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Esta sessão pretende avançar na compreensão dos interesses e propósitos dos estudantes que podem ser depurados dos momentos em que fazem perguntas ou comentários nas aulas de ciências. Pretende-se, assim, contribuir para o entendimento das relações que os estudantes estabelecem com o conhecimento científico escolar. Além disso, estaremos em condições de examinar, no discurso subsequente, em que medida o professor atende, ou não, a essas demandas. Tal análise será feita com maior ênfase no próximo capítulo, na sessão 5.2.

Estamos cientes de que ao tentar analisar as intenções dos estudantes, estamos trabalhando com um nível relativamente elevado de inferência. Ao fazer uma pergunta o aluno poderia tentar especular sobre um assunto ou simplesmente demandar uma resposta pronta do professor. Para entender qual a intenção do aluno, nós procuramos sempre pensar na sequência de ensino com um todo, sendo que a fala do aluno em um momento poderia estar ligada a um tema anterior ainda não compreendido ou a uma situação intrigante que ele tenha tomado conhecimento.

Para tal análise, partimos das categorias propostas por Chin e Brown (2002), apresentados na seção 2.3 desta dissertação. São elas:

a) questões de compreensão, que tipicamente buscam por explicações de conhecimentos não compreendidos;

b) questões de predição, que envolvem especulações ou hipóteses a serem verificadas, do tipo “O que aconteceria se...”;

c) questões de anomalia, em que os estudantes detectam alguma discrepância no conhecimento ou apresentam cepticismo frente ao novo conhecimento;

d) questões de aplicação, em que os estudantes tentam aplicar o novo conhecimento; e) questões de planejamento ou estratégia, em que os estudantes tentam traçar um plano

74 Entretanto, estas categorias foram criadas pelas autoras para lidarem com ambientes de aprendizagem, em que os estudantes planejavam e desenvolviam investigações num cenário bastante diferente do ambiente da sala de aula que estávamos a pesquisar. Assim, testamos outras categorias, fundindo algumas delas, abandonando outras, em um processo progressivo, a medida que as categorias foram sendo criadas ou re-criadas indutivamente a partir do material empírico disponível. As categorias foram sendo assim utilizadas e refinadas no confronto com outras, com os dados e com os referenciais teóricos da pesquisa. Tais procedimentos permitiram a construção de uma base compreensiva para o estudo das intenções dos estudantes quando eles formularam perguntas genuínas ou comentários críticos nas aulas de ciências. Descrevemos abaixo as categorias que foram assim elaboradas:

1. Solicitando esclarecimento conceitual – O estudante busca uma explicação extra sobre um conceito introduzido pelo professor.

2. Buscando mecanismos causais – O estudante demanda, do professor, explicações adicionais sobre os mecanismos causais envolvidos em uma situação, evento ou fenômeno.

3. Checando interpretação pessoal – São perguntas que demandam uma confirmação ou não de uma interpretação pessoal que vai sendo dada aos temas estudados. Muitas vezes envolvem elaboração de hipóteses ou previsões sobre o que irá acontecer em determinada situação.

4. Identificando lacunas ou contradições – Ocorrem quando os estudantes detectam alguma informação discrepante, conflito ou lacuna relativa a uma situação. Algumas vezes, é acompanhada de um cepticismo ou incômodo em relação a uma explicação dada.

5. Aplicando conhecimento a um novo contexto – Os estudantes trazem novos contextos em que se aplicam idéias científicas, este novo contexto pode ou não ter relação com experiências pessoais ou próximas da vida cotidiana.

Acreditamos que a análise dos episódios, à luz de nossas categorias, possa contribuir para uma melhor compreensão do objetivo geral de nosso grupo de pesquisa - como se dão os

75 movimentos de construção de sentidos nas salas de aula, ou seja, como os significados emergem das interações nas aulas de ciências – e para o segundo objetivo desta pesquisa - como os propósitos, estratégias e interesses dos estudantes se relacionam com propósitos, interesses e estratégias dos professores.

Retomamos, a seguir, a análise dos dois episódios da sessão anterior – “Existe espaço vazio entre os átomos?” e “A decomposição da água oxigenada e outros assuntos”- com base em nosso novo sistema de categorias. Apresentamos também mais dois novos episódios – ‘O enxofre é ácido?’ e ‘O bromo é usado para quê?’ – com o propósito de enriquecer nossa análise e corroborar os critérios utilizados para identificação das demandas dos estudantes.

4.2.1 RETOMANDO A ANÁLISE DO EPISÓDIO 1: EXISTE ESPAÇO VAZIO ENTRE OS ÁTOMOS?

Tendo apresentado contexto e análise do primeiro episódio, retornaremos a ele para caracterizar as demandas colocadas pelas perguntas e comentários dos estudantes. Para tanto, iremos considerar apenas perguntas e comentários originalmente formulados pelos estudantes no episódio 1, sem considerar as reformulações das mesmas.

O episódio inicia com a pergunta do aluno Sérgio sobre a existência de espaço vazio entre as bolinhas que representam os modelos de substâncias apresentados pelo professor. Tal pergunta (turno 1, “Existe espaço entre as partículas?”) sugere a identificação de lacuna ou contradição na representação proposta no que se refere à existência ou não de espaços vazios entre as partículas. Na sequência, acompanhamos o professor procurando dar uma resposta curta à questão, de modo a retomar a agenda da aula, enquanto outros alunos sustentavam e reiteravam o interesse pela pergunta inicialmente proposta pelo colega.

No turno 11, o estudante Rafael desloca o foco da pergunta inicial, do espaço entre as partículas para as interações entre elas (‘as duas estão grudadinhas, não estão, aí?’). Nesse caso, o estudante está checando seu entendimento sobre a situação proposta, ao que parece, sugerindo que alguma coisa ou força as mantém unidas. Como desdobramento do debate, a aluna Valéria (turno 21) e o aluno Rafael (turno 22) fazem comentários que remetem a hipóteses de soluções do problema. O comentário da Valéria (‘tem um arzinho ali no meio’) é uma tentativa de solução do problema, e a aluna está, portanto, checando seu entendimento. O aluno Rafael (turno 22) apresenta a bomba nuclear como uma evidente existência de

76 espaço entre as partículas, posto que, de outro modo, não haveria choque entre as partículas. Ao trazer esse comentário, o aluno está também checando seu entendimento, nesse caso, buscando legitimar o mesmo com o aval do professor. No entanto, o contexto da bomba de hidrogênio desloca o interesse de Sérgio em direção aos mecanismos causais de funcionamento da bomba (turno 24, ‘quando dois átomos se tocam eles provocam uma explosão?’ e turno 26, ‘por que ela desmaterializa objetos?’).

Desfeito o desvio do contexto, o discurso volta para a questão do espaço vazio na representação do modelo de partículas. Nesse contexto, no turno 28, a aluna Valéria checa o