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Usos e funções do infinitivo impessoal nas farsas de Gil Vicente

No documento Ao Encontro das Línguas Ibéricas (páginas 178-188)

Usos e funções do infinitivo no teatro de Gil Vicente

2. Usos e funções do infinitivo impessoal nas farsas de Gil Vicente

2.1. O infinitivo e a rotina

Nas farsas de Gil Vicente, é frequente o infinitivo impessoal compor “listas” de verbos que denotam ações rotineiras na vida das personagens. O caso a seguir é uma cena da peça Quem tem farelos?, na qual Apariço e Ordonho, criados de dois escudeiros, conversam sobre seus amos:

(8) Ortonho Quién es tu amo? i dí, hermano! Apariço É o demo que me tome:

morremos ambos de fome e de lazeira todo ano. [...]

Ortonho De qué sirve? Apariço De sandeu.

Pentear e jejuar, todo dia sem comer, cantar e sempre tanger, sospirar e bocejar: sempre anda falando só, faz ˜uas trovas tão frias, tão sem graça, tão vazias,

que é cousa pera haver dó. [QTF 10-26]

O amo de Apariço, Aires Rosado, é descrito como “sandeu”, no sentido de tolo, néscio, já que vive das atividades de “pentear e jejuar”, “cantar”, “tanger”, “sospirar e bocijar”. Escudeiro e criado passam fome, mas isso não parece abalar o primeiro, que gasta seu tempo se dedicando às artes da poesia e da música, ou seja, habitando um mundo de fantasia, de imaginação, dis- tante da realidade sensível – ao que se soma o deboche que o criado também faz da qualidade de suas trovas. O emprego de verbos no infinitivo impessoal salienta o caráter habitual dos atos de Aires, pois indica a ideia de ações que se atualizam reiteradamente no cotidiano daquela casa. Nos versos, a presença das expressões adverbiais de tempo “todo dia” e “sempre” reforça essa inter- pretação. Ademais, é possível correlacionar a ausência de marcação de tempo e de pessoa do infinitivo com a “sandice” do amo, que parece sobreviver no plano “abstrato” – não se alimenta, fala sozinho, vive das ideias e dos sonhos – e não no “concreto”, onde se encontra seu criado.

A produção artística do escudeiro Aires Rosado tem inspiração na moça Isabel, alvo de seus poemas e serenatas. Isabel mora com a mãe (Velha), que desaprova o fato de a filha receber tais galanteios e lhe deseja, em contrapar- tida, uma vida de dedicação ao trabalho. Isso pode ser observado no diálogo abaixo:

(9) Isabel Isso não é pera mi. Velha E pois quê? Isabel Eu vo-lo direi.

Ir a miúde ao espelho,

e poer do branco e do vermelho, e outras cousas que eu sei: pentear, curar de mi e poer a ceja em direito7; e morder por meu proveito estes beicinhos assi. Ensinar-me a passear, pera quando for casada não digam que fui criada em cima d’algum tear: saber sentir um recado, e responder emproviso e saber fingir um riso falso e bem dissimulado. [...]

Velha E o lavrar, Isabel? Isabel Faz a moça mui mal feita,

corcovada, contrafeita, de feição de meo anel; [...]

Velha Enjeitas tu o fiar? Isabel Que não hei de fiar, não!

Eu sou filha de moleira?

Em roca me falais vós? [QTF 488-505]

No excerto, Isabel descreve o estilo de vida que quer para si, isto é, uma rotina ideal só de cuidados com aparência e comportamento, visando à corte amorosa. Apresentando processos verbais em potência, o elenco de infiniti- vos impessoais evidencia o plano do desejo, do irreal, da fantasia a que a moça aspira para um tempo indeterminado, mas que não podia realizar naquele mo- mento por censura da mãe. Esta, por sua vez, questiona à filha o lugar em que os trabalhos manuais ocupariam nessa “outra realidade”: “E o lavrar, Isa- bel?”, “Enjeitas tu o fiar?”, ao que Isabel responde pertencerem ao domínio (e ao dia a dia) da “moça mui mal feita, corcovada, contrafeita” – tudo o que ela não queria ser.

A substantivação dos verbos nas falas da Velha, explicitada pela presença do artigo definido, denota o sentido de trabalho contínuo, habitual, que se se- guiria ao longo de toda a vida da mulher, de modo a haver foco no processo e não no produto. Dessa forma, “o lavrar” e “o fiar” eram atributos da condi- ção feminina em Portugal do século XVI – portanto, distintivos desse grupo social (tipo). De fato, conforme argumenta Spina (1971), um dos méritos do realismo descritivo de Gil Vicente está em registrar os fatos da vida caseira e o retrato vivo da sociedade portuguesa de então em todos os recantos.

Os infinitivos substantivados são recorrentes nas obras vicentinas, apon- tando ações conduzidas (ou que se pretendem conduzir) rotineiramente pelas personagens. O determinante que precede o verbo pode ser tanto um artigo quanto um pronome possessivo ou demonstrativo, como mostram os seguintes exemplos:

(10) Inês Juro em todo meu sentido que, se solteira me vejo, assi como eu desejo,

que eu saiba escolher marido, à boa fé, sem mal’engano, pacífico todo o ano,

que ande a meu mandar... [FIN 882-888] (11) Alcaide Levantai-vos d’i, senhora;

dai ò demo esse rezar:

quem vos fez tão rezadora? [VDH 688-690] (12) Ama Que foi do vosso passear,

com luar e sem luar,

toda a noite nesta rua? [IND 228-230]

Em (10), a imagem tradicional de mulher submissa e afeita às ordens dos pais ou do esposo é confrontada por uma representação de mulher que escolhe, por si só, o homem com quem quer se casar e, mais do que isso, que se assume no comando da relação, controlando o parceiro e dando-lhe ordens: “que ande a meu mandar”. A rotina (ou modus operandi) imposta por Inês Pereira a seu marido, e que ela deseja se perpetuar durante todo o casamento – haja vista o uso do infinitivo e o desfecho da história8 –, revela como a personagem se

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Uma vez que a Farsa de Inês Pereira é construída a partir do argumento “Mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”, a cena final da peça traz Inês sendo carregada nas costas do marido, o tolo Pero Marques, que, obedecendo a uma ordem da esposa e sem se dar conta, a leva ao encontro de seu amante, o Ermitão.

destaca dentro da galeria de tipos vicentinos, sobretudo dos femininos. Além de tal atitude “contestatária” frente ao matrimônio, Inês se distingue por ser emancipada e saber ler e escrever, fatores que a podem colocar no posto de “heroína individualizada” (Teyssier, 1982).

Já na fala em (11), o Alcaide se dirige a Branca Gil, a alcoviteira de Ve- lho da Hortaque extorque ardilosamente o dinheiro do personagem título ao fazê-lo acreditar que lhe ajudaria a conquistar o coração da jovem por quem se apaixonara. Contudo, o Velho não era a única vítima de golpe tramado pela alcoviteira, pois esta tinha reincidência no crime – fato que a leva a ser presa pelo Alcaide, acompanhado de quatro beleguins, na cena em questão. Ao ver os oficiais se aproximando, Branca Gil começa a rezar, mas o Alcaide está ciente de que a golpista fingia ao tentar captar sua benevolência com as ora- ções. Nesse sentido, o sintagma “esse rezar” exprime tom irônico, sobretudo por estar ligado à pergunta feita no verso seguinte, “quem vos fez tão reza- dora?”, com a qual compõe uma rima derivativa9 (“esse rezar”/“rezadora”). Logo, está em jogo a percepção que o Alcaide tinha do caráter habitual da ação expressa pelo infinitivo substantivado “esse rezar” e pelo sufixo -dora em “rezadora”, em contraste com a real imagem que tinha da alcoviteira uma criminosa que estava (ou fingia estar) rezando apenas naquele momento, com o intuito único de se livrar da lei. E, não caindo na armadilha de Branca Gil, o oficial condena ao “demo” suas falsas orações.

Por fim, no exemplo em (12), a Ama do Auto da Índia pergunta a um de seus amantes como fora o “vosso passear” (= vosso passeio), ressaltando a constituição reiterativa da atividade ao descrever que ela se dava “com luar ou sem luar,/toda a noite nesta rua”. Durante os anos em que se vê na ausência do marido, que partira em viagem para a Índia, a Ama convive com sua criada (Moça) e mantém dois amantes, que se revezam para encontrá-la. Quando o retorno do marido é anunciado, a mulher entra em estado de cólera e ordena à empregada que quebre os objetos da casa, desfaça a cama e apague o fogo. O diálogo abaixo pertence a essa cena:

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A rima derivativa é um artifício que consiste em fazer alternar na rima palavras com a mesma raiz, como as que se distinguem por sufixos ou desinências diferentes (Teyssier, 2005, p. 560).

(13) Moça (à parte) De mercês está minha ama; desfeitos estão os tratos. Ama Por que não matas o fogo?

Moça (à parte) Raivar, que este é outro jogo. [IND 404-407]

A criada não obedece à Ama; pelo contrário, debocha de sua reação em comentário feito à parte. A fala “Raivar, que este é outro jogo” revela que a Moça sabia que a cólera de sua patroa não surtiria efeito, não daria em nada, pois, com a chegada do marido, a esposa fingiria ter sentido saudades, juraria ter se mantido fiel a ele e, por fim, o trataria com muito carinho, como se nada tivesse ocorrido – o que, de fato, se dá no prosseguimento da peça. O uso do infinitivo impessoal “Raivar”, nesse caso, explicita, por um lado, que o processo verbal está apenas em potência, ou seja, não se concretiza em atos reais direcionados ao alvo da ira (o marido), e, por outro, que tal alteração súbita de humor, seguida de sua “neutralização”, é habitual ao comportamento da Ama – que, ironicamente, se chama Constança10.

2.2. O infinitivo e o comando

O exame das farsas de Gil Vicente também traz à tona casos em que o infi- nitivo impessoal apresenta valor de imperativo, na expressão de comandos de uma personagem a outra.

Comandos correspondem a enunciados performativos, isto é, não consis- tem, ou não consistem apenas, em dizer algo, mas em fazer algo, de modo que não há possibilidade de se realizar as ações senão as enunciando (Aus- tin, 1990). Austin propõe que, quando se diz alguma coisa, realizam-se três tipos de atos: o ato locucionário – o ato de dizer algo; o ato ilocucionário – o ato efetuado ao dizer algo, por exemplo, informar, ordenar, prevenir, avisar, comprometer-se etc.; e o ato perlocucionário – o ato efetuado por dizer algo, por exemplo, convencer, persuadir, impedir, surpreender, confundir, etc.

Essa proposta é sistematizada e aprofundada por Searle (2002), que es- tabelece a categoria dos atos ilocucionários diretivos, na qual se incluem as expressões imperativas. Tais atos representam tentativas do falante de levar o ouvinte a fazer uma ação futura, podendo ser “tentativas muito tímidas, como

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Conforme pode ser lido no verso 237 da peça. Berardinelli (2012) também considera tal nome como ironicamente escolhido por Gil Vicente.

quando o convido a fazer algo ou sugiro que faça algo, ou podem ser tentati- vas muito veementes, como quando insisto em que faça algo” (Searle, 2002, p. 21) – de modo a variar, nesses casos, a chamada “força ilocucionária” da emissão.

O trecho abaixo traz exemplos de atos diretivos em peça de Gil Vicente: (14) Moça Ua rosa? pera quê?˜

Velho Porque são

colhidas de vossa mão; leixar-m’-eis alg˜ua vida, não isenta de paixão, mas será consolação na partida.

Moça Isso é por me deter:

ora tomai, acabar. [VDH 230-238]

Nesse diálogo de Velho da Horta, a personagem título insiste para que a jovem por quem está apaixonado lhe dê uma rosa. A Moça, já impaciente com as investidas do Velho e desejando partir do local, entrega-lhe o dinheiro referente às hortaliças que colhera na horta (diz: “ora tomai”) e conclui a fala com o imperativo “acabar”. Este, por ser expresso com o verbo no infinitivo, difere-se da ordem anterior, dada por meio do imperativo verbal na forma da segunda pessoa do plural. Pode-se aventar que as características próprias do infinitivo impessoal – como a de se referir ao ato verbal em si e a de não remeter a nenhuma pessoa gramatical – intensificaram a força ilocucionária do enunciado e deram carga de imediatez ao comando, aproximando-o inclusive de uma expressão exclamativa.

Com efeito, a sensação de imediatez é frequentemente reforçada nos diá- logos pelo acréscimo da interjeição “sus” junto à ordem, no sentido de “rá- pido, depressa, logo”. Isso pode ser observado no excerto abaixo, de Quem tem farelos?, no qual o criado Apariço relata uma fala de seu amo, Aires:

(15) Apariço Vem alta noite de andar, de dia sempre encerrado: porque anda mal roupado, não ousa de se mostrar. Vem tão ledo – “sus, cear!” – como se tivesse quê;

e eu não tenho que lhe dar,

Apariço escarnece a postura do escudeiro quando este determina “sus, cear!”, pois, conforme vimos anteriormente, a rotina dos dois era passar fome e o amo, por viver num mundo de fantasia, pouco se importava com a escassez de alimento na casa. Por esse contexto, vemos que o comando para que o cri- ado servisse a refeição (inexistente) depressa lhe soava como mais um indício da sandice de seu patrão.

A interjeição “sus” também acompanha o imperativo expresso com o ver- bo “andar”, muito frequente nas peças vicentinas:

(16) Beleguim Vinde, da parte d’El-Rei. Branca Muita vida seja a sua.

Não me leveis pola rua; leixai-me vós qu’eu m’irei. Beleguim Sus, andar! [VDH 693-697]

Esse trecho é continuação da cena da prisão de Branca Gil, retratada em (11). Devido às delongas que a alcoviteira provocava na execução da captura pelos oficiais (Alcaide e quatro beleguins), sobretudo por seu falso “rezar”, o Beleguim ordena-lhe “Sus, andar!”. Tal ato diretivo tem o sentido tanto de fazer com que Branca Gil se movimente, isto é, siga os passos dos oficiais que a retiravam do local – conforme a acepção primeira do verbo “andar” –, quanto de fazer com que a mulher pare de embaraçar a situação e se decida a cooperar com eles, possibilitando agilizar o processo. Vale ainda salientar que a forma “Sus, andar!” é composta por múltiplas exclamações (Maurer Jr., 1968).

A intensidade e a sensação de imediatez do imperativo “andar” são evi- dentes em passagens do Auto da Índia nas quais a Ama se dirige a seu amante castelhano:

(17) Castelhano Reísvos del mal que padezco, reísvos de mi desconcierto, reísvos que tenéis por cierto que miraros nos merezco. Ama Andar embora. [IND 118-122] (18) Castelhano Ábrame vuesa merced

que estoy aqui à la verguenza. Esto úsase en Siguenza: pues prometéis, mantened. [...]

Em (17), a Ama, lisonjeada diante do excesso de galanteios do Caste- lhano, profere o enunciado “Andar embora”, cuja força ilocucionária parece se aproximar mais do pedido do que da ordem. De fato, uma vez que a pala- vra “embora” – em seu sentido primitivo de “em boa hora” – era muito usual no período, a expressão “Andar embora” se empregava como fórmula de cor- tesia para despedidas, podendo ser vertida em “Ide em boa hora” ou “Até a próxima” (Teyssier, 2005).

Entretanto, em (18), a situação é outra: enquanto o Castelhano bate à janela do quarto da Ama para que esta cumpra a promessa do encontro amo- roso, ela já está nos braços de seu outro amante, Lemos. Assim, a mulher dá ao Castelhano o comando “Andar, muitieramá!”, exigindo-lhe que partisse do local imediatamente, numa reação impetuosa. Em oposição ao “embora”, a expressão “muitieramá” era empregada na linguagem popular com o sentido de “em má hora/ em hora má”, ou seja, “em hora muito má”11, que, no caso em questão, traduz-se em “momento muito inapropriado”.

As expressões “embora” e “maora” – e, consequentemente, “muitieramá” – nasceram de antigas crenças astrológicas: “em certas horas a conjunção dos astros traz consigo o êxito e a felicidade, em outras o insucesso e a infelici- dade” (Teyssier, 2005, p. 622). A atmosfera mística que perpassava os cos- tumes e o falar do povo português no século XVI, aliada à tradição clássica, propiciou a Gil Vicente criar a Frágua d’Amor, peça na qual uma forja sim- bólica dirigida por Cupido é visitada por aqueles que desejam se transformar em outras pessoas.

Um dos clientes que procuram a Frágua é um frade fugitivo que se recusa a voltar ao convento e quer ser transformado em leigo. Na verdade, a perso- nagem quer ajuda para voltar a ser leigo, uma vez que se “fez” religioso por conselho de um amigo, no episódio descrito abaixo:

11Segundo Teyssier (2005), a partir do vocábulo “maora” (“em má hora”), surgiram as for-

mas “eramá, ieramá, aramá e earamá”, por desnasalização da preposição “em” (*e ora má) e mudança de timbre do “o” átono em contato com o “r”.

(19) Frade Senhores, fui carpinteiro da Ribeira de Lisboa, e muito boa pessoa, e de mero malhadeiro me fui fazer de coroa. [...]

Conselhou-me um meu amigo que fosse frade, e fi-lo assi, de Rui Pires, Frei Rodrigo.

Ex-me frade: andar embora. [FRA 562-572]

A fala “Ex-me frade: andar embora” soa como um passe de mágica. Em questão de um instante, um leigo virou frade. O imperativo “andar embora”, referindo-se à própria pessoa que exprime o enunciado, pode indicar a fórmula de cortesia corrente para despedidas, mas ainda pode sugerir que, a partir da- quele momento, ao “novo homem” caberia seguir seu rumo no mundo, para onde quer que os caminhos o levassem – retomando a noção de que o infi- nitivo impessoal traz em si o processo verbal em potência. É irônico que, posteriormente, o frade tenha buscado a Frágua para a reversão do processo, pois, como mostra o episódio acima, o homem já detinha, “em suas mãos”, o “poder” para mudar seu estado ou condição social, não sendo necessária nenhuma intervenção divina.

Outro ser místico, o “demo”, é evocado no próximo diálogo, entre o Velho da Horta e sua esposa (Mulher), em que esta zomba do marido por ele estar apaixonado por uma jovem. No trecho também encontramos outros exemplos de uso do infinitivo impessoal com valor de imperativo:

(20) Mulher Mas que vos tome inda o demo, se vos já não tem tomado. Velho Dona torta,

acertar por essa porta, velha mal aventurada,

sair maora da horta! [VDH 358-363]

O Velho utiliza o vocativo “Dona torta” para se dirigir à esposa, querendo dizer “mulher mal intencionada” (Berardinelli, 2012). Em seguida, vocifera uma “lista” de verbos no infinitivo, que difere dos casos analisados no tópico 3.1 por serem expressos em tom de comando: “acertar por essa porta”, “sair maora da horta!”. Mais do que ordens visando ao afastamento (ou sumiço)

imediato da mulher da cena, o encadeamento das construções infinitivas ecoa a tradição oral das pragas, injúrias, imprecações e disparates, tão comuns no repertório popular do período e nos textos vicentinos (Teyssier, 2005). Res- soa ainda as “fórmulas cabalísticas”, ligadas ao misticismo pagão, como a proferida pela Feiticeira do Auto das Fadas, ao mexer em seu caldeirão:

(21) Alguidar, alguidar, que feito foste ao ˜uar debaixo das sete estrelas, com cospinhos de donzelas te mandei eu amassar. Ó cospinhos preciosos de beiços tão preciosos, dai ora prazer

a quem vos bem quer, e dai boas fadas

nas encruzilhadas! (apud Teyssier, 2005, p. 637)

Embora “Alguidar” não seja um verbo, a terminação em –ar assemelha a palavra a um infinitivo impessoal, corroborando a analogia com os versos em (20).

No documento Ao Encontro das Línguas Ibéricas (páginas 178-188)