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CAPÍTULO II: CONTEXTUALIZAÇÃO DA PRÁTICA

2.1. Macrocontexto concetual: A Observação e Análise de Jogo e a

2.1.2. O Treino enquanto Estratégia de Otimização

“Por analogia, diríamos que o facto de um maestro dispor de músicos excecionais lhe pode proporcionar boas perspetivas de formar uma orquestra de alta expressão musical, mas que esse pressuposto apenas pode ser validado através do trabalho diário de coordenação e de construção do grupo.” - Garganta (2002)

Já foi referido neste trabalho académico que o processo de treino é a principal ferramenta para que os jogadores entendam o jogo que a equipa “quer” jogar, ou seja, para a implementação de uma ideia de jogo. Apesar de existirem múltiplos fatores que concorrem para o êxito em Futebol, continua a ser verdade que o treino constitui a forma mais importante e mais influente de preparação dos jogadores para a competição.

Para que a individualidade (jogadores) e unicidade (equipa) sejam não só compatíveis como complementares, o treino surge como “veículo” na construção e configuração de memórias adaptáveis e versáteis, combinando o talento individual com a consciência aumentada de grupo (Garganta, 2002). Partindo deste pensamento, conseguimos aferir a importância das relações entre todas as dimensões do treino, não só no plano micro do treino, jogadores, mas essencialmente no plano macro.

Como Garganta (2002) refere, treinar implica cultivar, mas também transformar comportamentos e sobretudo atitudes. Ainda que o espaço que existe entre o que se conhece, o que se quer aprender e o que se quer ensinar nem sempre ser tão linear quanto aquilo que se pode imaginar (Sousa, 2017), existem centenas de formas possíveis de jogar e, por consequência, de treinar. Vemos vários treinadores com metodologias diferentes, em virtude dos caminhos que seguem. Para cada modelo de jogo, terá de existir também um modelo ou um método de treino, que se ajusta consoante a ideia do treinador, dos jogadores que constituem a equipa, bem como à cultura específica do clube onde o trabalho se desenvolve (Garganta, 2002).

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A figura do treinador é nuclear, pois é ele quem elege a sua visão, e depois o caminho (métodos) a utilizar. Estes métodos farão com que o processo de treino seja a recusa do destino (sorte ou azar), pois a opção por uns ou por outros deve obedecer a razões pensadas e ponderadas. Todos os métodos possuem um respetivo alcance e limites, sendo que nenhum é infalível. Portanto, cabe ao treinador avaliar os prós e contras, considerando a relação custo-benefício, em função do modelo de jogo e dos jogadores que o irão interpretar (Garganta, 2002). Ser treinador implica saber treinar, e treinar é modelar uma realidade.

Gerir o treino é conduzir um grupo com objetivos comuns, tendo em consideração a organização e a coordenação de interesses e motivações. Espera-se que o treinador seja capaz de liderar o processo global de evolução dos atletas a seu cargo, induzindo a transformação e o refinamento dos comportamentos e atitudes. Porém, as funções deste no processo de treino não se esgotam nos limites restritos do “técnico”. Atualmente, ser treinador exige uma maior preparação e investimento em saberes que antes não se expandiam tanto, como o domínio de diferentes idiomas ou até mesmo as questões da motivação (Sousa, 2017).

Espera-se que o treinador introduza uma filosofia de atuação onde crie uma dinâmica positiva na coletividade onde trabalha, de forma a favorecer o desenvolvimento de uma cultura desportiva e a melhoria das respetivas condições materiais e humanas (Garganta, 2002). O treinador de futebol deverá conhecer a modalidade em todas as suas facetas, sabendo que será chamado, a cada momento, a tomar decisões sobre questões técnicas, táticas, logísticas, e a assumir as respetivas consequências. Tal multiplicidade de requisitos torna imprescindível a existência de um sólido capital de competência técnica, de personalidade e de inteligência estratégica. A excelência desportiva requer, cada vez mais, uma perspetiva “inteira” dos processos de treino e competição (Garganta, 2002).

Por outro lado, e partindo desta perspetiva global, o treinador como reúne mais informação deve ser capaz de ser cada vez mais assertivo, específico e exigente no que pretende que os jogadores façam. Segundo Sousa (2017), essa

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exigência no próprio treino deve representar situações semelhantes às do jogo, nas quais por vezes o mais difícil é “enganar” o adversário para conseguir chegar ao sucesso.

2.1.2.1. Modelação do Exercício de Treino

Sousa (2017) afirma que dentro do jogo de Futebol, tratando-se de uma modalidade coletiva, existe dificuldade em partilhar a intenção que se quer ver manifestada num grupo. O exercício de treino surge como fundamental no processo de treino, e o que permitirá que a individualidade e a unicidade sejam compatíveis, ou seja, permitirá que o efeito matriz do processo de treino seja reproduzido nas ações de cada um e na busca de todos pelo sucesso da equipa. Cada exercício possui um objetivo e uma organização, e nesta perspetiva Ferreira (2019) menciona que se um exercício respeitar as características do jogo, mesmo que represente apenas uma fração do mesmo, será um exercício rico em comportamentos. No entanto, existe uma outra dimensão fundamental na sua operacionalização: a intervenção do treinador. Por isso, nunca há um exercício igual. Alterando “pequenas coisas” como o feedback, a forma ou o momento como ele se inicia, este poderá servir objetivos de planeamento muito distintos.

A complexidade e exigência do Jogo exige que o Modelo de Jogo da equipa esteja salvaguardado por um Modelo de Treino bem oleado, para que os princípios inerentes a este sejam cumpridos pelos jogadores. E, tal como referido no subcapítulo anterior, este Modelo de Jogo tem de trazer à equipa organização, mas simultaneamente tem de dar resposta à aleatoriedade e “caoticidade” do jogo.

Batista (2006) afirma que a edificação do Modelo de jogo, dos vários momentos do jogo e a especificidade é conseguida através dos exercícios de treino propostos pelo treinador e pela sua intervenção nos mesmos. Araújo (2009) concorda com esta visão, afirmando que a dinâmica que o treinador desenvolve resulta daquilo que leva os jogadores a fazer, e as situações de

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exercitação são o veículo de informação no futebol, sendo assim que se processam as aquisições.

A este propósito, Maciel (2011) explica que na conceção do exercício “modelam-se os contextos para que estes, não perdendo a sua natureza aberta, sejam facilitadores e catalisadores dos propósitos desejados. Em tais configurações de exercitação o papel principal é dos jogadores, devem ser eles a decidir e a interagir, desencadeando uma dinâmica que não deixando de ser determinística, por estar sobredeterminada a determinados propósitos, intencionalidades, não perde a dimensão imprevisível”.

A modelação dos contextos reforça uma ideia de propensão para que uma determinada interação aconteça, algo que segundo Maciel (2011) “deve ter subjacente uma intencionalidade ou conjunto de intencionalidades conformes com o modo como queremos que a nossa equipa jogue e conforme as preocupações que entendemos mais prioritárias naquele momento do processo”. Tal como Araújo (2009) reconhece, o levar a fazer é fundamental, e, portanto, o treinador precisa de saber de treino, de jogo e o modo como faz determinadas dinâmicas acontecer. Nesse sentido, o treinador configura ou modela os contextos de exercitação para que possibilitem um aumento de densidade do que se deseja manifestar como regularidade na “forma de jogar” da equipa.

A intervenção do treinador na operacionalização do exercício é fundamental, pela forma como dirige a concentração para determinado comportamento ou ação. Para Ferreira (2019), a intervenção deverá ser específica relativamente ao objetivo pretendido. A sua expressão corporal, a sua emotividade, o seu feedback, ou mesmo a intencional ausência do mesmo, torna-se decisiva no processo aquisitivo e na adaptação que o estímulo provoca no jogador. Na mesma linha de pensamento, Maciel (2011) defende que a configuração dada ao contexto, juntamente com uma intervenção condizente durante a exercitação, potencia interações que, ao acontecerem, fazem emergir de forma mais visível os critérios subjacentes ao modelo de jogo da equipa.

Neste contexto, Casarin, et al., (2010), sustentam que a intervenção do treinador deve “fazer com que uma palavra signifique mil imagens” para o

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jogador. Azevedo (2011) acrescenta que “mesmo que os exercícios estejam em sintonia com o modelo de jogo, se não existir intervenção ou se esta não for adequada, eles podem tornar-se desajustados”. A intervenção específica e constante durante o exercício de treino é um dos fatores mais importantes e diferenciadores do processo de treino, e consequentemente, um fator municiador de princípios inerentes à ideia que o treinador procura implementar.

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2.1.3. Planear e Periodizar seguindo uma visão Específica e