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Nos três capítulos precedentes desta segunda parte de análise e crítica, re- petimos a visão já descrita, num quadro cada vez mais completo e evidente, nos termos da lógica humana, com a finalidade de controlar racionalmente o que a inspiração já produziu. Agora, depois da visão de conjunto já ter pas- sado toda diante de nossos olhos, dando-nos ideias mais claras a seu respeito, podemos passar a responder às várias objeções que nos fizeram e nós mes- mos levantamos. Não só pedimos aos outros que no-las fizessem, como tam- bém as procuramos intencionalmente, pois as dificuldades eram de grande utilidade para verificarmos se algo nos havia escapado ou não tinha sido bem focalizado, buscando os pontos que não estavam bem esclarecidos, a fim de explicá-los melhor, até à evidência, e confirmar assim, mais uma vez, a con- vicção da verdade de tudo quanto foi exposto. Esse novo trabalho será útil também para completar ainda mais o quadro geral da visão, realizando sobre ela um controle cada vez mais exato e confrontando-a com as suas conse- quências, que vemos reaparecer na estrutura de nosso mundo; servirá para encontrar novos pontos de vista, ver o nosso tema sob novos aspectos, entrar em pormenores esquecidos, iluminar ângulos que haviam passado desaper- cebidos; servirá, enfim, para continuar a levar a bom termo o trabalho de análise e crítica que estamos realizando.

As dificuldades nascem, em geral, do fato de não se conhecer bem o argu- mento ou de se querer, por força, fechá-lo dentro de premissas dogmáticas de uma religião ou filosofia, ou dentro de conceitos limitados, frutos de um tempo passado, quando o homem não podia penetrar nos problemas, como hoje lhe permitem os novos princípios em que se baseiam a ciência e todo o pensamento moderno. Para compreender profundamente este quadro do universo, é mister possuir a cultura que o homem já atingiu hoje e a maturidade espiritual das gerações do ano 2.000. Só então estes livros serão compreendidos. Neste sécu- lo, estamos em fase de debate, e não de compreensão. Somente agora, vinte anos depois de ser escrita, é que se começa a compreender A Grande Síntese, e mais ainda será necessário para se compreender o volume Deus e Universo e o presente livro, O Sistema, que completa e confirma o segundo. A nós basta confiar estas obras à imprensa, a fim de poderem resistir à destruição humana e superar a barreira do tempo. O resto pertence a Deus. E Ele, de Quem aqui tan- to se fala, sabe por que nasceram estes livros e o uso que deles se fará.

Uma acusação que parece grave foi feita às teorias aqui apresentadas, com o seguinte dilema, que parece sem saída. Eis o dilema:

“É um fato inquestionável a existência do mal, da dor etc. Ou seja, existe no seio da obra de Deus uma força contrária, Sua inimiga. Se tão grande mal de- rivou de Deus, isto é defeito seu, portanto Ele é imperfeito, injusto e culpado de tantos males. E, se tal força não derivou de Deus, mas teve uma origem própria, então um Deus que não previu o dano do próprio Sistema não é onis- ciente e um Deus incapaz de livrar-se do mal não é onipotente”.

A objeção é feita sob a forma de dilema, aprisionando o pensamento entre duas paredes, sem meio de escapar. Mas o pensamento só ficará preso ali se e enquanto as paredes forem fortes e reais. No caso deste dilema, elas parecem fortes, mas caem logo que se compreenda a realidade das coisas. E, derrubados os pontos de apoio, o dilema perde todo o valor.

A objeção procura demolir a divindade em seus primeiros atributos: a per- feição, a onisciência e a onipotência. Partindo do fato positivo de o mal e a dor existirem em nosso mundo, procura-se jogar a culpa de tudo isso sobre a Di- vindade, que poderia ter feito melhor as coisas. E o “melhor”, quando o ho- mem julga, é apenas o seu egoístico bem-estar. Como este foi lesado, então o homem, ainda hoje aplicando o princípio egocêntrico da revolta e os métodos divisionistas do Anti-Sistema, onde ele caiu, busca imediatamente lançar a culpa em todos os outros, mas nunca em si mesmo, ignorando que Deus deve ser também justo. Embora sendo uma criatura situada no relativo, o homem pretende julgar Deus e o absoluto.

O primeiro ponto do dilema ataca a perfeição de Deus. É certo que o nosso mundo não tem as qualidades do Sistema, mas sim as do Anti-Sistema. Isto é claro. Ora, este mesmo fato é uma prova da queda, porque é absolutamente inadmissível que uma obra tão imperfeita como é o Anti-Sistema possa ter saído diretamente do seio da perfeição de Deus. Ao invés, tudo se explica lo- gicamente se admitirmos que o Anti-Sistema não deriva diretamente de Deus, que criou apenas o Sistema perfeito, continuando perfeito Ele mesmo. O Sis- tema se corrompeu só mais tarde, por obra da criatura livre, fato do qual nas- ceu, como só podia nascer, a obra imperfeita. É lógico que não agrada ao ho- mem essa teoria, pois implica na sua culpabilidade e na obrigação de aceitar- lhe as consequências. E aceitar com obediência é justamente a qualidade mais deficiente do ser rebelde e continua ainda a fazer falta em nosso mundo, con- sequência direta da revolta e da queda. Não há, portanto, contradição entre a

perfeição de Deus e a imperfeição de nosso universo, nem se pode falar de injustiça em Deus. O estado atual é precisamente o efeito de Sua justiça. Quem compreendeu o desenvolvimento de todo o fenômeno, como foi acima des- crito, vê de imediato quão ingênuas e inaceitáveis são essas objeções.

Então, a primeira parte do dilema está errada. Vejamos a acusação contra a onisciência de Deus. Afirmar que Deus não havia previsto a ruína significa nada haver compreendido do que ocorreu. Com efeito, uma criatura constituí- da pela própria essência divina não podia deixar de ser livre. Ora, liberdade implica na possibilidade também de uma desobediência, liberdade de qualquer coisa, ou então não é liberdade. Ora, o fato de tudo ter sido previsto, até mes- mo a possibilidade de uma revolta e do seu respectivo processo de saneamento por meio de consequências que vemos serem tomadas automaticamente, é uma prova a favor da onisciência de Deus, e não contra. Quem compreendeu nossa exposição viu que o Sistema foi provido de todas as qualidades que lhe permi- tiriam depois a recuperação da saúde perdida, como de fato está ocorrendo com a evolução, que leva todas as coisas ao estado íntegro de origem.

Portanto a outra parte do dilema também está errada. Vejamos então a últi- ma parte, que ataca a onipotência de Deus. Não podemos afirmar que Deus é incapaz de se libertar do mal, efeito da queda. Ele está se libertando do mal, porque o Anti-Sistema está em processo de cura, que trará tudo, fatal e auto- maticamente, de volta ao estado de sistema perfeito. O erro do dilema consiste em acreditar que as forças do Anti-Sistema têm poder igual ao das forças do Sistema. Não é assim. Ao contrário, Deus permaneceu senhor de tudo, do Sis- tema e do Anti-Sistema, da mesma forma que o nosso “eu” é senhor de todas as células, tecidos e órgãos de seu corpo, não só da parte sadia mas também da parte doente. É à parte sadia que a natureza encarrega de trabalhar para levar a saúde à parte doente. Lembremo-nos que Deus é o centro único de tudo, tanto do Sistema como do Anti-Sistema. Segue-se daí que este último continua a depender e a ser dirigido pelo mesmo centro único que, através do Sistema, penetra totalmente o Anti-Sistema, onde Deus transcendente reaparece em Sua forma imanente. Acontece, então, que não podemos atribuir às forças do mal um poder próprio absoluto, uma existência autônoma independente, mas ape- nas um poder e uma existência em função das forças do bem, as mais podero- sas, forças divinas, que regem o Sistema e o Anti-Sistema, às quais, portanto, também o mal deve obedecer. As potências rebeldes da desordem estão, pois, subordinadas às obedientes da ordem e não podem, como tais, deixar de dar

sua contribuição, embora em forma invertida, negativa, como resistência, co- mo banca de exame e experiência, para a vitória do bem. Satanás, é mister compreendê-lo, só é inimigo de Deus aparente e superficialmente. Em sua substância, em profundidade, é o escravo de Deus. O próprio Satanás dá assim, embora numa forma especial, como também deu Judas, a sua contribuição para a realização da redenção. Todas as vezes que as forças do bem se encon- tram com as forças do mal, nos achamos diante de um choque tremendo entre as potências cósmicas, na constante luta do Anti-Sistema para vencer o Siste- ma, que rege, dirige e é a alma do progresso.

Como se vê, a solução das dificuldades nos conduz, por fim, a esclareci- mentos relacionados ao estado real das coisas, desconhecidos de quem faz a objeção porque não possui uma orientação adequada, que só pode ser obtida através de uma visão completa de todo o fenômeno. E, infelizmente, a huma- nidade de hoje ainda não possui essa visão completa, seja nas religiões, na filosofia ou na ciência.

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Outro dilema foi colocado em oposição à teoria da queda:

“Se Deus criou os espíritos já sábios, então eles não podiam cair. Mas, se Deus os criou ignorantes, eles não podiam ser considerados culpados e, por- tanto, não podiam ser punidos”.

Este dilema também é derrubado, pois não possui bases para sustentar-se. Seus pontos de referência são outros e resultam de um estado diferente. A resposta a esta objeção nos permitirá focalizar melhor o problema do conhe- cimento. O fato é que as coisas não se passaram como afirma o dilema. Deus não criou os espíritos nem totalmente sábios nem completamente ignorantes. A cada espírito, como acima explicamos, foi dado um conhecimento propor- cional à sua posição na hierarquia, de acordo com a necessidade para execu- tar sua função. Fazendo uma comparação com o corpo humano, como unida- de coletiva, podemos dizer que os espíritos do sistema se acham diante de Deus, em conhecimento, tal como a inteligência e o conhecimento dos ele- mentos que dirigem o funcionamento do corpo humano se acham diante da inteligência e do conhecimento do eu central, que dirige o funcionamento de todo o nosso organismo. Cada elemento tem seu devido lugar na hierarquia, constituída por natureza e funções diversas, mas todas coordenadas e neces- sárias numa estrutura orgânica. Isto desde o átomo até à combinação de áto- mos e moléculas, destas às células e aos tecidos, até aos órgãos, e destes até

ao organismo todo. Não importa se o elemento é consciente ou não de seu trabalho. O fato de executá-lo demonstra, de qualquer modo, que o conhece. Para cada elemento, tudo está proporcionado à sua posição. O conhecimento, nos elementos do Sistema, está subordinado ao conhecimento do elemento superior, segundo a escala hierárquica, até ao limite superior máximo, Deus, o único verdadeiramente onisciente. Então o conhecimento tem um sentido muito diferente do que o dilema afirma. A posição dos espíritos a este respei- to não era absoluta, como se imagina.

Tratava-se de um conhecimento que precisava completar-se com o conhe- cimento dos outros elementos, para integrar em conjunto a onisciência do eu central. Havia, portanto, uma hierarquia no conhecimento, como havia uma hierarquia nas funções regidas por esse conhecimento. Pode-se compreender, desta maneira, como deve ter ocorrido a queda e o desastre que ela produziu, quando as células do organismo, ao invés de continuarem a viver disciplina- damente, em função da ordem geral, quiseram tornar-se independentes dela e se puseram a funcionar anarquicamente, como ocorre com as células do câncer ao se instalarem na sociedade de células disciplinadas de um organismo sadio.

O desastre da revolta foi devido a uma exagerada superestimação do pró- prio eu por parte dos espíritos rebeldes, que quiseram, dessa maneira, sair da ordem a eles designada pela Lei. E, ainda agora, o homem tende a recair, a cada momento, nesse mesmo erro, desobedecendo a lei de Deus e permane- cendo mais fiel, neste caso, aos princípios do Anti-Sistema, onde caiu, do que aos do Sistema, de onde proveio. E assim voltam sempre a soberba e o egoísmo, como efeito e eco daquela primeira vontade de querer tornar o seu próprio pequeno “eu” o centro de tudo. Esse erro foi previsto pela onisciên- cia de Deus, como se prova pelo fato de que o Sistema já estava anteriormen- te provido dos meios automáticos necessários para sua recuperação e restabe- lecimento. Todavia esse erro não fora previsto pelo conhecimento menor, inerente aos elementos componentes, que, justamente por serem menores também no conhecimento, não possuíam a onisciência própria do centro, Deus. Daí a possibilidade da queda. Mas é fácil imaginar o que acontece em qualquer organismo composto de elementos que tenham funcionamento co- ordenado, quando suas células, ao invés de aceitar a disciplina imposta pela lei de todo o organismo, pretendem, cada uma delas, como no caso do cân- cer, assumir as funções de direção. Um elemento componente se perde ao sair do funcionamento orgânico do corpo como um todo. Por isso, tanto no

Anti-Sistema como no câncer, tudo desmorona na dor, no mal e na morte. Acontece isto porque os seres menores – construídos para viver em função de outros, e todos em função do todo orgânico – ao se colocarem na posição de primeiros em vez de últimos, assumindo funções de direção que não co- nhecem, emborcam o Sistema, que aparece assim invertido ao negativo, com as qualidades opostas. A mesma coisa sucederia fatalmente se um soldado se fizesse general ou um simples cidadão, chefe de Estado.

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Já que estas objeções perdem o sentido após os esclarecimentos prestados acima, continuemos a focalizar cada vez com maior exatidão outros pormeno- res da teoria da queda. Estudamos o problema da perfeição, onisciência e oni- potência de Deus, depois o do conhecimento da criatura. Observemos agora qual a sua posição em relação à liberdade.

Para resolver estes problemas, é necessário lembrar que o Sistema não era constituído por Deus de um lado e uma multidão de seres do outro, todos iguais e dependentes de Seu comando caprichoso. Num sistema perfeito não pode haver arbítrio. O Sistema era construído de forma totalmente diferente. Os seres estavam hierarquicamente coordenados um em função do outro, constituindo assim, todos em conjunto, uma unidade orgânica. Dela o próprio Deus fazia parte, pois era constituído por esta unidade, da qual todos os seres faziam parte. Portanto tudo existia num estado de fusão, o Criador nas criatu- ras e as criaturas no Criador. Podemos ter uma ideia disso ao observar o cor- po humano, pois temos motivos para presumir que ele seja uma reprodução, embora mínima, daquele modelo. Os espíritos representavam, em relação a Deus, o que são as inteligências das células, dos tecidos e dos órgãos de nos- so organismo em relação ao eu central que o rege todo, na sua unidade. Exis- te, assim, uma hierarquia de inteligências e de funções, subordinadas ao cen- tro, que domina e unifica tudo, e constituindo com ele um só ser, uma unida- de orgânica, num todo coletivo.

Num sistema assim, um conceito de liberdade-capricho, feita de arbítrio, que possa mover-se loucamente, não pode existir. Tal como as células em nos- so corpo, também no Sistema cada criatura era livre, mas dentro das margens de disciplina que rege o todo. Livre, mas sempre em função do todo. Essa dis- ciplina representa a primeira condição da vida de qualquer elemento que faça parte de um organismo. Só nesse sentido pode entender-se a liberdade dentro

do Sistema. Como no organismo humano, havia aí uma lei superior que regu- lava tudo, e ai de quem dela se afastasse.

O Anti-Sistema representa precisamente uma posição afastada dessa lei. Se nosso ser físico-espiritual em estado de saúde pode dar-nos uma ideia do Sistema, nosso ser em estado de doença nos dará uma ideia do Anti-Sistema. O Sistema decai no Anti-Sistema tal como um corpo sadio quando adoece. Mas o doente não se torna por isso outro homem, nem seu corpo passa a depender de outro centro ou de outro eu. Ele continua sendo o mesmo ser de antes, porém, ao invés de estar são, apenas se acha num estado diferente, chamado patológico. O seu “eu” central permanece o mesmo, com as mes- mas funções, assim como Deus também permaneceu, em seu aspecto ima- nente, na direção suprema de nosso universo desmoronado ou Anti-Sistema. Em ambos os casos, o eu central permanece dentro do organismo, continu- ando aí, quando este adoece, justamente para curá-lo, como sucede com to- do organismo que luta para curar-se de sua doença. O estado de perfeição (Sistema) representa um estado de saúde, enquanto o estado de imperfeição (Anti-Sistema) representa um estado de doença.

Dessa forma, a criatura só podia existir com funções bem definidas em re- lação ao funcionamento geral. Pode, para o homem, não ser facilmente com- preensível este conceito de liberdade determinística, pois, estando ele situado no Anti-Sistema, é levado a conceber tudo às avessas e, portanto, a compreen- der a liberdade como um direito à revolta e ao abuso, como um arbítrio do “eu” que se sobrepõe à Lei. Para o ser perfeito, a liberdade só pode ser uma: existir de acordo com a ordem dessa perfeição, porque, sem esta ordem, não pode existir perfeição. A cisão entre livre-arbítrio e determinismo é um produ- to de nosso estado dualístico de decaídos da unidade. Só no Anti-Sistema po- dem reinar a imperfeição, a ignorância, a incerteza. E, por isso, só aqui pode existir o livre-arbítrio, pois a escolha só é possível onde ainda não se conhece o melhor caminho, que só pode ser um, o único perfeito.

Em última análise, no Sistema como no Anti-Sistema, sendo tudo regido por Deus, a Sua perfeição exige que tudo seja determinístico. Ao desmoronar na matéria, o ser perde a consciência e todas as demais faculdades diretivas. A Lei o substitui completamente em tudo, e ele fica totalmente sujeito ao determinismo escravo a que também está sujeita a matéria. Evolvendo, o ser desperta sua consciência, o que significa reencontrar a Lei, compreendê-la e perceber cada vez mais o prejuízo e o absurdo de revoltar-se contra ela. Isto

também significa começar a colaborar, reentrando assim, pouco a pouco, na ordem, para assumir cada vez mais funções diretivas de operário da Lei e de instrumento de Deus.

Então, com a experiência da queda, acontece que a liberdade, quanto mais se evolui, torna-se tanto mais liberdade de obedecer à Lei e sempre menos vontade de desobedecer-lhe. De modo que a liberdade suprema das criaturas, no sistema perfeito, nós só a podemos entender como liberdade de obedecer a Deus espontaneamente, por livre adesão, vivendo perfeitamente harmoni- zados em Sua ordem.