho é reconhecido como princípio que conduz à humanização do ser, que se torna base para o posterior desenvolvimento de todos os demais complexos categoriais que

compõem a totalidade ontológica real singular do ser social, sobrelevando-o a sua condição natural, desencadeando, dessa forma, a potencialidade humana.

Quando Lukács apresenta o pôr teleológico no trabalho e as consequentes alternativas a partir da realidade, demonstra como neles “já estão contidos in nuce”, tanto em suas formas gerais quanto nas decisivas, os “problemas que em estágios superiores do desenvolvimento humano se apresentam de forma mais, generalizada, desmaterializada, sutil e abstrata e que por isso aparecem depois como os temas centrais da filosofia” (LUKÁCS, 2013, p. 82-83). Sobre esse processo, Fortes auxilia em relação à exposição lukácsiana:

A estrutura do trabalho retroage sobre o próprio sujeito que trabalha e promove o aprimoramento de suas faculdades e desenvolve atributos especificamente humanos. Destreza, atenção, aperfeiçoamento e complexificação dos espelhamentos de nexos causais, etc. são características que surgem como uma necessidade primária no interior da atividade humana diretamente relacionada com a natureza. Assim, simultaneamente ao processo de transformação da natureza, tem lugar um processo de autoformação do próprio sujeito que trabalha. Esta estrutura originária instaura a dinâmica do processo de desenvolvimento do ser social e constitui a base para a estruturação das formas superiores da prática social. O trabalho revela-se como a gênese do processo autoconstitutivo do ser social, tanto de seu mundo objetivo, como de si mesmo (FORTES, 2001, p. 76-77).

Isso é o que leva Lukács a localizar, no trabalho, a presença dos aspectos de “toda práxis social, de qualquer conduta social ativa” (LUKÁCS, 2013, p. 83). Nesse sentido, o autor ainda manterá a análise, considerando o trabalho como produtor de valores de uso, pois “Mais importante, porém, é deixar claro o que distingue o trabalho nesse sentido das formas mais desenvolvidas da práxis social” (LUKÁCS, 2013, p. 83). Diz Lukács:

Nesse sentido originário e mais restrito, o trabalho é um processo entre atividade humana e natureza: seus atos estão orientados para a transformação de objetos naturais em valores de uso. Nas formas ulteriores e mais desenvolvidas da práxis social, destaca-se em primeiro plano a ação sobre outros homens, cujo objetivo é, em última instância – mas somente em última instância –, uma mediação para a produção de valores de uso (LUKÁCS, 2013, p. 83).

Nesse caso, “o fundamento ontológico-estrutural”, a constituição desse ser, passa pelos pores teleológicos que colocam em movimento as cadeias causais, na busca de alcançar algum objetivo concreto. Todavia, o objetivo concreto desse por teleológico aqui exposto, por ora tratado de forma geral e abstrata, é conseguir exercer influência sobre outra pessoa ou coletivos de pessoas na realização de pores teleológicos concretos.

Ou seja, a diferença fundamental entre as duas posições se refere ao objeto sobre o qual exercem sua ação. As posições teleológicas próprias da atividade laborativa – designadas como primárias – atuam de forma imediata sobre um dado objeto ou elemento natural, enquanto que o outro tipo – posições teleológicas secundárias – têm como finalidade a consciência de outros homens, ou seja, visam levar outros homens a assumir determinadas posições teleológica concretas (FORTES, 2001, p. 78).

Esse é o aspecto que surge conforme o trabalho vai tomando aspectos de ato social. A socialização do trabalho coloca esse problema, à medida que, para a efetivação desse e a consequente criação de valores de uso, surge a necessidade e a dependência da participação de mais pessoas. “Por isso, esta segunda forma de pôr teleológico, no qual o fim posto é imediatamente um pôr do fim por outros homens, já se pode existir em estágios iniciais” (LUKÁCS, 2013, p. 83).

A socialização do trabalho pode ser identificada ao longo do processo histórico de desenvolvimento da divisão do trabalho e avanço na elaboração das forças produtivas. Sobre isso, voltando aos primórdios do movimento socializador do trabalho, o autor explicita a questão, utilizando-se do seguinte exemplo:

Pensamos na caça no período paleolítico. As dimensões, a força e a periculosidade dos animais a serem caçados tornam necessária a cooperação de um grupo de homens. Ora, para essa cooperação funcionar eficazmente, é preciso distribuir os participantes de acordo com funções (batedores e caçadores). Os pores teleológicos que aqui se verificam realmente têm um caráter secundário do ponto de vista do trabalho imediato; devem ter sido precedidos por um pôr teleológico que determinou o caráter, o papel, a função etc. dos pores singulares, agora concretos e reais, orientados para um objeto natural (LUKÁCS, 2013, p 83-84).

Dessa forma, Lukács descreve o “pôr secundário do fim”, que assume essa condição pelo fato de tratar-se de um pôr que depende da consciência de um agrupamento de pessoas para sua concretização. Assim sendo, trata-se de pores que não pretendem transformar um objeto natural (isso já demonstra a característica também não puramente natural da ação desse grupo), entretanto, ela pode “fazer surgir um pôr teleológico que já está, porém, orientado a objetos naturais”; da mesma forma que constata que os meios já não são, em casos como esse, “intervenções imediatas sobre objetos naturais, mas pretendem provocar essas intervenções por parte de outros homens” (LUKÁCS, 2013, p. 84).

Esse exemplo de grau mais elevado não é aprofundado por Lukács e será devidamente tratado em momento posterior. Por agora, a análise do autor mantém-se em torno do trabalho originário como base sólida que possibilita o desenvolvimento de suas formas mais complexas. Por isso é importante ressaltar que:

No entanto, considerando de forma mais criteriosa a questão, não podemos afirmar que as posições teleológicas secundárias constituem um fato novo, algo que aparece apenas com os processos superiores da prática social. O próprio desenvolvimento e complexificação da atividade laborativa, pela dinâmica e tendências internas aos próprios procedimentos necessários à execução do trabalho, leva ao surgimento, já nas formas mais remotas da atividade prática humana, das posições secundárias (FORTES, 2001, p. 79).

Essa é a razão que justifica essa primeira exposição para se cumprir o objetivo de Lukács em distinguir duas coisas: primeiro, em um olhar inicial, “esse nível social mais elevado do trabalho” já apresenta bases reais como “fim último da cadeia intermediária”, articulações em estágio avançado entre variados pores teleológicos; segundo, esse mesmo olhar inicial já indica que, no trabalho originário, já está contida a gênese de toda essa cadeia complexa que se desenvolve em seu curso, “por causa da dialética peculiar de sua constituição. E esse duplo nexo indica uma simultânea identidade e não identidade nos diversos graus do trabalho, mesmo quando existem mediações amplas, múltiplas e complexas” (LUKÁCS, 2013, p. 84).

Lukács volta a destacar como, no ato do por teleológico, desencadeia-se o afastamento em relação ao espelhamento da realidade e, consequentemente a isso, ocorre o nascimento da relação “sujeito-objeto”. A inter-relação desses dois momentos no por teleológico possibilita, ao mesmo tempo, a apreensão dos fenômenos da realidade de forma conceitual e sua exposição correta, de maneira adequada, através da linguagem (LUKÁCS, 2013, p. 84).

Com efeito, palavra e conceito, linguagem e pensamento conceitual são elementos vinculados do complexo chamado ser social, o que significa que só podem ser compreendidos na sua verdadeira essência relacionados com a análise ontológica dele por meio do conhecimento das funções reais que eles exercem dentro desse complexo (LUKÁCS, 2013, p. 85).

Nesse sentido, pensamento conceitual e linguagem são elementos que estão presentes no ser social e somente podem ser compreendidos no ato de trabalho. O pensamento conceitual surge como elaboração de um projeto de algo a ser objetivado e materializado na realidade concreta, por meio da ação transformadora do trabalho. “Assim, simultaneamente ao processo de transformação da natureza tem lugar um processo de autoformação do próprio sujeito que trabalha” (FORTES, 2001, p. 77). Da mesma forma, como o trabalho, que cada vez mais, ganha contornos sociais e é desenvolvido por um coletivo de pessoas, a comunicação pela linguagem faz-se necessária como mediação que auxilie o ato do por teleológico para o fim. A linguagem, nesse contexto, surge como necessidade imediata do trabalho social, simultânea a ele,

pois comunica-se algo que é necessário no interior da realização de alguma coisa real e concreta, da necessidade de nomear as coisas, etc. “É claro que em cada sistema de inter-relações dentro de um complexo de ser, como também em cada interação, há um momento predominante. Esse caráter surge em uma relação puramente ontológica, independente de qualquer hierarquia de valor” (LUKÁCS, 2013, p. 85). Nesse sentido, é reconhecível a prioridade ontológica do trabalho, na inter-relação entre esses elementos no interior do trabalho originário e fundante, tanto do ser social quanto da práxis social.

É sem dúvida possível deduzir geneticamente a linguagem e o pensamento conceitual a partir do trabalho, uma vez que a execução do processo de trabalho põe ao sujeito que trabalha exigências que só podem ser satisfeitas reestruturando ao mesmo tempo quanto à linguagem e ao pensamento conceitual as faculdades e possibilidades psicofísicas presentes até aquele momento, ao passo que a linguagem e o pensamento conceitual não podem ser entendidos nem em nível ontológico nem em si mesmos se não se pressupõe a existência de exigências nascidas do trabalho e nem muito menos condições que fazem surgir o processo de trabalho (LUKÁCS, 2013, p. 85).

A linguagem, assim como o pensamento conceitual, por surgirem a partir de uma necessidade real do trabalho, têm seu processo de desenvolvimento atrelado, de forma indissolúvel, ao desenvolvimento do trabalho. Aqui, é preciso ressaltar que, mesmo o trabalho continuando a ser o momento predominante, isso não significa, de maneira alguma, que ele diminua a importância ou suprima as interações. O que ocorre, nesse caso, é o contrário: o trabalho, por estar fortemente entrelaçado a elas, reforça e aumenta sua intensidade, de maneira constante. “Disso se segue necessariamente que no interior desse complexo o trabalho influi continuamente sobre a linguagem e o pensamento conceitual e vice-versa” (LUKÁCS, 2013, p. 85).

Ficou demonstrado que, no percurso do desenvolvimento material histórico, a partir do complexo do trabalho, novas categorias foram surgindo. A cada etapa, elas se apresentavam como mais complexas e detentoras de uma supremacia em relação às categorias inferiores. Porém não se pode perder a dimensão de que, nesse transcurso de surgimento e sobreposição categorial, essas categorias inferiores se mantêm na base fundante da materialidade de sua existência. Isso é o que ocorre e coloca em movimento a inter-relação entre natureza orgânica e inorgânica, ou na relação que o ser social estabelece com essas duas formas de ser natural. A forma como ocorre o desdobramento categorial originário próprio de um grau determinado de ser ocorre sempre a partir da diferença gerada no curso da transformação “através de sua crescente autonomização – por certo sempre meramente relativa” (LUKÁCS, 2013, p. 86), no interior correspondente aos complexos de determinada forma de ser.

Deste modo, surge, enquanto meio necessário para a realização da finalidade, aquela posição teleológica que visa fazer com que cada membro se comporte adequadamente, isto é, desempenhe com maior rigor e precisão possível aqueles procedimentos que lhes foram atribuídos, de forma que em um primeiro momento os objetivos se voltam, no interior desta atividade, à consciência dos indivíduos que compõem o grupo (FORTES, 2001, p. 79).

Lukács afirma ser possível localizar com clareza essas relações que envolvem o espelhamento da realidade no processo de desenvolvimento do ser social. Ele diz a respeito:

O fato de que apenas – no contexto do respectivo trabalho concreto – um espelhamento objetivamente concreto das relações causais pertinentes ao fim do trabalho pode realizar sua transformação absolutamente necessária em relações postas não atua apenas em direção a um constante controle e aperfeiçoamento dos atos de espelhamento, mas também à sua generalização (LUKÁCS, 2013, p. 86).

Nesse sentido, é explicitado o esforço de Lukács em demonstrar como, pelo trabalho, dá-se o surgimento de novos complexos de categorias, além do surgimento de novas funções no processo de objetivação. Contudo, o autor avança, indicando a necessidade de compreender que as mudanças ontológicas são promovidas pelo salto do ser biológico ao social, no campo que abrange o comportamento do sujeito. Por essa razão:

Todas as categorias que fundamentam uma primazia no modo de agir humano em relação à natureza e na relação que os homens estabelecem entre si tem necessariamente por pressuposto esse complexo, a sua estrutura, o modo de seu ordenamento e articulação de suas categorias (FORTES, 2001, p. 85).

A chave para se promover essa pesquisa, ou seja, para se captar essas mudanças, está na inter-relação entre teleologia e causalidade posta. “Quando, então, observamos que o ato decisivo do sujeito é seu pôr teleológico e a realização deste, fica imediatamente evidente que o momento categorial determinante desses atos implica o surgimento de uma práxis caracterizada pelo dever-ser” (LUKÁCS, 2013, p. 98). O dever ser configura-se, dessa forma, como “momento determinante imediato de qualquer ação intencionada que vise à realização”, pois, ao seguir a direção da realização, esse percurso é determinado a partir da verificação de “se e como ele favorece a obtenção do fim”. Essa determinação promove uma inversão entre a determinação normal biológica causal e a social. No primeiro caso, vale tanto para os homens quanto para os demais animais. Ocorre um desdobramento causal onde, irrevogavelmente, é o passado que promove as determinações sobre o presente. Da

mesma forma, a adaptação dos seres vivos ao “ambiente transformado decorre da necessidade causal, na medida em que as propriedades produzidas no organismo por seu passado reagem a tal transformação, conservando-se ou destruindo-se”. No caso do por do fim, ocorre a inversão desse processo, afinal a elaboração do por do fim parte da consciência, antecedendo sua realização. Ao longo do processo, é ele que determina cada ação para a obtenção de um objeto no futuro (LUKÁCS, 2013, p. 98). “Sob esse aspecto, o significado da causalidade posta consiste no fato de que os elos causais, as cadeias causais etc. são escolhidos, postos em movimento, abandonando ao seu próprio movimento, para favorecer a realização do fim estabelecido desde o início” (LUKÁCS, 2013, p. 98-99). Lukács chama atenção para que Hegel já havia identificado essa inversão promovida pelo dever-ser quando expõe que o filósofo alemão entende que a natureza apenas “se consome”, o que não é o mesmo que um “processo causal espontâneo”. No processo de trabalho, as ações são orientadas por pores teleológicos “cujo desenvolvimento consiste exatamente no aperfeiçoamento, na concretização e na diferenciação dessa condução teleológica dos processos espontâneos (o uso de forças naturais como fogo ou água para trabalhar)”. Quando se parte da óptica do sujeito, essa ação determinada, mirando alcançar um resultado no futuro de maneira programática e consciente, caracteriza o “agir conduzido do dever-ser do fim” (LUKÁCS, 2013, p. 99).

Nesse complexo que se desenvolve a partir do dever-ser, é necessário cuidado para não incorrer em riscos como os que marcaram o kantismo, que projetou nessa forma do dever-ser categorias que somente são passíveis de aparecer em estágios mais elevados do desenvolvimento do ser. Desse modo, o erro conduz a “uma deformação fetichizada do dever-ser originário, que produziria efeitos negativos também quanto à compreensão das formas mais desenvolvidas”. Com isso, Lukács entende que, para se apreender a forma inicial do dever-ser, o procedimento para o cumprimento de tal objetivo é simples e deve ser seguido criteriosamente, a fim de evitar cair nos equívocos acima apresentados (LUKÁCS, 2013, p. 99). Diz o autor:

o pôr da causalidade consiste precisamente em reconhecer aquelas cadeias e relações causais que, quando escolhidas, influenciadas, de modo adequado, podem realizar o fim posto; e, do mesmo modo, o processo de trabalho nada mais significa do que esse tipo de atuação sobre relações causais concretas com o objetivo de realizar o fim (LUKÁCS, 2013, p. 99).

Para Lukács, o espelhamento é a condição determinante que conduz o dever-ser à sua forma de realização correta. Contudo, mesmo ele sendo o meio condutor correto, somente se efetiva se alcançar a concretização do dever ser. Com isso, o filósofo

húngaro expõe que não se trata, de maneira pormenor, de este ser um espelhamento acertado do real, em sua expressão mais geral, de ele ter reações a ela, também de forma geral, correta, “ao contrário, a correção ou a falsidade, portanto, qualquer decisão que se refere a uma alternativa do processo de trabalho” (LUKÁCS, 2013, p. 99) guarda em si a possibilidade de sofrer uma avaliação ao final da tarefa realizada. “Desse modo, aqui também temos uma insuprimível interação entre dever-ser e espelhamento da realidade (entre teleologia e causalidade posta) em que a função de momento predominante cabe ao dever-ser” (LUKÁCS, 2013, p. 99-100).

Essa forma de captar a essência do processo ontológico pelo qual o homem passa da condição de ser biológico a ser social é o nó que as filosofias idealistas não foram capazes de desatar, já que mostraram-se incapazes de apreender e compreender as relações ontológicas originárias. Isso conduziu esse pensamento a se estruturar “metodologicamente, em última análise, no fato de se contentar em analisar, em termos gnosiológicos ou lógicos”, detendo-se a tomar somente as “categorias mais desenvolvidas, mais espiritualizadas, mais sutis”. Por outro lado, foram ignorados os complexos originários que possibilitam alcançar a gênese ontológica, “desse modo, são apenas consideradas as formas de práxis social que se acham mais afastadas do metabolismo da sociedade com a natureza”, fato esse que desvia completamente a atenção das mediações, que guardam em si alto nível de complexidade e medeiam a vinculação entre o momento originário e o momento mais desenvolvido. Da mesma forma que, nesse percurso, ocorre a construção de antíteses entre esses momentos. Como efeito, tem-se nas abordagens idealistas, no que concerne a esse problema, o desaparecimento, em sua totalidade, das especificidades do ser. O que se coloca no lugar é uma construção artificial, é “uma esfera desprovida de raízes do dever-ser (do valor)” que, na sequência dessas elaborações, é confrontada com uma forma puramente natural do homem (LUKÁCS, 2013, p. 100). Em oposição a essa forma de apreender e compreender a realidade do ser social apresenta-se o materialismo vulgar, que, apesar de se opor às formas idealistas, incorre no erro

de simplesmente ignorar o papel do dever-ser no ser social e procurar interpretar toda essa esfera segundo o modelo de pura necessidade natural, contribui muito para confundir esse complexo de problemas ao produzir nos dois polos uma fechitização dos fenômenos contraposta quanto ao conteúdo e ao método, mas de fato vinculadas entre si (LUKÁCS, 2013, p. 100).

Lukács entende que, para se “compreender bem a gênese inquestionável, segundo nosso modo de ver, do dever-ser a partir da essência teleológica do trabalho”, é

necessário retornar ao que já foi exposto sobre o próprio trabalho enquanto modelo de toda a práxis social, “ou seja, que entre o modelo e as suas sucessivas e mais complexas variantes há uma relação de identidade de identidade e não identidade”. Isso demonstra que, na essência ontológica do dever-ser no trabalho, com certeza o homem que se põe a trabalhar não apenas determina sua maneira de se comportar nessa atividade, mas também sua forma de comportar-se no que se refere ao seu-em-si, como sujeito que atua no interior do ato de trabalhar.

A partir do trabalho inicia-se um desdobramento em formas cada vez mais sociais de mediação das relações originárias, sem contudo perder completamente o vínculo ineliminável com a base natural – cuja expressão primordial é dada pelo trabalho – sobre a qual o processo de socialização ou