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MESTRADO EM FILOSOFIA São Paulo 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Wagner Cipriano Araujo

A via média.

Política e religião em Rousseau.

MESTRADO EM FILOSOFIA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Wagner Cipriano Araujo

A via média.

Política e religião em Rousseau.

MESTRADO EM FILOSOFIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Doutora Maria Constança Peres Pissarra.______.

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Banca Examinadora

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Dedicação:

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Agradecimento

Como primeiro agradecimento gostaria de expressar em palavras o meu sentimento de gratidão à professora Maria Constança, minha orientadora, a paixão acadêmica por Rousseau e por todo o século XVIII marcaram a minha vida e minha pesquisa profundamente. Além disso a paciência pelas minhas “sumidas” e o sempre disposto auxilio na solução de problemas de ordem burocrática resultaram nesse momento. Sem o seu companheirismo esse trabalho não seria possível.

À professora Sônia e à Professora Maria das Graças que em minha não muito calma banca de qualificação, ajudaram a minha viciada visão a perceber o que estava incoerente no texto.

À Siméia da secretaria da pós graduação da PUC –SP pela paciência em nos avisar tudo que teríamos que cumprir.

À Diocese de Santo André da Igreja Católica que subsidiou meus estudos filosóficos na graduação enquanto ainda era seminarista e a quem devo muito de tudo o que sou, meus sinceros e emocionados agradecimentos a todos que fizeram parte dessa história, sobre na figura do Pe. José Herculano e do falecido bispo diocesano Dom Décio Pereira.

À direção da escola Estadual Amaral Wagner que sempre me apoiou e mesmo com minhas ausências todos demonstraram-se amigos durante esse processo.

Ao meu amigo Professor Wanderlei da Silva (que é intelectualmente o que eu gostaria de ser) pela ajuda na leitura, nas correções e na sempre sincera e bem humorada verdade sobre o conteúdo do texto.

À Rita de Cássia, companheira e amor da minha vida pela compreensão e paciência nas ausências por conta dos estudos e da redação dessa pesquisa.

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Resumo

Este estudo busca apresentar a posição na obra de Rousseau com relação às implicações políticas da religião nas ações políticas dos povos. Essa apresentação será feita a partir do exame dos textos do autor em que podemos localizar uma discussão especifica sobre o tema. Para chegar ao objetivo, o trabalho trata primeiro da relação política e religiosa nos povos antigos; depois passamos à crítica feita por Rousseau ao cristianismo enquanto forma política dissolvida nas religiões nacionais e por fim apresentamos a saída dada pelo autor para resolver as contradições apresentadas pelas modalidades religiosas citadas. Essa solução foi chamada por ele de religião civil.

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Abstract

.

This study aims at presenting the position in the work of Rousseau regarding the political implications of religion in the political actions of people. This presentation will be made by examining the texts of the author in which one can find a specific discussion on the topic. To reach the goal of this study, the first topic which is dealt with is the political and religious relationship amongst ancient civilizations; then one discusses the criticisms made by Rousseau to Christianity as a political form dissolved in national religions. Finally, one presents the issues proposed by the author in order to solve the contradictions presented by religious rules cited. Rousseau called his proposed solution civil religion.

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SUMÁRIO

Introdução... 09

1. Política e religião nos povos antigos: “O Deus político”... 14

1.1 A fé política. ... 15

1.2 Relação entre política e religião nos povos antigos. ... 19

1.3 A delimitação da ação nos povos antigos: Religião, política e território. ... 26

1.3.1 Religião, política e território: o exemplo judeu... 33

1.4 A experiência romana como religião nacional ... 38

2. “Os vigários do Deus político”... 46

2.1 A quebra da unidade entre política e religião: O reino dos céus e o reino da terra ... 48

2.2 A impossibilidade do cristianismo enquanto religião nacional... 56

2.2.1 A sustentação do poder político sem a noção de território: Comunhão e excomunhão ... 60

2.2.2 Universalismo e o poder soberano... 63

2.3 O uso político da religião cristã como um mal para o Estado e para a religião ... 65

2.3.1 O uso político do cristianismo: Um erro contra a religião... 65

2.3.2 A intolerância. ... 67

2.3.3 O uso político do cristianismo: Um erro contra a política... 70

3. A via média... 82

3.1. A religião como necessidade e não como instrumento. ... 83

3.2. O primeiro tipo de religião: A religião do homem. ... 86

3.2.1. O segundo tipo de religião: A religião do cidadão. ... 89

3.2.2. O terceiro tipo de religião: A religião do Padre. ... 91

3.3. A Religião Civil no Contrato Social: Entre a religião do homem e a do cidadão... 93

Considerações finais... 103

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Introdução

Esta Dissertação trata de um dos temas mais importantes e conflitantes da filosofia política moderna: a discussão sobre as implicações políticas da religião na esfera social no pensamento de Jean Jacques Rousseau. O trabalho desenvolvido procura se apresentar como uma reflexão possível sobre o conflito entre política e religião, que no século XVIII, envolveu várias posições filosóficas divergentes. A pergunta que movimenta as hipóteses desse trabalho é: de que maneira a religião pode estar vinculada ao Estado sem provocar danos a si mesma e a sociedade?

Em todos os tópicos abordados haverá sempre a preocupação em demonstrar como as idéias de Rousseau referentes, de um lado, à religião e, do outro, à política se relacionam. Em particular tentamos por meio desse texto fazer uma investigação da presença do debate entre religião e política no pensamento de Rousseau, onde destacadamente o Contrato Social é o texto central, pois contém os principais argumentos que tratam especificamente dos conceitos dedicados ao esclarecimento da presença e do valor da religião e de seus vínculos institucionais estabelecidos em algumas modalidades sociais. Em seu pensamento Rousseau ora acolheu uma influência das antigas religiões, ora acolheu um cristianismo do “evangelho”, ora deles separou-se para, finalmente pensar um modelo de relação político religiosa à margem do cristianismo e do ateísmo. Em poucas palavras procuramos entender o lugar que a religião ocupa no pensar político de Rousseau.

Na perspectiva de apontar detalhes que possam ser reveladores das fontes das idéias religiosas e políticas de Rousseau, pretendemos localizar o seu pensamento traçando um paralelo com suas idéias filosóficas em geral, como a soberania do Contrato e da Vontade Geral.

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avanço de uma burguesia cada vez mais ávida pelo poder político e pela descentralização das decisões nas mãos de um homem e de uma Igreja oficial.

Assim localizamos em alguns filósofos como Diderot e Voltaire, uma forte presença do temas da religião e da sua relação com a política, tal como da secularização e do ateísmo e, principalmente, a expectativa política do advento de uma época em que todos os homens fossem livres e não reconhecesse outro amo a não ser a própria razão. O diferencial localizado no pensamento de Rousseau deve-se ao fato de haver criticado com a mesma força tanto o pensamento intelectualista quanto ao pensamento teológico, ele ataca tanto a ateus como crentes.

No centro de todas essas polêmicas encontramos em Rousseau e, sobretudo, no texto sobre A Religião Civil que fecha o Contrato Social os pontos que mais esclarecem a temática sobre religião e política e sobre a sua possível relação na sociedade. Procuramos mostrar o que há de singular no pensamento político/religioso de Jean Jacques, e a sua tentativa de conciliar dois temas que para muitos já estavam por força das contingências históricas caminhando para uma separação inevitável.

Política e religião quando pensados sobre uma mesma bandeira são conceitos bastante controversos em toda a história e levam Rousseau a pensá-los dentro da evolução das sociedades políticas. Não é a toa que a temática em sua obra é polêmica e inesgotável. Com este estudo procuramos esclarecer como as idéias relacionadas a religião e política se desdobram em seu pensamento e de que forma elas podem conviver unidas, livres de danos dogmáticos e de paixões pessoais.

A dinâmica do pensamento de Jean Jacque para entender a relação entre religião e política parte de uma certa genealogia dos efeitos sociais provocados pelas crenças religiosas nas sociedades políticas em momentos específicos da história humana. Como já foi dito, estamos diante de um pensador, vivendo em um século de profundas transformações políticas e religiosas, mas que não ignora o que foi vivido ao longo das transformações históricas.

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com maior facilidade a ordem e ajuda no respeito às leis e as decisões do contrato.

Para entender melhor essa necessidade de revestimento dos eventos políticos de uma forma religiosa tomamos no Contrato a figura do Legislador. O Legislador é a figura daquele que dá as leis a um povo, não faz leis por si mesmo, mas consegue por sua condição ler a vontade geral e agir em conformidade a ela. Ele trás no revestimento de sua autoridade uma roupagem divina.

O Legislador é para os Estados um “homem extraordinário”1 que, é

capaz de expressar a vontade geral do povo na forma de leis, estabelece efetivamente o corpo político: “Para descobri as melhores regras de sociedade que convenham as nações, precisar-se-ia de uma inteligência superior”2. Mas

para que essa obra extraordinária se consolide o Legislador necessita recorrer à religião, ou seja, o Legislador recobre a sua ação e o resultado dela(as leis) partindo da crença universal dos homens de que existe um ser criador, salvador e juiz de todos os homens. Logo, o Estado estará protegido por convenções sagradas, protegidas das ações particulares dos homens.

A religião não se apresenta na história dos homens como um evento insignificante e que se sua presença não tivesse existido pouco representaria a convivência dos homens em sociedade. Essa idéia pode ser encontrada na primeira das Cartas escritas da montanha, Rousseau afirma que a religião “é útil e até mesmo necessária aos povos”3.

Esse trabalho busca entender, afinal, que a intenção de Rousseau não é eliminar a presença religiosa do Estado e nem participar da fundação de uma nova Igreja para prestar culto as Leis e as figuras ilustres4 da sociedade, mas o que ele busca pensar é um tipo de religião que esteja entre as convicções do homem, para consigo mesmo e para com o próximo, e que também ajude o cidadão a ser fiel ao Estado, se que para isso provoque conflito entre uma e outra das relações. Nossa discussão transcorre sobre a possibilidade de uma “via média” entre a religião do homem e a do cidadão.

1 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro II, Capítulo VII, p.57 2 Ibidem. p.56.

(12)

***

Esta dissertação está esquematicamente dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, o alvo da investigação será a relação entre política e religião nos povos antigos. Na ordem do texto, Rousseau segue de uma primeira afirmação sobre as relações políticas entre os homens e logo em seguida cita Calígula como marco, parte então para uma justificativa sobre a importância da religião como unificadora dos povos e para a análise da experiência política religiosa em cada sociedade separadamente. Não há uma ordem cronológica estabelecida, ele toma os gregos, transitando para Babilônicos, indo a cristãos e voltando aos sumérios.

Para essa organização no primeiro capítulo, fizemos a análise do texto do Contrato Social levando em consideração somente a sua primeira parte, quando tratamos da “instituição da política divinizada”, ou seja, daquele que como deus governa divina e humanamente, e como o objetivo não é apresentar o pensamento ligado às experiências religiosas do autor, nossa leitura toma como base a seguinte ordem: contextualizar as implicações religiosas na política e a similaridade dessas implicações em todos os povos antigos; demonstrar como Rousseau se apega a tese de delimitação territorial para sustentar a idéia de que as religiões eram nacionais; e por fim, apresentar a particularidade do império romano como um evento político religioso novo, nas relações e as implicações da introdução do conceito de império.

No segundo Capítulo, tomamos como hipótese de que para Rousseau o cristianismo é um evento totalmente novo enquanto pensamento político.

Para sustentar essa idéia a argumentação do texto do Contrato Social, vai se estender em torno da consolidação do cristianismo como forma política e de sua atuação para a modificação das relações sociais. Para um melhor esclarecimento nos foi necessário recorrer a mais um texto de Rousseau que são as Cartas Escritas da Montanha.

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pode se configurar como uma religião nacional, demonstrar também que o cristianismo rompe a unidade do Estado; e por fim, demonstrar que todo movimento em direção a uma “estatização” do cristianismo terminará sempre com a corrupção da política e da própria religião.

No terceiro capítulo será feita uma análise da última parte do texto sobre a Religião Civil. O que também estará presente nessa última parte da dissertação será a tentativa de demonstrar a hipótese de Rousseau de como podemos pensar uma religião não do Estado, como nas antigas religiões, também não separada dele como o cristianismo, mas uma religião para o Estado.

Ainda no terceiro capítulo, notamos que o problema central está na apresentação da religião civil como uma espécie de instituição religiosa alternativa, uma “via média” que se apresenta na forma de uma profissão de fé mais adequada para o cidadão e também para o Estado. O que ficou evidente é que na proposta da religião civil, Rousseau leva em conta duas espécies de religião definidas a partir de perspectivas distintas da sociedade: a religião do homem (do ponto de vista da sociedade geral) e a religião do cidadão (do ponto de vista da sociedade particular).

Por fim terminamos nossa análise tomando como base os dogmas da religião civil e a sua relação mista, ora religiosa, ora social.

***

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1. Política e religião nos povos antigos: “O deus político”

“Os homens de modo algum tiveram a princípio outros reis além dos deuses, nem outro Governo senão o teocrático”.5 Os deuses reinam sobre os

homens, assim abre Rousseau o capítulo oitavo do livro quarto do Contrato Social que tem como título e tema de discussão a Religião Civil. O reinar dos deuses sobre os homens possui que tipo de fundamento? Os deuses se fazem carne ou subsistem por meio daqueles que se arrogam governar em seu nome?

No debate moderno sobre os limites e o verdadeiro valor das relações entre política e religião, encontram-se presentes as influências produzidas pela filosofia política de Rousseau, ao uso político da religião como instrumento de justificação divina do poder. A separação efetiva entre esses dois mecanismos passa a se tornar realmente concreta no início do período clássico e possui o seu ápice marcado no século XX.

Ora, a separação entre o poder político e o religioso se configura em concepções próprias do período moderno. Avançar nos estudos das implicações da religião sobre a política, nos conflitos provocados pela sua união, em determinada época histórica e pela sua separação radical em outra, desembocou em discursos e debates por parte de alguns pensadores, tais como Diderot, Voltaire e Rousseau. A religião, sobretudo, o cristianismo é agora um assunto da política moderna torna-se também cada vez mais importante a tentativa de seu enquadramento dentro dos sistemas jurídicos e aí está o início do nosso debate.

O que se coloca a nós com os fatos novos levantados pelo cristianismo e politizados pelos Estados modernos é o seguinte: o que é a religião enquanto instrumento político? A relação entre religião e política sempre foi conflituosa?

Perguntar sobre as relações políticas e religiosas em uma esfera pública é também se perguntar como essas relações são possíveis e em que contexto. Em segundo lugar, perguntar como o poder político pode ser reafirmado, sob

5 ROUSSEAU. J.J.

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que circunstâncias ele deve dar espaço à religião, e que tipo de dimensão religiosa pode fazer funcionar tanto política quanto religião sem conflito?

Este capítulo não discutira necessariamente todos os campos que envolvem a história das religiões. O nosso maior alvo será discutir quais foram de fato as implicações das formas religiosas nos contextos políticos dos povos antigos, e aqui tomaremos como povos antigos, os sumérios, babilônicos, gregos, romanos e o povo judeu, ou seja, os povos que de fato deram relevância à relação político-religiosa a tal ponto de não terem garantido a sua própria subsistência sem que para isso a existência de seu divino governante estivesse protegida.

Em nossa investigação, tomamos o cuidado de sequenciar os fatos históricos citados, buscando seguir a ordem estabelecida por Rousseau. Dividimos o texto da Religião Civil da seguinte forma: parte um, a análise das implicações religiosas na política nos povos antigos; parte dois, o cristianismo como evento novo e diverso nas estruturas sociais e no último capítulo deste trabalho o problema com a religião civil.

1.1. A fé política.

Os governos sempre fizeram uso de um grande trunfo a seu favor: a fé. Fé enquanto definição paulina de crença em coisas que não se veem6. Na leitura de Rousseau, talvez essa afirmação de Paulo fique um pouco vaga, pois não se trata aqui de fazer um uso da fé buscando referências metafísicas ou de aperfeiçoamento do espírito. Trata-se aqui de afirmar a fé que os príncipes possuem e qual a sua natureza.

Ora, para entender o movimento da figura do divino como motor da história no pensamento de Rousseau será preciso primeiro entender o movimento da história dentro das dimensões religiosas, e como a política se efetivou através da unificação entre a ação social e coletiva e a sacralização religiosa, ou seja, uma espécie de fé política.

A fé usada pelos príncipes tinha e tem uma outra conotação: não apenas de estabelecer um vínculo de fé entre os deuses e os homens, mas

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levar os homens a acreditar que a fé também precisa ser um mistério de entrega daquilo que se vê, que se escuta, que se vive: trata-se aqui de uma fé na política, ou uma fé política.

Fé na política, ou melhor, em seus representantes políticos, não é possível apenas crendo no poder dos deuses, mas seria necessário crer no poder que os deuses podem dar aos homens, para governarem os homens em seu nome.

Rousseau impõe um questionamento logo no início do debate sobre a religião civil: “como fazer um semelhante assumir outro como seu senhor?”.7 Não seria fácil, de nenhum modo afirmar que as tábuas da Lei de Moisés foram forjadas por um homem comum que pensava apenas em estabelecer o seu próprio reinado. Segundo Robert Derathé, é necessária a crença de que o poder não é algo meramente humano, mas que emana de um espaço divino8. Uma vez divinizado o poder, os governantes assumem então a responsabilidade para guiar o poder, assumir a verdade sobre ele. Esta ação de transformar o poder político e religioso em uma e mesma coisa não é um evento novo na história humana.

Os governantes existentes até hoje buscaram assimilar estes dois pontos para assim justificar a sua autoridade. É claro que todos os governos, de uma forma ou de outra, sustentaram sua ação política sob a tutela sacral de uma religião. O florentino Maquiavel nos ajuda a entender um pouco essa questão:

E de fato, nunca houve ordenador de leis extraordinárias, em povo nenhum, que não recorresse a Deus; por que de outra maneira elas não seriam aceitas: pois há muitas boas coisas que os homens prudentes conhecem, mas que não têm em si razões evidentes para poderem convencer os outros9

Os homens que governam podem não expressar figuras que se parecem divinas, afinal nasceram de mulher, fruto de uma relação sexual como todos os homens, contudo, são especiais, pois representam o poder divino através de suas ações. Seus corpos não são de matéria divina, mas o poder que

7 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII, p. 137 8 DERATHÉ, R. Jean- Jacques Rousseau et la science politique de son temps. Paris: PUF, 1950, p. 50. 9 MAQUIAVEL, N.

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representam emana das divindades10. O poder é algo divino, o que nos permite dizer que aqueles que representam poder também se sentem assim, divinos, puros, santos e verdadeiros, pois representam o algo que está muito além de nossa percepção, algo místico e transcendente:

Raciocinaram como Calígula e, então, raciocinaram bem. Impõe-se uma lenta alteração de sentimentos e de ideias para que se possa resolver aceitar um semelhante como Senhor e persuadir-se de que assim se estará bem11

E continua Rousseau:

Não é todo homem, porém, que pode fazer os deuses falarem, nem ser acreditado quando se apresenta como intérprete. A grande alma do Legislador é o verdadeiro milagre que deverá autenticar sua missão. Qualquer homem pode gravar tábuas de pedra, comprar um oráculo, fingir um comércio secreto com qualquer divindade(...) Aquele que só souber fazer isso, pode até reunir casualmente um grupo de insensatos, mas jamais fundará um império·(...)12

Uma vez que se representa o divino, quem o representa assume também uma forma quase divinizada e tudo que vem desses “ministros” também configura uma atitude divina segundo Rousseau. Logo, um povo passa também pela tutela do divino poder; a religião sustenta as ações dos homens, tanto de forma individual, quanto coletiva; ora, sendo assim, são as divindades que sustentam as ações dos homens em grupo: agir é seguir em tudo a vontade dos deuses, e não apenas a vontade meramente humana.

No início de seu texto, Rousseau nos apresenta um grande modelo unificador. Calígula foi alguém que, com grande percepção política, reuniu sob seu controle a personificação do poder divino, estabelecendo-se assim como homem, e assumindo a titulação de imperador divino. Rousseau não escolhe a figura de Calígula de forma aleatória, afinal o imperador romano deu a si mesmo uma nova natureza que já o colocava sobre aqueles aos quais ele estabeleceria um governo13.

10 BURGELIN, P.

La philosophie de l’ existence de J.J. Rousseau. Paris: Temps Moderns. p. 440.

11 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII, p. 137. 12 Ibidem, p. 59.

13 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII, p. 137.Nota

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É claro que Calígula não foi o primeiro na história a manifestar o seu poder civil sob a tutela de um poder divino. Os faraós egípcios também o fizeram, como também os antigos reis da Babilônia e da Pérsia. No fundo, para Rousseau, Calígula e todos os outros trazem em si uma grande semelhança: descobrem na unificação entre o poder divino e o poder civil um grande trunfo, afinal a grande questão a ser discutida é como alguém pode aceitar como senhor alguém que não possua uma natureza distinta da dele? Como afirma Rousseau: “Raciocinaram como Calígula e raciocinaram bem. Impõe-se uma lenta alteração de sentimentos e de ideias para que se possa resolver aceitar um semelhante como senhor e persuadir-se de que assim se estará bem”.14 Maurice Halbwachs, em sua edição crítica do Contrato Social faz uma referência a uma possível justificativa dessa aceitação:

Aqui, Rousseau diz que naquele tempo, esse raciocínio era justo: os homens, mais próximos do estado de natureza, cujos sentimentos e ideias estavam menos “alterados”, só teriam obedecido a chefes se tivessem acreditado que estes não eram apenas homens como eles15

Senhores eram necessários, afirma Rousseau; contudo, o reconhecimento de que os senhores eram superiores em natureza a seus servos partia do princípio de que eles estavam ligados naquele momento às ideias e sentimentos que lhes eram acessíveis. A ideia estava baseada no princípio de que não havia dois senhores, mas um só, pois o fato de os governantes serem representantes dos deuses identificava, que os senhores eram deuses, e naquele momento da história não havia uma separação entre o povo e os seus deuses16, logo, os deuses, estavam à frente de cada sociedade política17.

Porém, a ideia de um poder civil que em tese emana de um poder divino, ou melhor, que não só emana, mas configura um elo duradouro entre o terreno e o eterno, só poderia sustentar-se a partir do momento em que a ideia de um deus é colocada à frente de uma sociedade.

14 Ibidem.

15 ROUSSEAU, J.J. Du contrat social. Paris Aubier, 1943, p. 413, Nota nº 353.

16 Um povo tem sua consolidação enquanto tal no momento em que o seu deus também se consolida para

o guiar, defender, punir e salvar.

17 ROUSSEAU, J.J..

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Legislar em nome dos deuses ou assumindo a forma de uma figura divina é obrigar a uma ação também em nome dos deuses, de algo maior, fortalecendo assim a coesão social, pois o indivíduo sente-se obrigado não somente a respeitar o homem que está se sobrepondo a outros homens, mas a respeitar o divino homem, que impôs as divinas leis18. Romper com isso não significa estar fora apenas da comunhão social dos indivíduos, mas estar fora da comunhão eterna com os deuses, que não recebem humanos desobedientes e rebeldes tanto a eles, os deuses, como a seus emissários. Cito Rousseau:

Eis o que, em todos os tempos, forçou os pais das nações a recorrerem à intervenção do céu e a honrar nos deuses sua própria sabedoria. A fim de que os povos, submetidos às leis do Estado como às da natureza e reconhecendo os mesmos poderes na formação do homem e na da cidade, obedecem com liberdade e se curvassem docilmente ao jugo da felicidade pública19

Essa unificação entre o poder político e o poder religioso se deu de forma a ser introduzida nas relações de Estado nos povos antigos. Nas antigas civilizações não há uma separação entre as duas ações, elas estão sob o mesmo cajado, unidas, política e religião dissolvendo-se uma na outra. Logo, se quisermos entender os problemas provocados dentro do Estado pela religião enquanto tentativa de ser uma religião nacional, será necessário passar pela análise feita por Rousseau das relações entre política e religião nos povos antigos, o que acompanharemos nos próximos tópicos.

1.2. Relação entre política e religião nos povos antigos.

O texto de Rousseau sobre a Religião Civil, no Contrato social, abre-se com uma análise não de caráter histórico da trajetória das religiões, mas busca entender a trajetória do poder e suas implicações religiosas nos contextos políticos, e perceber o que há de comum entre cada povo da antiguidade e sua dimensão religiosa, antes do advento do cristianismo. Trata-se neste momento de estabelecer na história um exato ponto em que o soberano fazia as vezes

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de ministro das divindades, não um ministro de ofícios meramente religiosos, mas como ministro configurado da ordem civil pode-se nesse momento defender que o governo era de todo exercido pelos deuses, ou seja, era uma teocracia, não no sentido moderno quando pontífices governavam em nome de deuses, mas eram os próprios deuses por seus ministros, também divinos, que governavam.20

Nos primeiros tempos, a figura do governante confundia-se com a representação do sagrado; assim, os reis eram também sacerdotes e uma só pessoa exercia os dois papeis, ou então, eram duas atividades diversas, mas ambas mantinham o caráter de figuras sagradas21

Para entender melhor essa relação entre o divino e a sua presença na figura do governante, é preciso entender etimologicamente o sentido do termo sagrado, para isso tomaremos por base o texto de Battista Mondin:

Para uma primeira abordagem do conceito de sagrado, vale a pena interpelar a filologia. Sagrado / sacro provém do latim sacer, que por sua vez vêem de sancire, que quer dizer conferir validade, realidade, fazer com que alguma coisa se torne real. Sancire aplica-se às leis, aos compromissos, às instituições, a um fato um estado de coisas.(...) Do radical sac deriva também sanctus, que qualifica, sobretudo, as pessoas. Os reis são sancti porque escolhidos pelos vaticínios e, portanto, em conformidade com a vontade dos deuses; por isso, sactus dá a qualificação especial que o rei possui para poder desempenhar sua funções22

Rousseau começa a sua reflexão partindo do princípio de que a religião em certo momento da história não foi o ponto de ruptura, conflito e separação do Estado. Em algum momento da história os membros de uma sociedade, localizavam no ato religioso o ato político, e no ato político o religioso; não havia uma confusão por parte de nenhum cidadão sobre quem obedecer, ao pontífice, ou ao príncipe. Há uma espécie de “pátria divinizada”23 e não parece na leitura feita por Rousseau que essa pátria provocasse qualquer espírito de separação entre os membros da sociedade.

20 Notas de tradução da edição do Contrato Social, feita pela professora Maria Constança Peres Pissarra

In: ROUSSEAU. J.J. Discurso sobre a economia política e Do contrato social. Petrópolis: Vozes, 1996.

P. 212(nota 220)

21 Ibidem.

22 MONDIN. B. Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica. São Paulo: Paulus. 1997, p. 32. 23 GOUHIER, H.G.

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As religiões nacionais foram examinadas por Rousseau levando em consideração o ponto de convergência entre a política e a religião, ou seja, como as instituições religiosas podem fazer parte integrante do corpo político24sem que com isso provoquem uma ruptura no quadro da ordem vigente.

Nos povos antigos e em suas antigas religiões, a ideia máxima de que o poder emana dos deuses e é colocado em prática por seus legítimos representantes ganhou a sua forma mais aprimorada nos sumérios, nos gregos, nos romanos e como um destaque monoteísta e particular no povo judeu. Diferentemente do modelo cristão, que será ainda fruto de nossa análise, os antigos povos, davam a seus membros uma perfeita noção de unidade; não havia em sua estrutura interna nenhum movimento que provocasse a confusão sobre a quem o povo devia obediência, logo a relação entre o divino, as leis e o seu povo era bem delimitada.

Os sacerdotes antigos se prestavam dentro do padrão de sacerdote que foi estabelecido posteriormente com o advento do cristianismo. Sua influência se dava no estabelecimento de um ministro do culto, ou se um oficializador das ações do Estado. A interferência dos sacerdotes antigos estava limitada em sua essência a conduzir e fazer cumprir aquilo que os divinos soberanos determinavam, ou seja, eles não eram, por si, representantes do divino, mas seus servos.25

Logo, nos povos antigos todos estavam destinados a servir aquele que por direito divino detinha autoridade e poder. Não havia uma entidade dentro do Estado que pudesse provocar uma ruptura no liame social, não se obedecia a sacerdote algum, obedecia-se ao divino rei e a sua lei, prescrita e executada pelo divino representante.

A força dada ao representante dos deuses era tão intensa que a analogia entre ele e aqueles que lhe conferiam poder era quase que imediata, e ele mesmo se considerava um deus, pois assim era visto, não fazia às vezes de vigário dos deuses, mas era entendido como um co-participante da natureza divina.

24 Ibidem.

25 Aqui há a inexistência, do que Rousseau chama de a religião do padre, não há uma relação integrada

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A unidade em um mesmo cetro, do poder político e do religioso, deu aos povos antigos, segundo Rousseau, a condição necessária para se constituírem enquanto civilização. Afirmar a religião era afirmar a que povo se pertencia, não havia ruptura; nas religiões antigas, política e religião estavam unidas, e mais, todo o sistema estava atrelado a essa relação.

Uma outra particularidade destaca por Rousseau é a percepção por parte desses povos de que a religião estava diretamente ligada ao espaço físico habitado por eles, logo estavam delimitadas pelo espaço geográfico.

Segundo Rousseau, as religiões nacionais funcionaram enquanto fonte de unidade, pois dentre outras coisas elas estavam delimitadas geograficamente26, não eram universalistas27, não estavam em todos os lugares, muito pelo contrário, estavam retidas, presas ao seu território e não poderiam ser reconhecidas em nenhum outro lugar. Para esclarecer esses eventos, Rousseau explica a situação na qual os gregos se encontravam e em sua fantasia de reconhecer em territórios alheios a presença de suas entidades divinas, tomemos o texto:

A fantasia dos gregos de reencontrar seus deuses entre os povos bárbaros veio daquela, que também tinham, de se considerarem os soberanos naturais desses povos. Mas atualmente tornou-se bem ridícula a erudição que fala da identidade dos deuses das diversas nações, como se Moloch, Saturno e Cronos pudessem ser o mesmo deus, como se Baal dos fenícios, o Zeus dos gregos e o Júpiter dos latinos pudessem ser o mesmo, como se pudesse existir algo de comum entre seres quiméricos que tem nomes diferentes28

O que Rousseau defende é que as religiões antigas, enquanto religiões nacionais, não poderiam em nenhum momento ter a pretensão de tornarem-se universalistas. Tornar-se universal significaria reconhecer em todos os povos algo de comum ao seu próprio espaço, reconhecer que as mesmas leis dadas nesses Estado possuem validade em outro; reconhecer que os deuses de um povo possuem validade em meio a outro. Segundo Rousseau, os gregos

26 As religiões antigas não alargavam o seu espaço de atuação, pois dependiam estritamente da tutela de

seu espaço territorial para concentrar a sua existência.

27 Não havia ação proselitistas entre eles, não se encontrava sentido em converter um povo, sem que antes

esse povo estivesse submetido legalmente, ou seja, que a religião estivesse dentro do corpo legislativo do Estado.

28 ROUSSEAU. J.J.

(23)

erram, pois não há nada de comum entre os seus deuses e os deuses dos povos conquistados.29

As religiões de caráter nacional vigoraram por não permitir em sua estrutura nenhuma referência de caráter universalista, tudo está muito bem delimitado, a religião está no sistema legal,

Nessa perspectiva, o autor mostra que todas as antigas religiões, até mesmo a judaica, foram nacionais na sua origem, foram apropriadas e incorporadas ao Estado, formando sua base ou pelo menos fazendo parte do sistema legislativo”30

Logo, no quadro antigo das religiões há algo de especial nas relações entre política e religião. Uma coisa está plenamente associada a outra. Religião, política e território pareciam estar em completa harmonia no corpo político. O fundamento dessas três coisas sempre esteve ligado por toda a história humana às relações de Estado31 através do contexto religioso:

O capítulo de que falo está destinado, como se vê pelo titulo examinar como as instituições religiosas podem entrar na constituição do Estado. Assim, não se trata ali, de considerar as religiões como verdadeiras ou falsas, nem mesmo como boas ou más nelas mesmas, mas unicamente considerá-las por suas relações com os corpos políticos e como partes da legislação32

29 “ Rousseau foi desmentido neste ponto como nas anteriores observações sobre a história político

religiosa, pela ciência moderna. Lembremos, contudo, que datam do fim do século XIX os primeiros trabalhos mais sólidos sobre mitologia comparada, bem como o Ramo de Ouro, de fazer (1890), que é a primeira obra a cuidar do caráter mágico do poder mando entre os primitivos. Só na segunda década de nosso século Max Weber analisaria mais amplamente o poder carismáticos.” In. Notas de tradução da edição do contrato social, feita por Lourdes Santo Machado e notas de Paul Arbrousse- Bastide e Lourival Gomes Machado. In: ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo

VIII, P. 138( nota 481)

Na tradução do texto da coleção os pensadores, existe um nota de rodapé feita por Lourival Gomes Machado, fazendo alusão a como Rousseau fora desmentido pela ciência moderna com relação a suas observações político religiosas, observações essas que foram confirmada por Max Weber em seu estudo sobre o poder Carismático. A nota em questão, parece não ter levado em consideração o intuito de Rousseau em analisar a experiência dos gregos. O que Rousseau tenta demonstrar é que a religião dos povos antigos é uma religião existente em um espaço geográfico pré delimitado, a força de um estrutura religiosa não poderia ser comparada à outra pois não leva em seu meio o proselitismo religioso, mas tudo que o Estado contém. O gregos não poderiam se reconhecer em outros deuses pois neles não reconheciam as suas leis. Não se trata aqui de uma analise sob a ótica de reconhecer nos cultos semelhanças de cerimonial, a discussão de Rousseau aqui não é teológica, ou histórica religiosa, muito pelo contrario, é uma discussão genuinamente política.

30 ROUSSEAU. J.J. Cartas escritas da montanha. São Paulo: Editora Unesp\ EDUC. , p. 169.

31 Mesmo nos tempos modernos os homens recorrem as suas ligações metafísicas, para assim sustentar a

sua ação humana de sobreposição sobre os membros de sua própria espécie.

32 ROUSSEAU. J.J.

(24)

Ora, na sequência de sua análise sobre as religiões, Rousseau não as considera simplesmente uma ordem cronológica, mas vê nas religiões que existiram até o advento cristão33 uma diferença enorme de padrão. Cada sociedade política constituída antes do cristianismo tinha à sua frente o seu deus, tanto o transcendente quanto o de figura humana. Logo, cada sociedade política formada tinha como grande escudo um deus, para sua defesa e coesão. Se cada sociedade constituída na antiguidade possuía um deus para seu auxílio, Rousseau faz a sua dedução de que a figura de “deus” não poderia possuir um caráter unitário, mas ela se configurava de variadas formas assim como os povos se configuravam diferentemente. Conclui-se, então, afirma Rousseau, que deus na antiguidade não constitui uma experiência única, muito pelo contrário, essa experiência é multifacetada de acordo com o número de povos que assumem para si a experiência do divino:

“Pelo simples fato de colocar-se Deus à frente de cada sociedade política, conclui-se que houve tantos deuses quantos são os povos”34.

E continua Rousseau:

Nessa perspectiva, o autor mostra que todas as antigas religiões, até mesmo a judaica, foram nacionais na sua origem, foram apropriadas e incorporadas ao Estado, formando sua base ou pelo menos fazendo parte do sistema legislativo35

Deus à frente das sociedades políticas faz com que o número de deuses seja identificado com o povo que habita nessa sociedade, é a instituição do que hoje chamamos de politeísmo. O que nos chama a atenção é que o fato de colocar deus à frente das sociedades políticas indica que aquele que o representa nessa realidade, no caso o soberano, configura uma ideia semelhante a de um deus. Ora, portanto, a visão de deus não é única, mas passa por quem o personifica, por cada povo, por cada momento e por cada visão daqueles que por direito detêm esse poder.

33 O cristianismo é para Rousseau um divisor de águas nas relações entre política e religião. Nos povos

antigos não há uma diferença fundamental entre um elemento e outro, o que no cristianismo é completamente reformulado, com a ideia do reino dos céus assumindo uma superioridade sobre o reino da terra.

34 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII, p. 136. 35 Idem.

(25)

Logo, afirma Rousseau, dois povos inimigos entre si jamais poderiam afirmar em tempos de conflito a mesma convicção religiosa36, significaria uma traição à bandeira do soberano e um “pecado” contra os deuses daquele povo:

Trata-se, antes de tudo, de entender a lógica da segregação das nações, que ganha força à medida que o vinculo entre política e religião se solidifica, o que é inevitável, uma vez que é exatamente o isolamento das nações que favorece, em cada uma delas, a confusão entre atitudes religiosas e as atitudes políticas37

Por não representarem religiões de caráter universalista, tal qual o cristianismo38, Rousseau afirma que as antigas religiões nacionais estabelecem um terreno, cada uma possui uma particularidade, gerada a partir da experiência local de cada povo. Como exemplo, a religião dos chineses nada tinha em sua sociedade a ser comparada com os sumérios, cada um em sua época, em uma região estabeleceu particularidades próprias.

Em outras palavras, a ação de conquista religiosa não pode em nenhum momento estar separada da ação de conquista política39. É impossível submeter religiosamente um povo sem que antes haja uma submissão político-territorial.

A ligação entre as relações políticas e o território será o tema que trataremos a seguir.

36 Isso seria uma contradição já que a religião segue a identidade política de cada povo. Não seria possível

dois povos reconhecendo uma mesma religião sob uma mesma bandeira, estarem em conflito em nome dos mesmos Deuses. É certo que a guerra do Peloponeso que envolveu Atenas e Esparta e todas as polis ligadas a sua federação, pode parecer uma contradição a essa constatação de Rousseau, o que ocorre naquele momento da história é que aquele evento se trata de uma guerra civil, e a estrutura grega, não levada em consideração por Rousseau e portanto, não sendo alvo desse trabalho, se difere dos demais povos e de sua relação de território por referir-se em um sistema de cidades estado. Logo, cada cidade possuía a sua autonomia política, conseqüentemente, a sua autonomia religiosa. A guerra entre os gregos, não se tratava de uma guerra de religião, mas de uma guerra política.

37 Cf: WATERLOT.

Ghislain. Rousseau – Religion et politique. Paris: Presses Univertaires de France, p.

64.

38 “O cristianismo, ao contrário, é uma religião universal, que nada tem de exclusivo, nada tem de local”

In: ROUSSEAU. J.J. Cartas escritas da montanha. São Paulo: Editora Unesp\ EDUC. , p. 169.

39 DERATHÉ, R.

(26)

1.3. A delimitação da ação nos povos antigos: Religião, política

e território

40

.

Nosso autor demonstra que não seria possível reconhecer nas religiões antigas um caráter que fosse universalista. A universalidade de uma estrutura religiosa não está presente nos povos, que Rousseau apresenta na primeira parte do texto sobre a Religião Civil.

Nos povos antigos há uma identificação muito grande com a noção de território41. O território significa não só um local onde habitam pessoas que falam a mesma língua, ou possuem os mesmo costumes. Território na concepção antiga significa algo sagrado, local de culto42 de encontro com o divino.

A sacralização da terra onde se está é uma constante na formação social dos povos estudados por Rousseau. Todos eles no fundo seguem a mesma lógica, que entendem ter direito à posse da terra por meio da promessa divina feita a eles43. Reclamam por direito seu território, que não se trata apenas de uma faixa de terra utilizada para um fim humano, profano, a terra, passa por uma relação entre os que ali estão e o divino.44

O que se faz sobre aquele território, por exemplo, é amplamente regulado pelo Estado: as plantações, os feriados, os dias santos45. A colheita é vista como uma espécie de relação sexual em larga escala, onde o homem fecunda a terra abençoada pelos deuses e espera por um tempo o nascimento do fruto daquela relação de amor.46 No momento de se efetuar a colheita, por exemplo, os povos se preparavam de forma exaustiva, tanto espiritual como fisicamente, para retirar da terra o filho sacro, fruto que iria alimentá-los por todo um ano até a próxima colheita.

40 A ideia de território não se encontra diretamente referênciada no texto do Contrato. 41 ROUSSEAU. J.J.

Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII. p. 144.

42 COULANGES. F. A cidade antiga. São Paulo: EDAMERIS, 1961. p. 18. 43 Cf: Gênesis 17.1-7,

44

FIORI. JOSÉ LUÍS. A visão sagrada de Israel. Jornal valor econômico. Edição de 24/01/2009.

45 Cf: Levítico, 20, 23-25.

46 Cf: MARQUES , LEONARDO ARANTES. História das religiões e a dialética do sagrado. São Paulo:

(27)

Trabalhando ainda dentro dessa ótica, gostaria de tomar a reflexão feita por Fustel Coulanges em seu texto sobre o comportamento dos povos antigos, intitulado, “A Cidade Antiga”. Nesse texto Fustel busca analisar de forma direta as formações das civilizações gregas e romanas e de como as implicações religiosas nas formações políticas marcaram o desenvolvimento desses dois povos como grandes potências nacionais.

Fustel percorre um raciocínio que tenta demonstrar como o homem passou de um estágio social que o fazia nômade, sem nenhuma noção de território, posse ou propriedade, para a noção de homem sedentário, que fixa bandeiras, demarca espaços e por fim defende a terra como sua propriedade.

Para Fustel, o homem torna-se de fato homem não pelo mero advento da razão, mas pela diferenciação que faz de si mesmo para com outros animais, quando descobre a concepção de que os seus mortos não são semelhantes aos animais, e não podem meramente ser abandonado sobre a terra. Sepultar os mortos não se tratava de um ato prezando a higiene e a proteção das doenças, mas estava ligado à noção de humanização do homem, a percepção que os mortos pertencem de alguma forma aos vivos que aqui estão:

Um verso de Píndaro guardou-nos curioso vestígio desse pensamento das gerações antigas. Frixos havia sido constrangido a deixar a Grécia, fugindo até Cólquida, onde morreu. Mas embora morto, desejava retornar à Grécia. Apareceu, portanto, a Pélias, e lhe ordenou que fosse a Cólquida para de lá trazer sua alma. Sem dúvida essa alma sentia a nostalgia do solo pátrio, do túmulo da família; mas unida aos restos corporais não podia deixa sozinha Cólquida.

Dessa crença primitiva derivou-se a necessidade do sepultamento. Para que a alma se mantivesse nessa morada subterrânea, necessária para sua segunda vida , era preciso que o corpo ao qual permanecia ligada, fosse coberto de terra, a alma que não possuía sepultura, não possuía morada,e ficava errante”47

Ao perceber que os mortos pertencem aos vivos, os homens, segundo Fustel, começam a não só sepultar os seus mortos, mas a transformar o território onde esses mortos foram sepultados em território santo, sagrado, local de reverências e culto. Culto este que deve ser prestado de uma forma especial, uma espécie de culto particular, uma religião doméstica.48

(28)

Lembra Fustel, que na maior parte dos casos o patriarca era sepultado dentro de sua própria casa. No momento de sua morte um de seus filhos assumia não só a chefia sobre aquela família e a aquele espaço territorial, como também era o responsável por prestar culto àquele que já havia ido ao mundo dos mortos e de manter a sua lembrança viva.

Por essa razão na Grécia e em Roma, como na Índia, o filho tinha o dever de fazer sacrifícios e libações aos manes dos pais e de todos os ancestrais. Faltar a esse dever era a mais grave impiedade que se podia cometer(...)49

Aquele espaço do sepulcro agora ganhava uma nova conotação: seria preciso manter-se fixo a ele e não permitir que outros, estrangeiros ou não, os violassem de nenhum modo, sob o peso da perdição eterna, de quem violou e de quem permitiu tal ato.

A religião ganha espaço nos povos antigos, atrelada ao culto da vida após essa vida. O processo de culto está atrelado aos ancestrais, sobretudo, ao local onde os mortos estão sepultados. Para Fustel, o culto ao território está ligado intimamente a cada membro da família é a configuração do que ele chama de religião doméstica.50

A religião é plenamente identificada ao território no qual se vive, pois ela preserva a memória dos mortos que lá estão e o futuro daqueles que lá vivem.

Ora, se a terra é algo sacro, faz a ligação entre os viventes e os que estão em outra vida e também atua como fonte da alimentação dos povos, é fecundada por eles e distribui os seus dons, temos que deduzir, portanto, que a terra não é, um mero espaço onde homens se agrupam. O território é o espaço em que a vida de um povo prospera. Logo, o território é um espaço sacro, afirma Fustel: “(Essa era) A era da associação política e religiosa das famílias”.51

Esse espaço sacro necessitava de um comando, para organizar em seu interior o bem estar daqueles que lá viviam. Mesmo estando em um solo em que os deuses prometeram a todos, essa promessa necessita de regulação e

49 Ibidem, P. 49.

(29)

necessita também de quem garanta que as normas para a manutenção da promessa não sejam quebradas.

A regulação de um espaço territorial passa sem dúvida nenhuma pela introdução de conceitos jurídicos: dizer o que se pode e o que não se pode fazer em um determinado espaço. Contudo, a Lei não é prescrita nos povos antigos apenas para regular ações meramente humanas, por homens tão frágeis quanto sua conduta, ela emana de algo que está para além de todo homem, no caso aquele a quem Rousseau chamou de Legislador52 e que não está presente apenas nos povos antigos. O Legislador é um homem, que habita entre todos os homens, mas está para além de todas as vaidades que os homens podem produzir:

Na realidade Rousseau não afirma que os Lesgiladores são deuses, ou que sua intervenção é milagrosa. Ainda aqui chamamo-nos diante de uma força de expressão, de um emissário divino ou um deus feito homem, na realidade, é simplesmente a razão encarnada e sua atividade é puramente racional. Individualidade excepcional, o Legislador é simulacro da divindade53

O Legislador lê a vontade geral54, mas não pode arriscar comprometer aquilo que fez, assumindo para si a função de criador da lei e seu executor, não deve governar as leis, o que governa as leis não deve governar os homens.55”

A figura do soberano que executa essas leis ganha aqui um destaque: quem o faz, o faz em nome dos deuses, fonte e inspiração de toda lei, do povo e, sobretudo, do resguardar do seu território, pois afinal os deuses ali se relacionam com os homens.

A sacralização do território deu aos homens das antigas religiões a noção de que seria necessário resguardar aquilo que os levava à relação com o divino. Não seria possível reconhecer um deus alheio, pois esse seria completamente estranho ao seu território, a sua relação política. O deus é

52 A figura, ou função, do Legislador na teoria política de Rousseau impressiona muitas pessoas como um

dos seus mais curiosos elementos. Que autoridade é essa? É a autoridade divina falando em nome de Deus ou dos Deuses e desse modo fazendo o povo pensar que os mesmos decretos originados por Deus a que está submetida a consciência de cada pessoa também são encontrados nas leis do Estado.

53 FORTES. L. R. S. Rousseau: da teoria à prática. São Paulo: Editora Ática. p. 100.

(30)

nacional e isso é definitivo, e segundo Rousseau essa é a base do politeísmo, as divisões nacionais, jurídicas e religiosas:

(...) Não poderiam reconhecer por muito tempo um mesmo senhor; dois exércitos, batalhando não poderiam obedecer ao mesmo chefe. Eis como das divisões nacionais resultou o politeísmo, e daí, a intolerância teológica e civil que naturalmente [nos povos antigos56] é a mesma57(...)

Rousseau reconhece que o politeísmo antigo tem a sua origem não em convicções religiosas, mas na nacionalização da religião58, na vida dada a um contexto que é valido para esse território e que significa traição em outro. Logo, falar em entidades divinas nessa forma de pensamento é autoafirmar-se sobre outros povos.

Ora, mas do que se trata essa intolerância civil e religiosa à qual Rousseau se refere? A intolerância civil e religiosa à qual nosso autor faz alusão não se trata de uma intolerância religiosa, mas de uma intolerância civil.59

A ação de conquista nesses territórios era também uma ação de submissão religiosa. Logo guerras de religião não possuem aqui nenhum sentido, pois os embates não se tratam de trazer à tona batalhas teológicas, mas a teologia é em sua essência, nesse contexto, a política:

(...) Pois cada Estado, tendo tanto seu culto, quanto seu governo próprio, de modo algum distinguia seus deuses de suas leis. A guerra política era também teológica, a jurisdição dos deuses fica por assim dizer, fixada pelos limites das nações60

O que fica claro nesse momento para Rousseau é que a experiência pagã do sagrado na antiguidade não produziu um efeito nefasto que está

56 Grifo nosso.

57 ROUSSEAU. J.J. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII. p. 138. 58 Não que as relações pessoais de cada humano com a figura do divino, não encontra nenhum espaço no

contexto trabalhado. Sabemos que a religião só ganha força quando consegue ligar o que esta aqui nessa estrutura mundana e o que está em um mundo ainda por vir. Logo, a nacionalização das antigas religiões passa também por critérios metafísicos, mas não só, ela depende, sobretudo, da identificação da religião e sua bagagem espiritual, com as Leis do Estado.

59 Intolerância nesse quadro não está associada com a incapacidade dos Estados cristãos de aceitar facções

diferentes do grupo majoritário que está associado ao Estado. Não se trata de não tolerar uma forma diferente de culto, trata-se aqui de um assunto político e não religioso.

60 ROUSSEAU. J.J.

(31)

presente na esperança cristã do poder nas guerras de religião.61 Existe sim uma intolerância, não de ordem teológica mas civil.

A grande questão deixada aqui é a seguinte: se a religião pagã elimina aqueles que não a aceitam, no que ela se difere das demais experiências que observamos ao longo da história humana? Por que as guerras de religião não estão presentes na perspectiva antiga?

Para Rousseau, mesmo utilizar o termo “guerras de religião” não remete a um equivalente às guerras de religião proselitistas que a Europa assistiu entre os séculos XVI e XVII. As guerras não são motivadas por ações isoladas das relações políticas.

Na resposta de Rousseau, percebe-se a distinção dada por nosso autor para esclarecer a diferença dos conflitos no paganismo e depois aquilo que por conseguinte vai aparecer no cristianismo. Por primeiro podemos tomar a não distinção entre os Estados, os deuses e as leis civis. Logo, ocorre que toda a manifestação divina estava muito bem delimitada dentro de espaços geográficos pré-moldados por um povo.

Com a figura da divindade presa a uma autoridade jurídica e a um espaço territorial, não poderia em nenhum momento acontecer um enfrentamento sem que esse enfrentamento dos povos passasse a ser também um enfrentamento de ordem política e militar, não poderia ficar retido em um mero enfrentamento militar. Os deuses estavam em um espaço geográfico bem definido, bem estruturado, não havia necessidade de inveja, pois cada um possuía o seu espaço: “Os deuses dos pagãos não eram de modo algum invejosos; dividiam entre si o império do mundo”.62

Na antiguidade a religião não é somente a fonte de encontro espiritual dos homens, não é apenas o local em que o espírito deve desprender-se do corpo para uma experiência mítica, e também a religião não representa a fonte

61 As rivalidades entre a Reforma e a Contra-Reforma, assim como entre os próprios reformistas,

provocaram numerosas guerras na Europa entre 1550 e 1659. As mais importantes ocorreram nos principados germânicos, onde a influência do luteranismo político era notória. O principal conflito aconteceu no Sacro Império, sob o comando Habsburgo, no início do século XVII. Apesar de a Paz de Augsburgo ter determinado a separação entre católicos e protestantes alemães, as tensões entre os dois grupos continuavam. A nobreza aproveitava-se da crise para evitar a centralização e unificação política imperial, contudo o conflito entre os Huguenotes, que é a denominação dada aos protestantes franceses (quase sempre calvinistas) pelos seus inimigos nos séculos XVI e XVII, e os católicos, tiveram grande recpercurssão no Estado Francês.

62 ROUSSEAU. J.J.

(32)

ou o caminho meramente para um “reino dos céus”. A religião na antiguidade, a partir da leitura de Rousseau é a um fato muito importante para a coesão de uma sociedade.63 O que ocorre nesses modelos de Estado é que não existe uma separação entre religião, política e território: “Pois cada Estado, tendo tanto o culto quanto seu governo próprio, de modo algum distinguia seus deuses de suas leis. A guerra política era também teológica”,64 pois teologia nas antigas relações é política, concreta e não metafísica.65

Portanto, não há no Estado antigo uma separação entre a Lei e a religião66. A força de um Estado está em afirmar-se por completo, de forma unitária, dentro de seu território, fora dele apenas pela conquista de um outro povo que automaticamente teria de acolher os deuses provenientes do novo soberano para assim subsistir sob seu domínio. Afirma Rousseau:

Encontrando-se, pois, cada região ligada unicamente às leis do Estado que as prescrevia, absolutamente não havia maneira de converter um povo senão dominando-o, nem outros missionários que não os conquistadores (...)67

Não se trata aqui, segundo Rousseau, de afirmar um deus e seu aparato cerimonial sobre outro deus, mas de uma afirmação sobre o corpo legal de uma sociedade. O problema não é e nunca foi, na antiguidade, teológico, mas nacional e legal: a aceitação de um contexto religioso significa aceitação do poder de um Estado e não meramente de uma religião.

As guerras internas não eram uma realidade do paganismo, já que as leis que valiam para todo membro daquela sociedade eram feitas a partir de um princípio religioso sacro. Para sobreviver naquele Estado, seria necessário, dentre outras coisas, assumir o contexto religioso, ou na recusa dessa possibilidade, ser considerado um rebelde.

63 “A religião é útil e até mesmo necessária aos povos. Isso não está dito e sustentado por escrito”. In:

ROUSSEAU. J.J. Cartas escritas da montanha. São Paulo: Editora Unesp\ EDUC. , p. 157. Segundo,

Pierre Burgelin, a religião segundo Rousseau é uma forma válida de sustentar a coesão social, tanto recorrendo as suas ações de comunhão, como a utilizando para pacificar as partes em meio a um conflito.

64 Idem. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural. Livro IV, Capítulo VIII, P. 138.

65 A guerra política é também teológica, esse movimento aqui deve ser mais bem explicitado. Não

significa aqui que a guerra teológica segundo Rousseau, não é uma guerra de argumentos metafísicos, sobre a natureza da divindade, sobre vida futura, mas um debate sobre a origem a natureza do poder naquele Estado. In: DERATHÉ, R. Jean- Jacques Rousseau et la science politique de son temps. Paris: PUF, 1950, p. 34.

66 ROUSSEAU. J.J. Cartas escritas da montanha. São Paulo: Editora Unesp\ EDUC. , p. 161. 67 Idem.

(33)

É justamente essa rebeldia que Rousseau localiza no exemplo judeu. Segundo nosso autor as perseguições ao povo judeu se deram muito mais por sua intransigência política na aceitação dos deuses estrangeiros e a sua lei, do que em questões que trazem à tona a motivação religiosa. É sobre essa identificação entre o povo judeu e suas leis político-religiosas e o seu território que trataremos a seguir.

1.3.1 Religião, política e território: o exemplo judeu.

Rousseau cita o exemplo do domínio dos babilônicos sobre o povo Hebreu68. Os judeus naquele momento constituíam um exemplo semelhante aos povos pagãos, mesmo sob a crença em um Deus único69 o que ainda não havia se configurado como um monoteísmo de caráter rígido70, pois os judeus ainda reconheciam a existência de outros deuses que não o deles, mesmo que

68

O Exílio, que aconteceu no século VI aC, foi fruto da expansão territorial imperialista da Babilônia, mas antes da Babilônia convém fazer colocações sobre a Assíria. Judá já havia se livrado da destruição Assíria por volta do ano 701, ficando somente sob o estado de vassalagem, o que aconteceu devida uma política interna estável e boas relações externas. Já no período próximo à invasão babilônica, a situação política de Judá estava um tanto instável. No século VII aC., Manassés tinha imprimido um regime opressor ao povo (2Rs 21, 1-18;21-16). Após a sua morte, o seu sucessor é assassinado por seus ministros ( 2Rs 19 – 26), o que causa grande tensão interna e proporcionará a intervenção do povo da terra, ou seja, os chamados Judaítas, que entronam uma criança de oito anos, Josias. Isso implica o “povo” no poder. Josias instala uma reforma que visa a atender parte das reivindicações do povo da terra, contudo acontece nessa reforma uma centralização do culto e investidas militares, que desembocou na vitória dos egípcios em 609 aC. Nessa época Josias é morto, e os Javistas voltam a proclamar um rei, dessa vez é Jeocaz, que ocupou o trono por três meses, foi deposto pelo Egito (Jr 22, 10-12), que impõe Joaquim como rei, iniciando mais um período de opressão para o povo de Judá, exploração tributária e repressão, até sua morte em 598aC. Seu filho Joaquimé quem colherá o fruto de sua política externa e aparente diplomacia. Joaquim vai investir em uma política contra a Babilônia , o que vai ressaltar na ação Babilônica para evitar avanços do Egito, em 597 ac Jerusalém é desmilitarizada e cerca de 10 mil pessoas são deportadas (2Rs 24, 14-16). Por volta de dez anos depois Zedequias é o líder político imposto e que vai se rebelar contra os Babilônicos, resultando na destruição e desurbanização de Judá em 587 e conseqüentemente o segundo exílio, mas ao que indica Jeremias (52,30) aconteceu outro exílio em 582, chegando a somar 15 mil pessoas de Jerusalém na Babilônia. In: BRIGHT. JOHN. História De Israel. São Paulo: Paulus, 2006

69 Surgido da religião mosaica, o judaísmo, apesar de suas ramificações, defende um conjunto de

doutrinas que o distingue de outras religiões: a crença monoteísta em YHWH (às vezes chamado Adonai ("Meu Senhor"), ou ainda HaShem ("O Nome") como criador e Deus e a eleição de Israel como povo escolhido para receber a revelação da Torá que seriam os mandamentos deste Deus. Dentro da visão judaica do mundo, Deus é um criador ativo no universo e que influencia a sociedade humana, na qual o judeu é aquele que pertence a uma linhagem com um pacto eterno com este Deus. Cf: BRIGHT. JOHN.

História De Israel. São Paulo: Paulus, 2006.

70 Dentro das três religiões que descendem de Abraão, o Judaísmo e o Islã, qualificam a imagem de Deus

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