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O “voluntarismo” da Autonomia – Dos finais da década de 80 à actualidade 1000 

CAPÍTULO II A Escola Básica do 1 º Ciclo 42 

2.  A Escola Básica do 1.º Ciclo 46 

2.1 A sedimentação histórica da Escola Básica do 1.º Ciclo em Portugal 46 

2.1.9 O “voluntarismo” da Autonomia – Dos finais da década de 80 à actualidade 1000 

 

A 3 de Fevereiro de 1989 é publicado o Decreto-Lei n.º 43/89. Eclode a expressão “autonomia da escola” pela primeira vez no panorama educativo nacional.

Sob a égide de um ideal de “desconcentração de funções e poderes”, o diploma traduz-se na tentativa de implementação experimental de um novo modelo de administração e gestão das escolas do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário, percepcionadas estas como “entidades decisivas na rede de estruturas do sistema educativo” (preâmbulo).

O 1.º Ciclo do Ensino Básico manter-se-ia, mais uma vez, alheado de qualquer transformação administrativa.

Dezasseis anos após a publicação do Despacho n.º 40/75, surgirá então o primeiro documento integrador das escolas do 1.º Ciclo no desenvolvimento da mudança educativa.

Sobre os princípios da “democraticidade”, da “participação” e “integração comunitária” que favorecem “a abertura à mudança e despertam nos professores novas atitudes de responsabilidade”, o Decreto-Lei n.º 172/91 de 10 de Maio, veio definir o regime de direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, transportando consigo os órgãos de direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de ensino antecipados pelos decretos-lei nº 735/74 e 769-A/76 para o ensino preparatório e secundário.

O presente diploma introduziu pela primeira vez o conceito de “área escolar”, como “grupo de estabelecimentos de educação pré-escolar e ou do 1º Ciclo do ensino básico, agregados por áreas geográficas, que dispõem de órgãos de direcção, administração e gestão comuns” (art.3.º), como forma de antecipação da reestruturação da rede escolar prevista para a educação Pré- escolar e do 1º Ciclo, com o advento da constituição da unidade de “agrupamento de escolas”.

Assim, pretendeu-se que as áreas escolares e as escolas não agrupadas, por motivo da sua dimensão ou especificidades, fossem administradas e geridas pelo Conselho de Escola ou das Áreas Escolares, Director Executivo, Conselho Pedagógico, Conselho Administrativo e Coordenadores de Núcleo nos estabelecimentos agregados em áreas escolares (art.5.º).

O diploma assumiu o Conselho de Escola ou de Área Escolar enquanto órgão de direcção, vislumbrando-se na sua composição a preocupação pela participação de diferentes actores educativos, respondendo ao crescente apelo do conceito de comunidade escolar.

Das suas principais competências destaca-se a preponderância por actos de eleição (do seu representante), de aprovação (Regulamento Interno, Projecto Educativo, Plano Anual de Actividades, normas da Acção Social Escolar, …) e de regulação (de conflitos entre órgãos da escola). Ao nível das competências de

concepção constatam-se apenas três registos, nomeadamente ao nível da definição dos princípios que orientam as relações com a comunidade, da definição das normas de aplicação da Acção Social Escolar e da determinação da aplicação de penas de suspensão (cf. art. 8.º).

O Director Executivo e o presidente do Conselho Pedagógico assistiriam às reuniões do Conselho de Escola sem exercerem direito de voto, estando, contudo e de forma algo contraditória, o primeiro “especialmente responsável perante a administração educativa pela gestão pedagógica, administrativa, financeira e patrimonial da escola” (art.21.º). Responsabilidade reforçada pelo teor dos artigos 16.º e 17.º onde se afigura “responsável pela compatibilização das políticas educativas definidas a nível nacional com as orientações do conselho de escola” e supervisor da concordância das “actividades da escola de acordo com a legislação vigente”.

O Director Executivo é assumido enquanto órgão de administração e gestão, competindo-lhe: a promoção e dinamização de iniciativas de acordo com o deliberado no Conselho de Escola, nomeadamente pelo incentivo à participação dos diferentes sectores da comunidade; a promoção da articulação entre os órgãos de coordenação e de orientação educativa; e a divulgação da informação.

O Coordenador de Núcleo asseguraria a coordenação da actividade educativa de cada estabelecimento. As suas competências traduzem-se na “planificação, programação e coordenação das actividades educativas do núcleo; na promoção da divulgação e da troca de informações sobre os assuntos de interesse do núcleo; na promoção do debate entre os docentes do núcleo dos assuntos de natureza pedagógica e disciplinar; na promoção da colaboração dos interesses locais e dos encarregados de educação na realização das actividades educativas; na recolha e veiculação de informações necessárias respeitantes aos alunos e às suas famílias; no cumprimento e no fazer cumprir as orientações do director executivo e exercer as competências por ele delegadas” (art. 30.º).

O Conselho Pedagógico, por sua vez, instituir-se-ia como “órgão de coordenação e orientação educativa (…) prestando apoio nos domínios pedagógico-didáctico, de coordenação da actividade e animação educativa, de orientação e acompanhamento de alunos e formação inicial e contínua do pessoal

docente e não docente” (art.31.º). Das suas competências observa-se a predominância de actividades de concepção da actividade educativa, nomeadamente a elaboração do Regulamento Interno, Projecto Educativo, Plano Anual de Actividades, plano de formação contínua, da proposta de gestão curricular, do plano de avaliação dos alunos e da organização dos apoios educativos. Na sua composição estariam presentes os representantes docentes, o Director Executivo, dois representantes dos encarregados de educação e os coordenadores de núcleo das escolas agrupadas. Tal como o Conselho de Escola ou de Área Escolar, o Conselho Pedagógico reuniria duas vezes por período escolar.

O Conselho Administrativo, por sua vez, constituir-se-ia como “órgão deliberativo em matéria de gestão administrativa e financeira da escola” (art.25.º), competir-lhe-ia “autorizar a realização e pagamento das despesas, nos termos legalmente previstos e verificar a legalidade da gestão administrativo-financeira da escola” (art.26.º).

Este modelo de administração e gestão escolar protagonizado pelo Decreto-Lei n.º 172/91 aplicou-se, todavia, apenas a título experimental, abrangendo somente cinco áreas escolares e três dezenas de escolas do 1.º Ciclo. Os restantes estabelecimentos de ensino mantiveram um órgão de direcção colegial - o conselho escolar - e um órgão de gestão unipessoal - o director de estabelecimento escolar – em dependência directa com os serviços desconcentrados do Ministério.

As opiniões relativamente às virtualidades reveladas pelo modelo experimentalmente imposto apresentam-se divergentes.

Se por um lado, como salienta Lima (1998a, p.176), permitiu que “a participação na escola” transitasse “do domínio da reivindicação para o da consagração e deste para o da regulamentação; da ilegibilidade para a legalidade, de um direito reclamado para um direito instituído e, até, para um dever ética e civicamente justificado”, por outro, como indica Barroso (1995b, p.37), mais do que representantes dos diversos membros da comunidade no conselho escolar salienta-se que o que “as escolas precisam é de encontrar

espaços e encontrar formas de participação de pessoas” essencialmente recorrendo “a práticas informais de participação”.

Ao mesmo tempo, embora tentasse efectivamente promover a distinção entre direcção (democrática) e gestão (profissional), a primeira confiada ao Conselho de Escola e a segunda à figura do Director Executivo, a regulamentação operada permite uma ambiguidade de valências entre os dois domínios. A subordinação do Director Executivo ao poder da Administração Central é, em si, uma das principais críticas ao modelo, considerando-se este último enquanto uma “simulação de autonomia” das escolas.

O próprio relatório do Conselho de Acompanhamento e Avaliação (1996, pp.75-76) afirmaria que a “função de direcção autonomizada da função de gestão e confiada a um vasto conjunto de actores internos e externos à escola só tem sentido desde que esta possa definir a sua política própria e distintiva (…), o que por sua vez implica descentralizar e não apenas desconcentrar, uma vez que o centralismo limita o “espaço político” de que a escola tem de dispor para formular um verdadeiro projecto educativo, esvaziando a função de direcção e desmotivando os respectivos protagonistas”.

Como afirma Afonso (1998, p.228) assiste-se progressivamente à “fragilização e alteração da direcção democrática” e do princípio da participação, invertendo estas opções e substituindo-as por outras assentes na “eficiência, eficácia e controlo”. O mesmo autor insiste ainda que subjacente ao dinamismo de participação da comunidade nas estruturas de direcção das escolas encontrar- se-ia uma emergente política educativa de tendência neoliberal reconhecendo aos “novos interlocutores e participantes activos o papel primordial de consumidores da educação escolar” pública (ibidem).

O intervalo de tempo de experimentação e a sua aplicação a um número reduzido e pouco significativo de Jardins de Infância e escolas do 1.º Ciclo não permitiu executar uma avaliação mais concreta quer das suas precariedades, como, sobretudo, das suas potencialidades. De acordo com Formosinho e Machado (2000c, p.47) este modelo terá sido “objecto de um tratamento (talvez demasiado) indiferenciado por parte da Administração”. Todavia, “constitui, sem dúvida, facto de merecido realce a intenção de, na matriz organizacional

consagrada, se abranger, de igual modo, os estabelecimentos de educação pré- escolar e do 1.º ciclo do ensino básico” (Formosinho e Machado, 2005, p.128).

Após esse ano de experimentação, o Governo optou pela não generalização do modelo e as escolas do 1.º Ciclo regressam, assim, ao regime de administração anterior.

A experiência adveniente do Decreto-Lei n.º 172/91, iria, contudo, influenciar a mudança educativa futura ao nível da organização administrativa e gestionária da escola do 1.º Ciclo, da qual o Despacho Normativo n.º 27/97, de 2 de Junho, bem como o Decreto – Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio serão os maiores expoentes.

O Despacho Normativo n.º 27/97 veio abrir caminho à introdução do novo regime de autonomia e gestão das escolas, colocando-se a si próprio no processo de atribuição de novas responsabilidades às escolas, no âmbito de um processo em curso de descentralização da Administração Educativa (que entretanto não atingira nem retoricamente, nem operacionalmente o 1.º Ciclo).

Defendendo a necessidade de reestruturação da rede educativa, a superação do isolamento, um percurso escolar sequencial e articulado e a rentabilização de recursos, o despacho orientou os processos de preparação para a posterior implementação do regime de autonomia e gestão das escolas, trazendo consigo pela primeira vez a expressão “agrupamento de escolas”, enquanto rede de escolas de diferentes níveis de ensino, associadas por um projecto educativo e regulamento interno comum, dotadas de “órgãos próprios de administração e gestão, capazes de decisão e assunção da autonomia” (Formosinho e Machado, 2005, p.128). 

Órgãos de direcção e gestão escolar (em particular os Conselhos Escolares do 1.º Ciclo) foram intimados a apresentar, junto das respectivas Direcções Regionais, propostas de agrupamento de escolas, alicerçadas na apresentação dos respectivos projectos educativos e regulamentos internos - enquanto definidores das prioridades da acção educativa a desenvolver e das modalidades de organização que melhor se adequassem “à realidade concreta da sua comunidade educativa” (ponto 3.1, do presente despacho).

Desta convocação (ultimação) à participação num novo processo de descentralização e autonomia, surgiram os agrupamentos de escolas.

“Configuraram-se dois tipos de agrupamentos: agrupamentos horizontais (incluindo estabelecimentos de educação pré-escolar e do 1.ºciclo do ensino básico) e agrupamentos verticais (incluindo estabelecimentos dos três níveis de ensino básico, com ou sem educação pré-escolar) ” (Formosinho e Machado, 2005, p.147). A insistência pela primeira opção “realça (…) a especificidade da cultura profissional dos educadores de infância e professores do 1.º ciclo” (ibidem).

A 4 de Maio de 1998, através do Decreto-Lei n.º 115-A/98 é publicado o “Regime de Autonomia e Gestão dos Estabelecimentos da Educação Pré-escolar e dos Ensinos Básico e Secundário”.

2.2 Contornos organizacionais da actual Escola Básica do 1.º Ciclo