• Nenhum resultado encontrado

O uso político do cristianismo: Um erro contra a política

No documento MESTRADO EM FILOSOFIA São Paulo 2010 (páginas 70-82)

1. Política e religião nos povos antigos: “O Deus político”

2.3 O uso político da religião cristã como um mal para o Estado e para a religião

2.3.3 O uso político do cristianismo: Um erro contra a política

todos os povos e de missão está presente na semente desse movimento religioso iniciado em Israel e difundido por todo o antigo Império Romano. O seu conceito de universalidade dá aos homens a clara noção de que o reino a que verdadeiramente estão subordinados é o reino de Deus e não os reinos que passam.

O cristianismo nesse formato é reconhecido por Rousseau em sua forma hierárquica na Igreja. Na exposição do vigário de Sabóia, Rousseau retoma de forma recorrente a idéia de que o catolicismo em si possui as suas bases sob dois grandes modelos sistêmicos: a crença na revelação e no poder das superstições. Uma coisa está na composição da unidade e a outra forma o poder do catolicismo na medida em que impõe a necessidade da interpretação sobre as revelações cabe apenas ao magistério da Igreja, e a condução das superstições, dentre elas o culto aos santos e aos devocionais e controlada também pela instituição através de cada braço eclesial local. Afirma Rousseau que, por conta das confusões criadas pela inúmera quantidade de práticas religiosas, o povo por si jamais teria condições de entender o que se esta mesmo a celebrar, ou melhor, no que crer. Dai a necessidade sempre presente daquele que será destinado a instruir o povo, o padre: “sempre teria que

retornar à autoridade dos que o instruem”.192

A Igreja é a grande resposta dada a todos os conflitos, o poder do “padre” não está essencialmente segundo Rousseau em afirmar a sua religião sobre as outras, nem em cultuar a sua fé, mas em afirmar a sua religião sobre o Estado, sobre as suas leis, em provocar a ruptura da unidade política. A ação do cristianismo não é particular, não pertence a uma sociedade única, mas a lei cristã avança por toda a humanidade.193

O cristianismo, segundo Rousseau, provoca um grave dano ao Estado, por não favorecer um movimento de unificação entre os membros daquela

192 Cf. Ibidem. Emílio, ou da Educação. São Paulo. Martins Fontes, p. 471.

193 Cf ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII. p. 141.

sociedade em particular. Por pertencer a uma relação metafísica, o homem tende a entender que sua relação com os próprios homens também é metafísica, logo, as leis dos homens não encontram respaldo junto a essa classe de cidadãos, pois para eles essas leis dadas por homens, trazem em sua formulação um erro tremendo. Terem sido formuladas por Deus e aplicadas pela sua Igreja.

Mas essa religião, não tendo nenhuma relação particular com o corpo político, deixa as leis unicamente com a força que tiram de si mesmas, sem acrescentar-lhes qualquer outra, e, desse modo, fica sem efeito um dos grandes elos da sociedade particular.194

Nas sociedades antigas, que estavam fundadas na interligação entre o político e o religioso, as leis eram o puro “sacramento” dessa relação. Moisés quando deu ao povo leis civis, nada mais fez do que dar a essas mesmas leis civis uma roupagem religiosa, ou seja, as sacralizou-as. Desobedecer as leis era antes de tudo desobedecer a Deus.

O que Rousseau aponta é que o cristianismo ignora esse ponto chave para a condução da sociedade: a desobediência a uma lei civil, que contrarie os princípios da lei cristã, não constitui para o cristão nenhuma falta contra Deus, mas apenas uma falta contra o convívio em sociedade195, um pecado menor que pode ser perdoado. No caso da relação dos cristãos com o império romano esse problema é claro.

O cristianismo nasceu dentro do império, portanto, deveria estar sujeito às leis do império romano. A grande questão é que o cristianismo e seu caráter universal estabeleceram uma espécie de desobediência civil, os crimes que, pelas leis do Estado eram punidos com a morte, como o não reconhecimento da divindade do imperador, tornaram-se, para o cristianismo, sinônimo de sua guerra contra o Estado.

A negação da figura do imperador como Deus era visto pelos cristãos não como um crime, mas como uma virtude, pois pouco se importavam com as

194 Ibidem. P. 141.

195 “Esse era o sentido que os seguidores de Jesus entendiam. Por exemplo, quando as autoridades de

Jerusalém (sobretudo os sacerdotes) ordenaram que os apóstolos parassem de pregar ao povo, Pedro respondeu: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens.” Ato 5, 29. No entanto, Jesus não parece ensinar uma oposição tão radical as leis civis.(...)” Cf: WATERLOT, Ghislain. Rousseau: Religion et politique, p. 37.

leis do Estado, o importante era não romper com as suas leis particulares, essas sim de caráter divino. As punições, inclusive com a pena capital, passaram a ser vistas por esses cristãos como um motivo de orgulho; o martírio assumiu a forma de fidelidade ao projeto cristão, pois o cristão morria para defender o seu reino e lutava contra a inversão pagã do reino da terra e de suas leis que nada possuíam de sagradas. Há uma desvinculação total da lei que rege o cristianismo e das leis que regem o Estado.

A fé dos cristãos é contrária ao Estado, pois não reconhecem em suas leis, em seu corpo social, nada em que o coração humano possa estar apegado, afirma Rousseau que:

Mas ainda, longe de ligar os corações dos cidadãos ao Estado, desprende-os como de todas as coisas da terra. Não conheço nada mais contrário ao espírito social196

A religião cristã desliga o coração do homem da terra, pois a sua essência, não é terrena, mas espiritual:

O cristianismo é uma religião inteiramente espiritual preocupada unicamente com as coisas do céu, não pertencendo à pátria do cristão a este mundo197

No Contrato, sobretudo após as definições dadas sobre as religiões instituídas, Rousseau segue para uma série de acusações com relação à possibilidade de se construir uma sociedade genuinamente cristã, a crítica está direcionada tomando como a base a impossibilidade dos cristãos desviarem o seu foco do reino dos céus para um reino da terra.

A relação política do cristianismo, por conta do rompimento de sua estrutura existencial com a estrutura civil, segundo Rousseau, cumpre a sua função social, bem ou mal, como religião, mas não estabelece nenhum laço de apego ao Estado no qual está inserido: “É verdade que ele cumpre o seu

dever, mas o faz com uma indiferença profunda quanto ao bom ou mau sucesso de seus trabalhos”.198

Rousseau reconhece no cristianismo uma espécie de egoísmo civil, um tipo de interiozação produzida no coração de seus fiéis. O cristianismo busca

196 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII. p. 142. 197 Ibidem.

no mundo manter a sua hegemonia e o seu poder, liga-se ao Estado apenas com esse objetivo. Se o Estado vai bem o mal, se consegue avançar, ou se vive uma intensa derrocada, o cristianismo não se afeta, pois em tempos de glória do Estado, ele não se alegra, em tempo de penúria, afirma que a mão de Deus pesa sobre os que nele habitam:

Contanto que nada tenha a censurar em si mesmo, pouco lhe importa se tudo vai bem ou mal cá embaixo. Se o Estado está florescente, dificilmente ousa gozar a felicidade pública, teme orgulhar-se da glória de seu país; se o Estado perece, bendiz a mão de Deus que pesa sobre seu povo.199

Uma organização coletiva subsiste observando com extrema atenção as regras de convivência comum. Conviver com outros significa pactuar com esses a quem tenho que conviver: o que é justo, o que é de interesse comum. Nas organizações cristãs, o objetivo de todo o coletivo é a construção de um reino dos céus, de uma matéria espiritual, que não encontra na terra o seu fundamento. Esse reino dos céus é, segundo Rousseau, o grande objetivo desses povos, logo, os interesses terrestres tornam-se particulares, e menores.

Não parece contraditório, para o cristão, que não se alcance nesse reino uma verdadeira igualdade; aqui se pode ser desigual, pagar pela derrocada da sociedade desde que se alimente a ideia de que o reino dos céus vai solucionar todos esses problemas: “Que importa ser livre ou escravo nesse

vale de misérias? O essencial é alcançar o paraíso, e a resignação não passa de mais um meio para isso”.200

Junto à sensação de que nada é mesmo possível nesse reino terrestre, é necessária a introdução de todos que aqui estão no reino dos céus. Contudo, nesse reino o acesso não pode ser feito por diferentes. Não existe na linguagem salvífica do cristianismo o conceito de separação entre os povos, nem gregos, nem romanos, já anunciava Paulo201, todos são cidadãos do céu202, pois estão salvos por possuírem a mesma natureza. Rousseau reconhece nesse movimento, o estabelecimento de uma nova peça de enfraquecimento da engrenagem social: o reino de irmãos.

199 Ibidem. 200 Ibidem, P. 142. 201 Cf .Romanos. 10,12. 202 Cf. 1Co 2.9.

A universalidade cristã faz com que todos os membros dessa estrutura religiosa sintam-se parte de algo maior do que eles mesmos. Aqui o conceito de comunhão trabalhado por Rousseau talvez ainda ganhe sentido. Não existe um cristão que seja francês ou inglês, russo ou grego. O gênero cristão é universal e não conhece nenhum senso de nacionalidade, ou território para fixar a sua atuação.

O fato de ignorar a relação com o território cria nas chamadas

“repúblicas cristãs” um sério problema. Se a república representa a parte na

qual os homens são iguais perante um mesmo código jurídico e um mesmo soberano203, representa também a afirmação de que o território ao qual estão estendidos esse código e esse soberano é um território limitado. Logo, a uma noção de pertencimento a uma estrutura determinada.

O grande problema apontado por Rousseau no Contrato é que a ação de um cristão fica limitada, pela ação de sua fé. Por primeiro o cristão ficará extremamente incomodado ao saber que nas atrás das linhas inimigas vai encontrar cristãos como ele, que celebram o Natal, batizam seus filhos e que vão a missa aos domingos. São tão semelhantes na terra, quanto sua fé diz que serão no reino dos céus.

Essa crise de identidade torna o cidadão cristão fraco em sua ação em defesa do Estado, pois não encontra no outro a noção de inimigo, mas a frágil noção de irmão que ora é inimigo.

Nos povos antigos, como as religiões possuíam formatos nacionais, essa crise existencial e de ação não estava presente. Como defender o solo era também defender a divindade que lá habitava, os guerreiros daquele território se dirigiam para o combate tomados pelo desejo da vitória pois não havia desprezo pelo território. Do outro lado da linha de guerra não estava um irmão, mas um inimigo mortal que buscava a liquidação não só territorial, mas também física daquele povo.

Rousseau afirma que no discurso cristão a fragilidade é aparente, pois como se trata de um povo que busca um reino espiritual, pouco importa a

203 Aqui considero a situação de espaço e tempo vivida por Rousseau no século XVIII, momento esse em

que as republicas existentes nada se assemelham com os modelos conhecidos pos revolução francesa. Os modelos dos tempos de Rousseau aproximam-se ainda com grande intensidade das monarquias absolutistas, preservando no Estado a figura do soberano.

noção de vitória ou derrota, não há território a defender, não há inimigo a aniquilar, vencer ou perder, na lógica cristã torna-se um mero detalhe:

Sobrevém uma guerra estrangeira, os cidadãos marcham sem dificuldade para o combate, nenhum deles pensa em fugir; cumprem seu dever, mas sem paixão pela vitória; melhor sabem morrer do que vencer. Que importa sejam vencidos ou vencedores? A Providencia não sabe, melhor do que eles o que lhes convém?204

É evidente, que a problemática presente na discussão sobre o que seria de fato um Estado cristão passa também, pelas possibilidades de manobras que podem ser efetuadas por aqueles que governam.

A base da argumentação está em afirmar que em uma sociedade genuinamente cristã, todos os seus membros deveriam portar-se como bons cristãos205, mas a infelicidade desse Estado seria completa se em seu meio encontra-se apenas um hipócrita e aqui Rousseau da como exemplo Catilina e Cromwell206. Segundo Rousseau, um homem que conseguir, mesmo que de forma legal, apoderar-se de parte da máquina pública, não hesitaria em raciocinar de forma categórica com relação a manutenção de sua autoridade e de seu poder. Para Rousseau, o cristianismo dogmático é cercado de regras e preceitos. Essas regras dão ao homem a noção de que não se é permitido pensar mal do próximo, ou mesmo de lhe desejar mal. A uma espécie de conformismo do cristão em entender que não pode levantar-se diante daquele a quem Deus constitui soberano.

Homens sem escrúpulos com os citados por Rousseau poderiam fazer um uso político contrário aos interesses sociais valendo-se dessa prerrogativa conformista, que impede a reação dos cidadãos contra as ações injustas do Estado e também se usando da prerrogativa de que como é uma autoridade de Deus, que todos os respeitem, afirma Rousseau que:

Deus quer que o respeitem. Logo mais, ia-lo uma potencia- Deus quer que seja obedecido. O depositário desse poder abusa? – é o açoite com o qual Deus pune seus filhos.207

204 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII. p. 142. 205 Ibidem.

206 Oliver Cromwell foi um militar e político britânico, conhecido como um dos líderes da Guerra Civil

Inglesa, movimento que derrubou Carlos I, com o apoio de presbiterianos escoceses e levou à instauração de uma república puritana na Grã-Bretanha.

Derathé retoma essa temática afirmando que a relação entre o poder e quem o exerce é sempre muito tênue, há uma imensa facilidade entre os homens de usar suas funções configurando-as a atributos e ao poder, para assim atingir seus verdadeiros objetivos208.

O raciocínio de Paulo, de que “não há autoridade que não proceda de

Deus”209, pode muito bem ser aproveitado por “cristãos” mais hábeis na

percepção das artimanhas para a manutenção do poder210.

O indivíduo que está introduzido na máquina pública pode fazer uso de suas atribuições civis, pois está constituído de autoridade e recoberto pela figura sagrada de um poder por representação, isso dá espaço para o avanço da intolerância e da tirania, pois se esse representante age em nome do Deus cristão e de suas leis, não pode permitir nada que seja contrário aos seus princípios, daí o avanço do derramamento de sangue e da perturbação social:

Toma-se como obrigação de consciência expulsar o usurpador: ter-se- á de perturbar a calma pública, usar de violência, verter sangue211 Para Jean Jacques Rousseau, uma sociedade de verdadeiros cristãos, não teria nenhuma possibilidade para que o sucesso vigorasse, pois não haveria garantias legais para que o poder seja preservado das ações dos usurpadores, pois na lógica cristã. Para ele o desligar do coração dos cristãos as coisas do Estado indicam um abandono do poder, logo, aqueles que percebem esse vácuo deles se aproveitam.

Rousseau aponta na possibilidade de uma república verdadeiramente cristã um outro grande problema. Caso fosse possível que os cristãos enfrentassem soldados, como os Espartanos212, por exemplo, a aniquilação seria certa, pois estariam impedidos pela sua própria crença de desejar a vitória. O sucesso de sua campanha não se daria por seu empenho ou sua

208 DERATHÉ, R. Jean- Jacques Rousseau et la science politique de son temps. Paris: PUF, 1950, P. 34 e

35.

209 Ibidem.

210 Segundo Derathé, não é a pessoa que governa o Estado que está dotado de divindade, mas o poder é

que é divino, ele emana de Deus e é recebido pelos homens para ser exercido sobre outros homens. Ora, essa relação entre o poder recebido de Deus e quem exerce esse poder pode levar segundo Derathé a uma fácil relação entre quem exerce o poder e a quem de fato esse poder procede. Cf: DERATHÉ, R. Jean- Jacques Rousseau et la science politique de son temps. Paris: PUF, 1950, P. 34.

211 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII. p. 142. 212 Ibidem.

vontade, mas a ação de uma providência, algo que rege e define todas as coisas. Rousseau cita uma passagem da obra de Tito Livio sobre a história dos romanos. Trata-se aqui de apresentar o juramento dos soldados de Fabio que juraram solenemente vencer aquela batalha, defender os seus deuses e seu território e voltar para casa, para Rousseau esse tipo de comportamento não cabe no coração do cristão:

(...)A meu ver foi um belo discurso os dos soldados de Fabio – eles não juraram morrer ou vencer, juraram voltar vencedores e cumpriram seu juramento. Jamais cristãos teriam feito semelhante juramento, pois acreditariam estar tentando a Deus213

Como o ensinamento cristão prega o não jurar por nada desse mundo214, não há como conciliar uma ação juramentária como essa à vida de fé cristã, pois isso configuraria uma tentação direta a Deus e a sua divina providência.

Essa condição, nega a afirmação corrente em sua época de que as tropas cristãs são de uma excelência invejável. Como essas tropas poderiam se configurar na estrutura de excelência, desprezando a ação temporal dos homens, não seria possível segundo Rousseau tropas que chamemos de cristãs: “(...) Quanto a mim, não conheço absolutamente tropas cristãs”.215

Como já era previsto, o apontamento dos soldados cruzados viria para defender a idéia de tropas que são genuinamente cristãs. Contudo, os soldados cruzados configuravam uma distorção medieval, um uso indevido das relações entre política e religião, pois não se portavam como grupos cristãos.216 Antes de qualquer coisa eram cidadãos da Igreja217 que, de certo modo, para Rousseau, se integram aos modelos pagãos de guerra por seu território, no caso dos cruzados o espiritual que, não se sabe como se tornou temporal218.

213 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII. p. 143. 214 Cf. Tiago 5:12

215 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII. p. 143. 216 Ibidem.

217 Na leitura de Rousseau, o conceito de cidadão da Igreja Parece não ser semelhante ao de cristão, pois o

cristão seria aquele que busca a vivencia do evangelho, o cidadão da Igreja, por outro lado, busca a defesa temporal dos bens da Igreja, como um soldado mercenário, viver o evangelho não lhes parece uma necessidade, se eles de fato cumprem o seu dever de defender a Igreja.

O cristianismo não pode se configurar como religião nacional, é também impossível o entendimento entre as tropas cristãs de uma guerra santa.219 Como a sacralidade do ato belicoso não se configura entre as tropas cristãs uma guerra sagrada, entre povos cristãos tornar-se impossível.220

É certo que quando os cristãos estavam em conflito contra os imperadores pagãos a resposta das tropas era um tanto quanto satisfatória, pois se tratava de um conflito para estabelecer a universalidade do reino. Essa eficiência das tropas desaparece, segundo Rousseau no exato momento em que os imperadores tornam-se cristãos: “Desde de que os imperadores

passaram a ser cristãos, essa emulação não subsistiu mais e, quando a cruz expulsou a águia, desapareceu todo o valor romano”221.

***

A crítica de Rousseau à tentativa de transformar o cristianismo em religião nacional busca principalmente demonstrar que na religião cristã há uma dificuldade essencial quando se tenta misturar idéias religiosas e idéias políticas. É demonstrado que, a expressão “república cristã”, envolve uma grande contradição, pois eles são heterogêneos, se excluem por definição. Uma república para Rousseau necessita de homens que aspirem à liberdade e que nessa condição seria impensável conceber homens que vão a guerra sem saber se sua ação conflituosa de fato é importante, vencer ou perder não diz nada em si mesmo. Um verdadeiro cidadão ama sua pátria antes de qualquer outra coisa, daí algumas acusações modernas, de entender já em Rousseau, as sementes dos regimes totalitários222.

O que podemos concluir sobre as implicações políticas da religião cristã é que o cristianismo não é territorial, ele deve ir pelo mundo, independente do território no qual ele está inserido. A religião cristã, enquanto religião nacional

No documento MESTRADO EM FILOSOFIA São Paulo 2010 (páginas 70-82)