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2.2 CONTRATAÇÕES PÚBLICAS SUTENTÁVEIS

2.2.3 Contratações da Administração Pública

2.2.3.2 Objetivos da Licitação/Contratação Pública

Num regime democrático marcado pela supremacia do interesse público, não há dúvida de que o objetivo maior da licitação é atender ao interesse público primário (res publica), em benefício de todo o corpo social (BRASIL, 2014b). A obrigação de licitar, de certo modo, pode ser considerada uma política pública de per si, relacionada que está ao Estado Democrático de Direito, uma vez que a competição isonômica distancia a Administração Pública dos conflitos político-partidários e proporciona transparência e legitima a atuação estatal. (PEREIRA JÚNIOR; DOTTI, 2012).

Segundo dispõe o art. 3º da Lei n. 8.666/1993, a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

A ampliação da atividade estatal na sociedade moderna, seja ao prestar serviços públicos, investir em infraestrutura ou implementar políticas sociais, promove múltiplas oportunidade de negócios. Sem dúvida alguma, atualmente o Estado é o maior consumidor individual de bens e serviços, com gastos atingindo considerável parcela do PIB na maioria dos países. Num mercado altamente competitivo, essa abundância de recursos disponíveis para aquisição de produtos e contratação de serviços naturalmente atrai vários interessados em firmar contrato com a Administração Pública, sendo a licitação o meio pelo qual ela seleciona a proposta mais vantajosa apresentada pelos concorrentes.

Cretella Júnior (1998, p. 119) ressalta que as compras públicas, por meio de licitação, possibilitam vantagens para a Administração, pois a proposta vencedora será aquela que mais se aproxima dos requisitos almejados, bem como para os concorrentes, que “têm oportunidade de ver reconhecida a excelência técnica dos serviços prestados, no que se refere a obras e trabalhos, ou às melhores condições ou melhor preço, quando se trata de compra e venda dos produtos”. Ocorre que na consecução desse objetivo, conforme pondera Justen Filho (2009), devem ser respeitados os princípios norteadores do sistema jurídico, especialmente a isonomia, razão pela qual a Administração Pública não pode agir de forma arbitrária, violando direitos e garantias individuais dos interessados na contratação. Por outro lado, essa igualdade assegurada aos interessados também não pode ser levada a extremos, aprisionando a Administração Pública a defeitos irrelevantes ao ponto de excluir ou desconsiderar propostas vantajosas, em prejuízo do interesse público, porquanto a isonomia não exige formalismo irracional. (JUSTEN FILHO, 2009).

Até o final da década passada, essa dupla finalidade (isonomia entre interessados e seleção vantajosa) era o principal alvo a ser alcançado por meio do processo licitatório. No entanto, com a Lei n. 12.349/2010, acrescentou-se também como objetivo do processo licitatório o “desenvolvimento nacional sustentável”. (BRASIL, 2010c).

A bem da verdade, houve confusão entre as finalidades da licitação e as finalidades da contratação administrativa. Enquanto a licitação é o instrumento para se obter uma contratação administrativa vantajosa, mantendo isonomia entre os interessados, o contrato administrativo tinha como objetivo, em sua concepção tradicional, suprir as necessidades da Administração Pública quanto a bens e serviços. Com a Lei n. 12.349/2010, buscou-se trabalhar a função interventiva do Estado no domínio econômico, por meio da dimensão macroeconômica das contratações públicas, fazendo com que a Administração, ao celebrar os contratos administrativos, venha a satisfazer não apenas suas necessidades materiais, mas também promova o desenvolvimento nacional sustentável. (JUSTEN FILHO, 2011).

Conforme pondera Justen Filho (2011, p. 3), isso não significa que tal alteração deixe de afetar a licitação. “A licitação é afetada porque o conceito de vantagem a ser buscada adquire novos contornos. A licitação passa a ser orientada a selecionar a proposta mais vantajosa inclusive sob o prisma do desenvolvimento nacional sustentado”.

De qualquer modo, a par da discussão conceitual, certo é que esse novo objetivo abriga em seu sentido, de um lado, a variável de fomento, decisiva para o tempo econômico atual; de outro, a diretriz contemporânea da sustentabilidade. (MOTTA, 2013). Assim, com essa inovação legislativa, tornou-se explicito que, para além de sua finalidade imediata, de atendimento das necessidades da Administração Pública, as compras públicas servem igualmente a uma finalidade mediata, de estimular o desenvolvimento nacional em seus aspectos socioeconômico e ambiental. Em suma, as contratações públicas também devem ter essa feição regulatória, sendo utilizadas pelo Estado para fomentar políticas públicas específicas. (BARCESSAT, 2015). Nessa mesma linha, Ferraz (2009, p. 133) ressalta que “é possível o emprego do procedimento licitatório como forma de regulação diretiva ou indutiva da economia, seja para coibir práticas que limitem a competitividade, seja para induzir práticas que produzam efeitos sociais desejáveis”.

Inegavelmente a consagração desse último valor pela Lei n. 12.349/2010 traz mudanças significativas que impactam tanto o planejamento das contratações públicas quanto o julgamento das propostas apresentadas na licitação. É importante ter a clareza de que a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, assim como a obtenção da proposta mais vantajosa, não é um valor exclusivo da licitação, como inicialmente se poderia acreditar, mas

um valor mais amplo e que repercute também sobre outras etapas da fase externa do processo de contratação pública, como nos casos de dispensa e inexigibilidade de licitação. (MENDES, 2017).

De fato, mesmo nas hipóteses de contratação direta, decorrentes de dispensa ou inexigibilidade de licitação, o princípio do desenvolvimento sustentável deverá nortear a atividade administrativa, garantindo o equilíbrio entre as metas econômicas com os aspectos ambientais e sociais. Semelhantemente, nos casos de execução de obras e serviços diretamente pelo Estado, sem a intervenção de terceiros, também existe a obrigatoriedade de serem sustentáveis as atividades administrativas. (MACHADO; REZENDE, 2016).

Na realidade, a incorporação desse valor às contratações governamentais produz efeitos anteriores e posteriores à própria contratação. O gestor deve analisar, antes de tudo, se é mesmo necessário efetuar a compra, verificando, por exemplo, a disponibilidade e a vantagem na reutilização de bens, por meio de consulta ao fórum eletrônico de materiais ociosos (no caso do Poder Executivo da APF), disponível no portal eletrônico de contratações públicas do Governo Federal – Comprasnet, conforme previsto no art. 7º, § 1º, da Instrução Normativa n. 1/2010, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento (SLTI/MP). (BRASIL, 2010d). Em outros termos, antes mesmo de iniciar o processo de aquisição, cabe responder à indagação típica da sustentabilidade:

É ela realmente necessária e apresenta benefícios que ultrapassam os seus custos diretos e indiretos? Considerou o administrador público, com esmero e capacidade de cálculo (no sentido confiável do termo) a hipótese de resolver a demanda com medidas de racionalização ou com o emprego daquilo que está disponível e ocioso? Mais: a decisão administrativa de licitar coaduna-se com o princípio da sustentabilidade, em todas as suas dimensões, inclusive as sociais e econômicas? Favorece uma solução sistêmica ou contribui para formação de gargalos que só dificultam a vida de todos? Encontra-se a opção desdestinada por motivos subalternos ou ímprobos? A seleção de prioridades encontra amparo ético-jurídico na imparcialidade? (FREITAS, 2016, p. 261).

Superada essa primeira etapa, e chegando-se à refletida conclusão de contratar, o gestor público deve definir o objeto do qual necessita, mais apto a promover o desenvolvimento sustentável, observados os custos e benefícios, diretos e indiretos, ao longo do seu ciclo da vida, ou seja, desde o momento de sua produção até o seu descarte.

Finalmente, quando do cumprimento das obrigações pactuadas, a Administração deverá fiscalizar a correta execução do contrato, bem como a adequação das estimativas que orientaram a contratação, considerando inclusive a disposição final dos eventuais resíduos.

Em temos gerais, assim, as compras públicas sustentáveis devem considerar, no mínimo, ao lado de aspectos sociais e da promoção do comércio justo no mercado global: (a) a redução do consumo; (b) a análise do ciclo de vida do produto (produção, distribuição, uso e disposição) para determinar a vantajosidade econômica da oferta; (c) o estímulo para que os fornecedores assimilem a necessidade premente de oferecer ao mercado, cada vez mais, obras, produtos e serviços sustentáveis, até que esta nova realidade passe a representar regra geral e não exceção no mercado brasileiro; (d) o fomento da inovação, tanto na criação de produtos com menor impacto ambiental negativo, quanto no uso racional destes produtos, minimizando a poluição e a pressão sobre os recursos naturais. (BRASIL, 2016a).