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I DENTIFICANDO FATORES QUE FAVORECEM A EMERGÊNCIA DAS PERGUNTAS DOS ESTUDANTES

5.2. A TITUDE DO PROFESSOR FRENTE ÀS DEMANDAS DOS ESTUDANTES

5.2.1 RETOMANDO A ANÁLISE DOS EPISÓDIOS:

No primeiro episódio - “Existe espaço entre os átomos?” - notamos uma flexibilização da agenda por parte do professor, em que pese suas preocupações em concluir a revisão e sistematização de conceitos da primeira parte da sequência após a correção da prova. Diante de perguntas dos estudantes sobre aspectos da representação da matéria a nível microscópico, o professor procura, em um primeiro momento, dar respostas curtas e voltar rapidamente ao tema. Entretanto, dada a insistência dos alunos e o interesse genuíno por questões conceituais relevantes do ponto de vista científico, o professor acaba por permitir e acolher uma discussão preliminar sobre aspectos do modelo de partículas, não previstos para esta aula ou mesmo para a sequência de ensino. Ao fazê-lo, notamos ainda as tentativas do professor em estabelecer ligações entre as questões trazidas pelos estudantes e os conteúdos previstos para aquela aula. Por exemplo, no turno 15, ao responder a uma questão de um aluno, o professor chama a atenção da turma para esclarecer os conceitos de átomo e molécula. É notório observar que, mesmo flexibilizando a agenda, o professor não acolheu o interesse de alguns alunos sobre reações nucleares e bomba atômica. Mesmo nesse caso, no entanto, o professor destaca como positivo o interesse dos alunos e justifica sua opção em não tratar destes assuntos naquele momento. O professor cuida, portanto, da agenda dos conteúdos pertinentes à aula, mas o faz com ampla negociação com os alunos.

A abertura dada pelo professor neste primeiro episódio foi importante para que novos temas fossem trabalhados. Mesmo que não estivessem presentes na agenda do professor, a discussão contribuiu para a aprendizagem dos alunos em ciências, uma vez que eles puderam discutir sobre assuntos científicos, aprendendo novas conexões existentes entre os conteúdos - por exemplo, o fato dos efeitos da explosão da bomba de Hidrogênio estar ligado ao estudo mais

117 aprofundado da estrutura atômica. A discussão permitiu, ainda, destacar aspectos do conhecimento científico envolvido nas representações, por exemplo, sobre o fato dos cientistas imaginarem que os átomos dos objetos sólidos estão separados. Muito dos temas eram de interesse geral da turma e possivelmente não seriam evocados senão através desta abertura dada pelo professor.

No início do segundo episódio – “A decomposição da água oxigenada e outros assuntos” – vemos a tentativa do professor de incluir o aluno Felipe, que conversava paralelamente com seus colegas, na discussão do exercício em questão. A tentativa do professor em trazer o aluno para a discussão não funcionou, mas resolveu o problema da conversa paralela. Em alguns momentos da sequência de ensino, nos quais havia muita conversa paralela fora da discussão da sala de aula, o professor parava a aula e apresentava duas opções para os alunos e que eles teriam que escolher: na primeira, ele oferecia uma aula em que todos se engajariam nas atividades e a aula passaria tão rápido que ninguém sentiria; na segunda opção, os alunos continuariam conversando e ele teria que ficar chamando atenção e a aula se arrastaria dando a sensação de uma aula interminável e sofrida. Destacamos aqui o fato de que o professor compartilha com os alunos a responsabilidade pela condução da aula. Para gestão da classe, o professor também fez uso de outras estratégias durante a sequência de ensino, tais como: trocar aluno de lugar, repreender oralmente e também, em alguns casos, pedir para que o aluno se ausente temporariamente da sala de aula e procure a coordenação pedagógica para uma conversa. A agitação dos alunos nesta idade é natural, mas um dos papéis do professor é garantir a ordem e um bom ambiente de aprendizagem.

Ainda com relação ao episódio 2, temos no turno 19 - “Professor como é que eles fazem a água oxigenada?” - o levantamento de uma questão que extrapola o tema da aula. Esta pergunta evoca conhecimentos relativos ao processo industrial de fabricação da substância água oxigenada, questão esta que exigia conhecimentos específicos que o professor não possuía naquele momento. Mesmo não respondendo diretamente, o professor considera a pergunta do estudante deixando o tema em aberto e consultando a pesquisadora e posteriormente convidando o aluno à realização de uma pesquisa sobre o tema. Ao remeter o problema à turma - “A gente vai ter que pesquisar...”, o professor divide a responsabilidade “do aprender” com todos os estudantes.

118 No turno 31 – “Como é que eles colocam o gás no refrigerante?” – Daniel, aparentemente, relacionou o oxigênio liberado na decomposição da água oxigenada com o gás liberado pelos refrigerantes. Na lógica da ciência, essa conexão não faz sentido. Não há qualquer conexão entre a dissolução de gás carbônico em bebidas e a reação de decomposição da água oxigenada. Um professor centrado apenas na perspectiva da ciência, incapaz de perceber os movimentos de significação dos estudantes, provavelmente teria se recusado a responder esta questão do estudante, considerada inadequada e impertinente, e teria voltado à correção do exercício e ao tema da aula: conservação da massa nas reações químicas. Não foi esta a atitude do professor que acompanhamos e talvez esta seja uma das razões para um número tão significativo de questões e comentários dos alunos em suas aulas. O professor permite que tal questão entre no contexto de estudo da sala de aula, tal permissividade possibilita, novamente, que outros conceitos sejam trabalhados.

Vale ressaltar que a estratégia de acolher a quase totalidade das questões dos alunos, apesar de provocar um grande movimento discursivo com várias alternâncias entre turnos de fala entre professor e alunos, favorece o tratamento superficial de vários temas que são colocados em discussão.

Acreditamos que a estratégia de permitir que os alunos coloquem suas questões durante as aulas, permite que estes se sintam mais atuantes no ambiente de estudo favorecendo o interesse, o engajamento e a participação dos alunos.

Ao responder as perguntas dos estudantes, o professor encontrou nos alunos não uma audiência passiva, mas uma atitude responsiva e um exame crítico à luz de evidências disponíveis. Segundo Bakhtin (1986) a compreensão passa por esta atitude responsiva, ou seja, pelo povoamento da palavra alheia da ciência com a palavra própria (relatos extraídos de experiências da vida cotidiana). Acompanhamos esse movimento discursivo dos alunos Daniel e Mara que buscam relações entre os fenômenos por eles evocados e os modelos explicativos que são apresentados pelo professor. Neste confronto, surgiu um produtivo e respeitoso diálogo entre o professor e as questões e comentários dos estudantes.

Tanto no episódio 3 – “O enxofre é ácido” – quanto no episódio 4 – “O bromo é usado para quê?” – ressaltamos a importância da abertura dada pelo professor às participações dos estudantes durante as aulas. No caso do episódio 3, verificamos como as questões dos estudantes continham desde dúvidas de conteúdos já trabalhados – tais como forma de escrita

119 do símbolo de um elemento e a confusão feita por Valéria sobre a não distinção entre pH e elemento químico – a conteúdos não trabalhados como a constituição dos ácidos. O professor já havia trabalhado na aula anterior a utilização da escala de potencial de Hidrogênio e a influência de algumas substâncias, tais como: ácido sulfúrico e ácido nítrico na alteração do pH da atmosfera, mas não chegou a definir ácidos, talvez por considerar que tal definição não cabia naquele momento. Verificamos que nesta sequência ele aproveitou da demanda feita por Rafael no turno 5 para dar a primeira definição para a turma sobre a constituição dos ácidos. No caso do episódio 4, o professor, novamente, mesmo não conhecendo uma aplicação prática para a substância bromo, acolhe a pergunta e juntamente com a pesquisadora tenta resolvê-la. Vale ressaltar a importância da intervenção do estudante Rafael ao relacionar o nome visto por ele em um vidro – azul de bromatinol – com o elemento bromo estudado para a solução do problema. A informação trazida pelo aluno contribuiu decisivamente para responder a questão feita pela aluna no início do episódio, uma vez que a partir desta informação eles chegaram a uma utilidade prática para o bromo, como sendo um indicador de pH. Somos levados a acreditar que tais assuntos e definições não teriam sido tratados naquele momento, caso os alunos não tivessem levantado suas questões e o professor não tivesse lhes dispensado a devida atenção.