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2 A NOVA ERA DO SETOR SERVIÇOS: OS FIOS QUE TECEM A

2.2 Trabalho Produtivo e Trabalho Improdutivo: uma reapropriação na análise

2.2.1 O trabalho produtivo e o trabalho improdutivo: diferentes enfoques de um

Nas análises recentes do setor serviços comparecem hipóteses explicativas formuladas em torno do caráter produtivo ou não da produção dos serviços no atual estágio do capitalismo.

Os enfoques das análises marxistas que localizam os serviços no cerne desta discussão transitam da tese da imaterialidade do trabalho32, destacada por Claus Offe (1994), à reatualização e reapropriação dessas categorias marxistas no contexto da valorização do capital. Com este enfoque tem destaque os estudos de Mandel (1982), Napoleoni (1981) e também, com os mais contemporâneos como Chesnais (1996), Oliveira (1989; 2006), Teixeira (2008), entre outros.

Ora, o fundamento deste debate, tem sua referência na clássica análise desenvolvida por Marx (1988)33, que faz uma qualificação diferenciada entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo situando-os no modo de produção capitalista, sob as requisições da efetiva valorização do capital. Os argumentos construídos colocam em discussão o trabalho que se dá sob uma determinada formação sócio-histórica, o trabalho situado numa determinada relação social capitalista.

Esta referência é fundamental para conduzir nossas reflexões no sentido de inserir esta discussão entre o trabalho produtivo e improdutivo no cerne da realidade da produção capitalista que deve considerar as formas e significados que o trabalho assume para desempenhar sua “precípua” função de produzir lucro num determinado contexto.

Partindo desta referência, Marx (1980) desenvolve sua análise teórica enfatizando que, do ponto de vista do capital, o trabalho produtivo é aquele que produz mais- valia, “só o trabalho que se transforma diretamente em capital é produtivo” (MARX, 1980, p. 388). Nos escritos da obra “As teorias da mais-valia”, Marx localiza no interior da relação capitalista o trabalho produtivo e o conceitua:

32 Uma discussão aprofundada e atualizada sobre a tese da imaterialidade do trabalho pode ser encontrada em LESSA, Sérgio. Para além de Marx? Crítica da teoria do trabalho imaterial. São Paulo: Xamã, 2005. Em suas análises Lessa apresenta que a formulação original da teoria da imaterialidade do trabalho deve-se a Antônio Negri, Michel Hard e Maurizio Lazzarato.

33 Napoleoni (1981, p. 96) adverte que “esses dois termos ‘trabalho produtivo’ e ‘trabalho improdutivo’, não são originários de Marx; ele os toma da economia política clássica, a qual por sua vez, os havia tomado da fisiocracia. Portanto, esses dois conceitos têm uma história já bastante longa quando Marx escreve”. Da economia política clássica, os conceitos formulados por Adam Smith, David Ricardo e Malthus foram a fonte de interlocução com a qual Marx constrói suas argumentações.

Trabalho produtivo no sentido da produção capitalista é trabalho assalariado que, na troca pela parte variável do capital (a parte de capital despendida em salário), além de reproduzir essa parte do capital (ou o valor da própria força de trabalho), ainda produz mais-valia para o capitalista. Só por esse meio, mercadoria ou dinheiro se converte em capital, se produz como capital. (Isso equivale a dizer que o trabalho assalariado reproduz, aumentada, a soma de valor nele empregada ou que restitui mais trabalho do que recebe na forma de salário. Por conseguinte, só é produtiva a força de trabalho que produz valor maior que o próprio). (MARX, 1980, p.132).

Nessa argumentação fica explícito que só o trabalho que produz capital é trabalho produtivo. Marx acrescenta que do ponto de vista do processo de trabalho em geral, representa-se como produtivo aquele trabalho que se realiza num produto, mais concretamente numa mercadoria (MARX, 2004). Seguindo essa lógica, o trabalhador produtivo é aquele que, na perspectiva do capital, reproduz o valor completo dos meios de subsistência contidos no salário, e o reproduz “com um lucro” (aspas do autor). (MARX, 1980, p.136).

Em suma, “é produtivo o trabalhador que executa um trabalho produtivo e é produtivo o trabalho que gera diretamente mais-valia, isto é, que valoriza o capital” (MARX, 2004, 109)34.

Nesse processo, explicita Marx (2004), não é o trabalhador individual que se converte “no agente real” do processo de trabalho, mas sim uma capacidade de trabalho socialmente combinada (grifos do original) argumentando:

[...] não é o operário individual que se converte no agente [...] real do processo de trabalho no seu conjunto mas sim uma capacidade de trabalho

socialmente combinada; e, como as diversas capacidades de trabalho que

cooperam e formam a máquina produtiva total participam de maneira muito diferente no processo imediato de formação de mercadorias, ou melhor, neste caso, de produtos – um trabalha mais com as mãos, outro mais com a cabeça, este como diretor [...], engenheiro [...], técnico etc., [...] aqueloutro como operário manual ou até como simples servente – temos que são cada vez mais em maior número as funções da capacidade de trabalho incluídas no conceito imediato de trabalho produtivo, diretamente explorados pelo capital e subordinados em geral ao seu processo de valorização e de produção (MARX, 2004, 110).

Partindo dessa categorização, é possível incluir nesta configuração de trabalho produtivo, as formas de trabalho que intervêm no processo produtivo tendo como meta a criação de mais-valia.

34 Embora tenhamos feito referência as formulações teóricas de Marx sobre trabalho produtivo e improdutivo expressos no texto de As teorias da mais-valia (1980), esta citação refere-se ao Capitulo VI inédito de o Capital que também expõe ponderações de Marx sobre este o tema.

Essa primeira categorização da relação do trabalho no processo produtivo que qualifica o trabalho produtivo também requisita que se explicite seu anverso, o que define o trabalho como improdutivo.

Marx (2004) atribui ao trabalho improdutivo a propriedade de não produzir mais-valia. Dessa forma, todo trabalho que não se troca por capital, mas diretamente por renda, ou por salário é designado como improdutivo. Nessa passagem do Capitulo VI – inédito de o Capital esta categorização fica bem explicita:

Todo o trabalhador produtivo é um assalariado mas nem todo o assalariado é um trabalhador produtivo. Quando se compra o trabalho para consumir como valor de uso, como serviço, não para colocar como fator vivo no lugar do valor do capital variável e o incorporar no processo capitalista de produção, o trabalho não é produtivo e o trabalhador assalariado não é trabalhador produtivo. O seu trabalho é consumido por causa do seu valor

de uso e não como trabalho que gera valores de troca; é consumido improdutivamente. O capitalista, portanto, não o defronta como capitalista,

como representante do capital; troca o seu dinheiro por esse trabalho, mas como rendimento, não como capital (MARX, 2004, p. 111).

Nesses termos, Marx não nega a utilidade particular ou coletiva da prestação de um determinado serviço, mas considera que esta forma de trabalho configura uma relação econômica, sem, entretanto, gerar mais-valia. Argumenta que, para a determinação econômica desta relação “não importa que o médico me cure, o professor tenha sucesso no ensino [...]. O que se paga é a prestação do serviço como tal, cujo resultado, dado o caráter do serviço, não pode ser garantido por quem presta” (MARX, 1980, p.399).

No tocante a esta categorização do caráter improdutivo do trabalho uma reflexão apresentada por Napoleoni (1981), ao analisar o Capítulo VI – inédito de O Capital, é válida para auxiliar nas mediações que precisamos estabelecer para construção de nossos argumentos nessa tese. Napoleoni (1981) apresenta uma qualificação quanto ao universo do trabalho improdutivo. Em sua leitura, ele identifica que, os trabalhadores inseridos na categoria de improdutivos assumem duas configurações: os suscetíveis de se tornarem produtivos, no caso em que o processo produtivo de que participam viesse a ser incluído numa relação capitalista. E os inevitavelmente improdutivos, por participarem num processo produtivo que de nenhum modo poderia ser incluído numa relação capitalista (NAPOLEONI, 1981, p. 105).

Certamente ele tomou como referência este argumento de Marx (2004, p. 115):

Um mestre escola que ensina outras pessoas não é um trabalhador produtivo. Porém, um mestre escola que é contratado com outros para valorizar, mediante o seu trabalho, o dinheiro do empresário da instituição que trafica com o conhecimento [...] é um trabalhador produtivo.

Apropriando-se dessas indicações vislumbra-se uma situação em que a produção de bens e serviços é incorporada numa relação de compra e venda nos moldes capitalistas, transformando e redimensionando o que era improdutivo em potencialmente produtivo. Segundo Napoleoni (1981, p.105), isso permitiu que Marx considerasse este trabalho como improdutivo de fato, mas não em princípio. Por outro lado, os inevitavelmente improdutivos, estariam, categorizados por Marx, por improdutivos em princípio, pois o que eles fazem não poderia ser realizado no interior de uma relação capitalista. Neste caso, estariam incluídos, na acepção de Marx, os trabalhadores domésticos, os padres, os funcionários públicos, entre outros.

Uma questão substantiva emerge dessa possibilidade de transmutação da condição de trabalho improdutivo para produtivo. Marx (1980, p. 137) pondera que as distinções consideradas não decorrem propriamente da qualificação material do trabalho, nem da natureza do produto, nem da destinação do trabalho, mas sim da forma socialmente determinada, das relações sociais de produção em que ele se realiza. Nesta direção podemos inferir que não é a atividade em si que define o caráter produtivo e improdutivo do trabalho e do trabalhador, mas sua inserção no processo de valorização do capital.

O fato de Marx situar sua categorização do trabalho produtivo e improdutivo imerso nas determinações históricas do contexto capitalista, permite-nos estabelecer parâmetros para o alcance de suas argumentações.

Como bem lembra Bravermam (1987, p. 357), “Marx não previu nem pretendeu prever a extensão do aumento de um estrato (sic) de assalariados no comércio e sua transformação num proletariado comercial”. Mesmo afirmando a capacidade de o capital revolucionar seus meios de produção na perspectiva de garantir a lucratividade da produção capitalista, Marx não podia projetar a incorporação, ao mercado de “produtivas” e “improdutivas” formas de trabalho. Marx

expressou em seu arsenal categorial as análises possíveis do padrão capitalista de acumulação de seu tempo e suas explicações respondem, coerentemente, à realidade a qual vivenciara.

Ao remetermos esta discussão para as relações capitalistas atuais, muito há que ser reapropriado e recriado para explicar o elo que une e, ao mesmo tempo, separa o trabalho produtivo do trabalho improdutivo (SOUZA, 1996).

As investidas de atualização deste debate tiveram, por vezes, a conotação de diluir as diferenças entre as duas categorias. Na compreensão de Lojkine (1995) a interação entre produção e serviços representa a possibilidade de que, ”pela primeira vez numa sociedade de classes, surja a perspectiva histórica de superar a divisão entre os que produzem e os que pensam a produção, entre produtivos e os improdutivos” (LOJKINE, 1995, p.229). A rigor, ele trabalha na perspectiva de uma aproximação que acabe por tornar irrelevante a distinção do caráter produtivo ou não do trabalho, mas uma aproximação que acompanhe a revolução - indicada por ele como informacional – das formas de incorporação da força de trabalho à produção capitalista.

Entretanto, Lojkine (1995) faz uma ponderação relevante que não deve ser desconsiderada, em que pese seus outros argumentos contrários a nosso foco de análise. Ele argumenta que não se trata de “uma simples substituição do material pelo imaterial (a inteligência)”, o que prevalece é a “nova interação entre material e imaterial, forças produtivas materiais e forças produtivas humanas” (LOJKINE, 1995, p. 258). Em sua interpretação o que ocorre é uma interpenetração das funções produtivas e as ditas improdutivas em que se processam novas relações entre produção material e serviços para atender as requisições dos mercados. São requisições que demandam a vinculação entre o trabalho na indústria, serviços, pesquisa cientifica articulando numa rede de relações o “produtivo e o “improdutivo”, indicando a emergência ou a substituição das formas de organização e prestação de serviços (COSTA, 1998; SOUZA, 1996).

Seguindo esta interpretação o argumento de Lojkine (1995) é válido para indicar que os serviços, mesmo que ele os indique como informacionais, não estão isolados na esfera do imaterial. Eles requisitam suportes físicos e/ou meios de consumo coletivos que não sendo produtivos – no sentido estrito – intervêm, e participam de modo significativo no crescimento e na produtividade global do trabalho. Esta lógica também perpassa outros argumentos levantados por seus

críticos, mas, as discordâncias parecem estar centradas no fundamento da interpretação que se segue.

Para Lojkine, esta interpenetração interfere nos modos de avaliação do trabalho produtivo e do trabalho improdutivo. Este argumento tem como base as formas de mensurar a produtividade dos serviços modernos e afirma que “justamente porque não produzem, por si mesmas, produtos materiais, mas os consomem, as atividades de serviços não podem ser submetidas ao mesmo critério de ‘produtividade’ das atividades produtivas” (LOJKINE, 1995, p. 274).

Corroborando com esta mesma linha de análise estão as argumentações de Offe (1994; 1989) que também considera inviável avaliar o desempenho dos trabalhadores do setor serviços. Ele afirma que a racionalidade que orienta o trabalho nos serviços não é a mesma que prevalece no setor industrial, considerando que as atividades dos serviços fogem ao padrão industrial, caracterizadas como uniformizada, simplificada e indiferenciada (TEIXEIRA, 2008).

Teixeira (2008, p. 70) apresenta uma crítica a esses argumentos destacando que, “Hoje, mais do que nunca, o trabalho no setor de serviços é altamente padronizado, rotineiro e acima de tudo, uniformizado”. E enfatiza: “A eficiência e a produtividade dos trabalhadores empregados nesses setores da economia são, agora, mensuradas e avaliadas da mesma forma como acontece na indústria” (TEIXEIRA, 2008, p.72).

Podemos evidenciar uma apropriação inadequada, porque não dizer, equivocada da categorização distinta entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo.

Ao relacionar o trabalho produtivo aos que produzem e o improdutivo aos que pensam, desconsidera-se que o caráter produtivo atribuído ao trabalho tem relação direta com sua inserção numa relação capitalista, que é a expressão do trabalho que gera mais-valia.