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Objetivo da pesquisa

No documento Ao Encontro das Línguas Ibéricas (páginas 193-200)

Dificuldades dos alunos polacos na aprendizagem de construções perifrásticas portuguesas com os auxiliares ir

1. Objetivo da pesquisa

O presente artigo visa apresentar as perífrases verbais com os auxiliares ir e virno português europeu. Simultaneamente, tentaremos apontar as dificulda- des que surgem no ensino e na aprendizagem das construções em causa nas aulas de PLE. A análise abrangerá as seguintes perífrases: ir + infinitivo, ir a + infinitivo, ir + gerúndio, vir + infinitivo, vir a + infinitivo, vir + gerúndio. Em primeiro lugar, serão apresentados os valores expressos pelas construções mencionadas. O problema mencionado será analisado com base em gramáti- cas e manuais de PLE e, também, diferentes trabalhos pormenorizados. Neste contexto, será verificado se o tempo gramatical do verbo auxiliar e a classe do predicado verbal do auxiliado podem influenciar o valor da perífrase. Além disso, o objetivo da pesquisa será verificar se os dados fornecidos pelos auto- res das gramáticas e dos manuais, ou seja, as informações relativas aos valo- res que podem exprimir as construções que são objeto do presente estudo, são exaustivos ou suficientes para os alunos polacos saberem usar adequadamente as construções em causa.

2. Valores expressos pelas perífrases ir + infinitivo, ir a +

infinitivo, ir + gerúndio, vir + infinitivo, vir a + infinitivo,

vir + gerúndio segundo gramáticas da língua portuguesa

e trabalhos pormenorizados

Nesta parte teórica, tentaremos apresentar os dados recolhidos acerca dos va- lores expressos pelas construções que são objeto do presente estudo. Na nossa pesquisa, foram analisadas várias gramáticas da língua portuguesa e, também, alguns trabalhos pormenorizados.

2.1. Perífrases com o auxiliar ir

2.1.1. Em primeiro lugar, vejam-se as informações fornecidas pelos linguistas relativamente à construção ir + infinitivo. Os autores das gramáticas indicam os seguintes valores da perífrase:

• esforço, movimento, impulso para se realizar uma ação (Brandão, 1963, p. 535)

• tentativa ou esforço (Bechara, 2001, p. 232)

• movimento para realizar um intento futuro (próximo ou remoto) (Be- chara, 2001)

• (firme) propósito de levar a cabo uma ação (Vázquez Cuesta, Mendes da Luz, 1980, p. 431; Cunha, Cintra, 1998, p. 395)

• certeza de que uma ação se realizará (Vázquez Cuesta, Mendes da Luz, 1980, p. 43; Cunha, Cintra, 1998, p. 395)

• futuridade (Buzaglo Paiva Raposo et al., 2013a, p. 276)

Como se pode observar, o único trabalho que de forma direta se refere ao valor de futuro da perífrase em causa, ou seja, o valor mais reconhecido pelos falantes da língua portuguesa, é a gramática de Buzaglo Paiva Raposo (1980). Bechara (2001), por seu turno, também indica a futuridade, mas, nesse caso, à ideia do futuro junta-se-lhe um valor modal – a intenção de realização de uma

ação. Igualmente, os outros linguistas sublinham diferentes valores modais expressos por ir + infinitivo, sem indicarem a ideia de futuro. Além disso, Brandão (1963) e Bechara (2001) apontam o movimento para realizar uma ação, ou seja, apontam um dos traços semânticos do verbo auxiliar ir, o que pode pôr em dúvida a existência da construção perifrástica ir + infinitivo1.

Os trabalhos pormenorizados, na sua maioria, ao contrário das gramáticas, apresentam a construção ir + infinitivo como uma perífrase de valor temporal de futuro. Outra diferença observada é que alguns linguistas especificam a fu- turidade por constatar que se trata de futuro próximo ou imediato. No entanto, vários valores modais (convicção, certeza, dúvida, probabilidade) também são apontados. Neste contexto, veja o que se segue:

• futuro (Castilho, 1967, p. 133)

• futuro próximo (Almeida, 1980, p. 222; Gonçalves & Costa, 2002, p. 63; Paiva Boléo, 1973, p. 23)

• futuro imediato (Casteleiro, 1977, p. 10) • futuro com convicção (Almeida, 1980, p. 221) • futuro de perspectiva (Almeida, 1980, p. 221) • iminência de uma ação (Almeida, 1980, p. 221)

• certeza da execução de uma ação (Almeida, 1980, p. 222)

• dúvida ou probabilidade – valor não inerente (Casteleiro, op.cit., p. 11)

No que refere ao tempo gramatical do auxiliar, somente alguns autores reparam que o valor da perífrase pode alterar quando ir não aparece no tempo presente. É preciso mencionarmos que, no caso das gramáticas da língua por- tuguesa, somente o trabalho de Buzaglo Paiva Raposo (2013b, pp. 1263-1265)

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O problema em causa está relacionado com os processos de deslexicalização e gramati- calização pelos quais um verbo tem de passar (segundo a opinião de, por exemplo, Said Ali (1964, pp.160-163), Borba Costa (1990, p. 53), Vázquez Cuesta e Mendes da Luz (1980, p. 429), ou não, segundo, por exemplo, Mateus (1983, pp. 283-284), para se tornar no verbo auxiliar.

fornece as informações suficientes, na nossa opinião, para compreender o pro- blema em causa. Na maioria dos casos, como foi mostrado acima, os autores apresentam os valores como se se tratasse de ir no presente, embora não o mencionem. Quando ir aparece no pretérito imperfeito2, segundo Almeida (1980, p. 211), trata-se de uma situação iminente, e, conforme Pereira Soa- res (1984, p. 60), além da iminência, pode tratar-se de uma ação que não se realizou, que estava apenas na intenção do agente. Quanto aos autores das gramáticas, apenas Buzaglo Paiva Raposo (2013, pp. 1263-1264) chama a atenção para o problema e constata que pode tratar-se de um evento futuro dado como provável, mas que acabou por não acontecer, ou de uma forma usada pelo falante com o objetivo de ser delicado com o ouvinte. Como se pode observar, além de indicarem os diferentes valores, os autores não abor- dam os fatores que influenciam cada valor.

No caso de outros tempos gramaticais, nos quais o auxiliar ir pode ocor- rer, as informações são ainda mais escassas. Quanto a ir no pretérito perfeito simples, foram encontradas duas referências. Uma provém do trabalho de Castilho (1967, p.132) onde o linguista fala do passado estrito expresso pela perífrase, mas não entra em detalhes nem compara com outros meios que ex- primem passado não-estrito. Buzaglo Paiva Raposo (2013b, p. 1264), por sua vez, apresenta uma análise mais pormenorizada. Antes de tudo, reconhece que o uso do auxiliar ir no pretérito perfeito simples é bastante complexo e, por isso, tenta determinar contextos nos quais a construção em causa é admis- sível. Desta forma, chega à conclusão que, em orações simples não contextu- alizadas, a perífrase é aceitável somente com sujeitos agentivos. No caso de sujeitos não agentivos, essa combinação torna-se possível no contexto mais vasto (p. ex. oração coordenada) que introduza um tempo de referência pas- sado aspetualmente imperfectivo. Contudo, falta aqui uma análise de valores expressos pela perífrase em causa.

O facto mais surpreendente na nossa pesquisa foi que somente em dois estudos conseguimos encontrar informações relativas à construção ir + infi- nitivo com ir no futuro. Almeida (1967, p. 212), por um lado, define este tipo de perífrase como uma construção que exprime ação mais afastada, mais

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O nosso trabalho não abrange a análise de ir (no imperfeito) + infinitivo quando a perífrase tem função de futuro do pretérito.

eventual e, ao mesmo tempo, constata que é uma simples variante expressiva da forma do tempo futuro.

2.1.2. Não há muitas fontes onde se analisa a construção ir a + infinitivo. Brandão (1963, p. 531) e Almeida (1980, pp. 215-216) apontam o valor iminencial expresso pela construção em causa. Vázquez Cuesta e Mendes da Luz (1980, p. 431), por seu turno, mostram que ir no presente, imperfeito e futuro imperfeito seguido da preposição a ou para e do infinitivo do verbo principal indica uma ação apenas iniciada.

2.1.3. Passemos agora à análise dos valores expressos pela construção ir + gerúndio. Em primeiro lugar, vejam-se as referências ao problema em causa encontradas nas gramáticas da língua portuguesa e, também, nos trabalhos pormenorizados:

• progressividade (Souza Campos, 1980, p. 90) • imperfectividade-cursividade (p. 93)

• continuidade (p. 94) • iteratividade (p. 95) • icoatividade (p. 95)

• realização gradual de uma ação ou de um estado ininterruptos (Bran- dão, 1963, p. 536; Bechara, 2001, p. 231; Vázquez Cuesta, Mendes da Luz, 1980, p. 431)

• sucessão de atos parciais componentes de uma ação integral (Brandão, 1963, p. 536)

• ação que se realiza progressivamente ou por etapas sucessivas (Cu- nha, Cintra, 1998, p. 395)

• situação durativa que se desenrola gradualmente, possivelmente em etapas discretas, mas próximas umas das outras, dando uma ilusão de continuidade (Buzaglo Paiva Raposo, 2013b, p. 1276)

• ação logo ao iniciar-se (Brandão, 1963, p. 536) • iminência da ação (Souza Campos, 1980, p. 96)

• ação que esteve quase a realizar-se (ir no imperfeito) (Vázquez Cuesta, Mendes da Luz, 1980, p. 431)

• situação que estava prestes a ocorrer, mas finalmente não ocorreu (ir no imperfeito) (Vázquez Cuesta, Mendes da Luz, 1980, p. 431)

Como se pode observar, Souza Campos (Souza Campos, 1980), na sua análise detalhada do gerúndio na língua portuguesa, apresenta diferentes va- lores que podem ser expressos por ir + gerúndio. Segundo a linguista, o aspeto típico expresso pela perífrase em causa é o aspeto progressivo. No que se re- fere ao valor imperfectivo-cursivo, a autora acha que, neste caso, ir + gerúndio do verbo principal pode equivaler ao verbo principal no pretérito imperfeito. O valor continuativo, por seu turno, depende, segundo a linguista, do seman- tema do verbo principal ou do conjunto contextual. A noção de incoatividade, por sua vez, é observada pela autora devido à presença do advérbio logo entre o auxiliar e o auxiliado. Simultaneamente, Souza Campos reconhece que o valor iterativo não é muito frequente. O estudo de Souza Campos, embora apresente muitos valores que pode trazer a perífrase em causa, não indica quais são os fatores que determinam cada valor. Mesmo a autora não tem a certeza de como, por exemplo, o tempo gramatical influencia o valor da pe- rífrase. Igualmente, o tal chamado contexto enunciativo é um conceito muito vasto e devia ter sido especificado.

Os outros autores apresentam o ponto de vista muito parecido, ou seja, limitam-se a indicar o valor iterativo (chamado gradual ou progressivo) e o valor iminencial. No que se refere ao tempo gramatical do auxiliar, somente Vázquez Cuesta e Mendes da Luz (1980) diferenciam o valor da perífrase quando o auxiliar está no pretérito imperfeito, mas não aprofundam no pro- blema.

2.2. Perífrases com o auxiliar vir

2.2.1. Comparando as informações relativas às construções perifrásticas com o auxiliar ir, as informações sobre as perífrases com o auxiliar vir são bastante escassas. No que se refere a vir + infinitivo, conseguimos encontrar somente dois trabalhos que analisam esta construção. Em um deles, os autores indicam que a perífrase indica movimento em direção a determinado fim ou intenção de realizar um ato (Cunha, Cintra, 1998, p. 395), e, na outro, que indica o

futuro próximo (Gonçalves & Costa, 2002, p. 63). As duas interpretações são bastante diferentes. Na primeira interpretação, cruzam-se o valor temporal e o valor modal, e, na outra, somente se trata de um valor temporal. Também faltam indicações precisas para determinar um ou o outro valor.

2.2.2. No que respeita à perífrase vir a + infinitivo, nenhum dos estudos apresenta uma análise detalhada. Mesmo assim, com foi no caso de vir + infinitivo, os linguistas não chegam a um ponto comum, apresentando, por um lado, esforço, movimento, impulso para se realizar uma ação (Brandão, 1963, p. 535) e, por outro, realização de um propósito, consecução final de uma ação (Vázquez Cuesta, Mendes da Luz, 1980, p. 432) ou resultado (Bechara, 2001, p. 232; Cunha, Cintra, 1998, p. 395). Ademais, Bechara (2001, p. 233) acrescenta que, no caso de alguns verbos principais, vir a + infinitivo tem quase o mesmo sentido do verbo principal empregado sozinho. Castilho (1967, p. 133), por sua vez, constata que quando o auxiliar está no pretérito perfeito simples, a perífrase equivale a acabar por + infinitivo.

2.2.3. As referências a vir + gerúndio são as mais pormenorizadas. O va- lor indicado com mais frequência é o valor iterativo. Brandão (1963, p. 536) fala de ação ou estado já iniciados, em marcha contínua para um termo, ou seja, uma sequência de atos constitutivos de uma atividade única. No mesmo contexto, Buzaglo Paiva Raposo (2013b, p. 1276) indica uma situação dura- tiva que se desenvolve gradualmente, possivelmente em etapas discretas, mas próximas umas das outras, dando uma aparência de continuidade. Alguns lin- guistas (Bechara, 2001, p. 231; Vázquez Cuesta, Mendes da Luz, 1980, p. 432; Cunha, Cintra, 1998, p. 395) apontam apenas o desenvolvimento ou a realização gradual de uma ação. Contudo, alguns tratadistas do assunto, nas suas análises, indicam mais outros valores expressos por vir + gerúndio: va- lor de futuro próximo (Gonçalves & Costa, 2002, p. 63), valor imperfectivo- continuativo, progressivo-incoativo (com verbos que exprimem o começo da ação) e progressivo-terminativo (com verbos que indicam a chegada a um de- terminado lugar ou estado) (Souza Campos, 1980, pp. 98-99). Além disso, vale a pena sublinhar que, na opinião de Souza Campos (Souza Campos, 1980, p. 99), o valor iterativo não é o valor inerente da perífrase e devem ser cum- pridas algumas condições para se poder empregar esse valor: quando o verbo principal já contém em si a ideia de repetição, ou quando no conjunto con- textual há um vocábulo que indique que há uma ação repetida, ou quando a construção indica ações momentâneas. A mesma autora (p. 100) chama aten-

ção para mais um valor exprimido pela perífrase em causa, quer dizer, quando o auxiliar está no pretérito imperfeito, vir + gerúndio pode exprimir ordem atenuada ou polida. Simultaneamente, a linguista enumera alguns fatores que podem influenciar cada valor da perífrase em causa: semantema do verbo, locução adverbial, quantificação do sujeito ou do objeto.

Para acabar a análise de vir + gerúndio, queríamos destacar que somente Brandão (Brandão, 1963., pp. 536-537) observa que a significação das perí- frases formadas com ir e vir e o gerúndio tem a mesma diferença semântica que esses dois verbos.

3. Frequência da ocorrência e valores das perífrases

No documento Ao Encontro das Línguas Ibéricas (páginas 193-200)