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I DENTIFICANDO FATORES QUE FAVORECEM A EMERGÊNCIA DAS PERGUNTAS DOS ESTUDANTES

5.3 O UTROS FATORES QUE FAVORECERAM A PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES

Quando se assume que o processo de aprendizagem é social, o foco desloca-se para as interações e os procedimentos de ensino e tornam-se fundamentais. O que se diz, como se diz, em que momento e por quê; da mesma forma que, o que se faz, como se faz, em que momento e por quê, afetam profundamente as relações professor-aluno, influenciando diretamente o processo de ensino-aprendizagem. O comportamento do professor e de seus alunos, em sala de aula, expressa suas intenções, crenças, seus valores, sentimentos, desejos que afetam cada participante individualmente.

Nas sessões anteriores usamos a sequência de ensino para sinalizar diversos fatores que, a nosso ver, influenciaram decisivamente na grande participação dos estudantes nesta dessa turma durante as aulas de ciências ministradas pelo professor Carlos – postura dialógica do professor, incentivo oferecido por ele para que os alunos participem discursivamente da aula, ambiente receptivo a perguntas e comentários críticos, a importância que o professor dá a cada pergunta, o esforço que ele faz para tentar responder a todas elas, o envolvimento dos estudantes em atividades antes das discussões. Nesta sessão destacamos outros pontos que podem ter contribuído para esse cenário, tais como: afetos e relação de confiança, currículo temático e desafiador e respeito mútuo entre os estudantes.

Durante a pesquisa, era notória a admiração que os estudantes tinham pelo professor Carlos. As aulas de ciências eram tidas por eles como uma das melhores daquele ano. A escola possui um sistema de avaliação institucional no qual os estudantes têm a possibilidade de avaliar o trabalho dos professores, da direção, dos demais funcionários da escola e dos ambientes escolares como um todo. O professor Carlos foi escolhido pela turma pesquisada como “professor estrelinha”, titulo dado ao melhor professor, eleito pela própria turma durante a avaliação institucional. Essa relação de afeto e confiança contribui para o desejo do estudante em participar da aula. Fernández (1991) argumenta que: “[...] para aprender, necessitam-se dois personagens (o que ensina e o que aprende) e um vínculo que se estabelece entre ambos.

129 (...) Não aprendemos de qualquer um, aprendemos daquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar” (Fernández, 1991, p. 47 e 52).

Em muitos momentos, nos comentários dos alunos, destacou-se o desejo, o prazer em realizar a atividade e de vencer os desafios. Os nossos dados evidenciam o interesse dos estudantes em aprender, tanto os temas trazidos pelo professor como outros temas para os quais demandavam atenção do professor nas aulas de ciências. Mesmo os estudantes que não participavam discursivamente com frequência nas aulas, se colocavam, majoritariamente, em uma escuta ativa e responsiva com relação à palavra do outro. Outro ponto observado nos dados foi a importância das diversas formas de interação entre o professor e os alunos para a construção da auto-estima e da autoconfiança, influindo diretamente no processo de aprendizagem – perguntas e comentários sempre bem vindos, o grande esforço feito pelo professor para tentar responder às perguntas de seus alunos, além da forma sempre desafiadora de apresentar as atividades a serem realizadas pelos alunos, individualmente ou em pequenos grupos.

O currículo temático proposto pelo professor envolvia um esforço de contextualização em que os conceitos emergiam de contextos de vivência ou potencialmente relevantes para os estudantes. Assim, por exemplo, o conceito de elemento químico é construído a partir da presença e importância de minerais na alimentação e dos ciclos de materiais na natureza. Esse contexto permite uma aproximação entre Biologia e Química e a compreensão de que a vida guarda continuidade com elementos que compõem a matéria não-viva. A distinção entre elemento e substância permite, por sua vez, a utilização destes na construção de modelos para as reações químicas e para o estudo, também sempre contextualizado, de aspectos do modelo, como a absorção e liberação de energia e a conservação da massa.

Por outro lado, o currículo desenvolvido pode ser caracterizado por um currículo de atividades, por meio das quais se confere um protagonismo para os estudantes enquanto sujeitos da aprendizagem. Uma variedade de atividades foi sendo proposta e realizada pelos estudantes em sala de aula e, algumas vezes em casa: resolução de exercícios de aplicação ou sistematização de conteúdos, leituras de textos, figuras e diagramas, realização e interpretação de experimentos, trabalhos com modelos, debates. Estes diferentes recursos aliados aos interesses dos estudantes e seus conhecimentos prévios sobre tais assuntos serviam de base para que eles dialogassem com o conhecimento científico escolar em questão.

130 As atividades propostas pelo professor eram sempre acompanhadas por problematizações e desafios. Acreditamos que esse ambiente mais investigativo, sustentado por perguntas provocativas e estimulantes por parte do professor, tenha gerado, nos estudantes, atitudes semelhantes.

Vemos que nos episódios analisados os estudantes são encorajados a problematizar o que estudam, a definir problemas, a propor questões, e não apenas impulsionados a assimilar informações conceituais e procedimentais. Percebemos também o reconhecimento por parte do professor com relação à capacidade que têm os estudantes de tornarem-se responsáveis por buscarem informações e tornarem-se experts a respeito de um tópico em estudo, disponibilizando essas informações para os colegas e assessorando a aprendizagem de outros. Nesse ambiente de aprendizagem, os alunos assumem um papel ativo na definição, discussão e resolução de problemas. Vemos também que o professor divide com os estudantes a responsabilidade para com os outros e com as normas disciplinares. Todos esses fatores são destacados por Engle e Conant (2002) como fatores importantes para o estabelecimento de um ambiente de aprendizagem que favorece o engajamento disciplinar produtivo.

A relação entre os estudantes também não aparentou ser conflituosa, em nenhum momento da sequência de ensino observamos agressões físicas ou verbais. Outra característica importante da turma era a valorização de posturas de estudo mais ativa. Em nenhum momento da sequência vimos qualquer aluno ser censurado ou ridicularizado pelos colegas por participar da aula ou por trazer suas dúvidas ou questões para o professor. A maioria dos estudantes já vinha estudando junto em outros anos e, possivelmente, construíram essa boa relação de convivência ao longo tempo. Acreditamos que essa ausência de comentários e avaliações desfavoráveis por parte dos colegas contribuiu significativamente para construção desse ambiente de aprendizagem, rico em participação discursiva dos estudantes.

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APÍTULO

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