• Nenhum resultado encontrado

2.2 CONTRATAÇÕES PÚBLICAS SUTENTÁVEIS

2.2.3 Contratações da Administração Pública

2.2.3.4 Princípios orientadores do processo licitatório

Entre os pontos mais relevantes no estudo das licitações, certamente os princípios de regência da matéria ocupam posição de destaque. Na lição de Sundfeld (1995, p. 18), os princípios são “ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de se organizar”. Na seara jurídica, eles são importantes não apenas porque informam, orientam e inspiram a criação de regras jurídicas, mas também por serem instrumento de sua interpretação e aplicação, possibilitando que o interprete solucione conflitos não equacionados explicitamente pela legislação.

O processo licitatório, na condição de instrumento indispensável para celebração de contratos administrativos, deve observar princípios específicos, além daqueles que regem a Administração Pública. Nos termos do art. 3º da Lei n. 8.666/1993, as licitações serão processadas e julgadas em conformidade com os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo além de outros princípios correlatos.

Na licitação, o princípio da legalidade se traduz na observância do procedimento formal, dispondo o artigo 4° da Lei n. 8.666/1993 que “todos quantos participem de licitação promovida por órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei.” (BRASIL, 1993). A obrigatoriedade da licitação apresenta-se como corolário do princípio da legalidade, uma vez que, por imposição constitucional (art. 37, XXI, da CF/1988), apenas a lei poderá excepcionar essa exigência, como se fez, por exemplo, nos arts. 24 e 25 da Lei n. 8.666/1993.

Os princípios da impessoalidade e da isonomia são como dois lados de uma mesma moeda. Enquanto o primeiro tem por destinatário principal a Administração Pública, impondo- lhe o dever de neutralidade, de modo a dispensar tratamento igualitário a todos interessados na contratação, sem favoritismos ou discriminações, o segundo volta-se especialmente aos licitantes, garantindo-lhes igualdade de diretos durante o processo licitatório, bem como a própria oportunidade de participar da licitação. Assim, impede-se que haja preferência, quer por meio de cláusulas editalícias, como a indicação de marcas, modelos, ou por qualquer outra exigência que venha exteriorizar preferências (ressalvados os casos em que for tecnicamente justificável, conforme art. 7º, § 5º, da Lei n. 8.666/1993), quer mediante um julgamento tendencioso. Da mesma forma, também haverá vício no edital que contenha exigências excessivas incapazes de influenciar na qualidade do objeto e na segurança da contratação.

Os princípios da moralidade e probidade administrativa exigem atuação honesta, ética e de boa-fé durante todo processo licitatório, tanto por parte da Administração Pública quanto dos licitantes. A moralidade do ato administrativo, juntamente com a legalidade e a finalidade, constitui pressuposto de validade sem o qual toda atividade pública será ilegítima. (MEIRELLES, 2012). A ausência de disciplina legal não autoriza a Administração Pública a uma conduta ofensiva à ética e a moral. A moralidade soma-se à legalidade; portanto, uma conduta compatível com a lei, mas imoral, será invalida. (JUSTEN FILHO, 2012). Conforme lembra a doutrina:

A Lei nº. 8.666 faz referência à moralidade e à probidade, provavelmente porque a primeira, embora prevista na Constituição, ainda constitui um conceito vago, indeterminado, que abrange uma esfera de comportamentos ainda não absorvidos pelo Direito, enquanto a probidade ou, melhor dizendo, a improbidade administrativa já tem contornos bem mais definidos no direito positivo, tendo em vista que a Constituição estabelece sanções para punir os servidores que nela incidem (art. 37, § 4º.). (DI PIETRO, 2006, p. 298).

O princípio da publicidade tem por objetivo assegurar a qualquer interessado a possibilidade de participar e fiscalizar o processo licitatório. (JUSTEN FILHO, 2012). Em decorrência desse princípio, a Administração Pública deve divulgar o processo licitatório para conhecimento de interessados, bem como assegurar o conhecimento, a qualquer interessado, de todos os atos praticados no decorrer do procedimento. Nesse sentido, o art. 3º, § 3º, da Lei n. 8.666/1993 estabelece que “a licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura”. (BRASIL, 1988). O art. 4º da mesma lei também assegura a publicidade ao permitir a qualquer cidadão acompanhar o desenvolvimento da licitação desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos. (BRASIL, 1988).

Por conta da publicidade, os administradores terão o cuidado de seguir a lei e a moral, diante da possibilidade de fiscalização por qualquer cidadão que julgue haver alguma lesão ao patrimônio público. (JUSTEN FILHO, 2012, p. 77). A despeito da obrigatoriedade de se observar o princípio da publicidade no processo licitatório, não se trata de regra absoluta, pois a proposta do licitante, até a sua regular abertura, é considerada sigilosa, como ordena o § 3° de art. 3° da Lei n. 8.666/1993, com vista a impedir que um licitante fique em situação de vantagem em relação aos demais, ou mesmo impedir que haja favorecimento de algum dos concorrentes em detrimento dos demais. Da mesma forma, quando a contratação envolver questões sigilosas, ou durante a reunião da comissão, destinada a análise das propostas e documentos de habilitação, o princípio da publicidade poderá ser mitigado. (MEIRELLES,

2012; JUSTEN FILHO, 2012). Assim, salvo em tais situações, os atos do processo licitatório devem ser públicos, sob pena de nulidade.

Segundo o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, a Administração Pública, deve respeitar estritamente as regras previamente estabelecidas para disciplinar o certame. (MELLO, 2007). Nessa linha, o art. 41 da Lei n. 8.666/1993 dispõe que “a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada”. (BRASIL, 1993). O instrumento convocatório é “lei interna da licitação”, devendo ser observado tanto pela Administração Pública, quanto pelos interessados em participar da licitação. Como ensina Justen Filho (2002) “o instrumento convocatório (seja edital, seja convite) cristaliza a competência discricionária da Administração, que se vincula a seus termos”.

O princípio do julgamento objetivo é decorrência lógica da vinculação ao instrumento convocatório. A análise das propostas deve ser feita com base nos critérios indicados no ato convocatório, evitando qualquer casuísmo no julgamento. Nas palavras de Mello (2007, p. 338), o que se almeja é “impedir que a licitação seja decidida sob o influxo do subjetivismo, de sentimentos, impressões ou propósitos pessoais dos membros da comissão julgadora”. Esse princípio está consagrado nos arts. 44 e 45 da Lei n. 8.666/93, que assim dispõem:

Art. 44. No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei.

Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle. (BRASIL, 1993).

A pretexto de selecionar a melhor proposta, não se admite que sejam amesquinhadas as garantias e os interesses dos licitantes, ignorando-se o disposto no ato convocatório. (JUSTEN FILHO, 2012). Bem por isso, conforme art. 44, § 2º, da Lei n. 8.666/1993, no julgamento das propostas “não se considerará a oferta de vantagem não prevista no edital ou no convite, inclusive financiamentos subsidiados ou a fundo perdido, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes”. (BRASIL, 1993).

Além dos princípios explícitos na Lei n. 8.666/1993, e evidentemente os princípios constitucionais da Administração, a doutrina também relaciona princípios correlatos que devem ser observados durante o processo licitatório. Entre outros, cumpre citar os princípios da adjudicação compulsória, da economicidade e da competitividade.

Para Meirelles (2012), o princípio da adjudicação compulsória garante que o objeto licitado seja atribuído ao primeiro colocado, impedindo que a Administração Pública contrate outro que não o licitante vencedor. A compulsoriedade veda também que se abra nova licitação enquanto válida a adjudicação anterior; todavia não assegura ao vencedor o direito à contratação, mas apenas o direito de não ser preterido.

Como regra, as contratações públicas envolvem o dispêndio de recursos escassos de entidades públicas, visando o atendimento do interesse coletivo. Para atingir essa finalidade, a Administração se depara com vários caminhos a seguir. O princípio da economicidade consiste exatamente em obter, nesse processo de escolha, o máximo de resultado ao menor custo possível. De acordo com Binenbojm (2008), a economicidade envolve uma análise de otimização de custos para os melhores benefícios, enquanto uma dimensão da eficiência. Em outros termos, a análise de economicidade visa identificar se os benefícios da contratação compensam os seus custos, ou seja, busca avaliar se a alternativa escolhida garante o melhor resultado estratégico possível de uma determinada alocação de recursos financeiros, econômicos ou patrimoniais. (BUGARIN, 1998). Nesse cenário, o princípio da economicidade vai muito além do princípio da legalidade, ao possibilitar uma fiscalização mais abrangente da Administração Pública, com a avalição do ato administrativo desde a tomada de decisão sobre o emprego de determinada receita até seu resultado final.

Pelo princípio da competitividade o gestor deve buscar sempre o maior número de competidores interessados no objeto licitado. Visa, assim, impedir que haja restrição, impedimento ou prejuízo à disputa entre os interessados em contratar com a Administração Pública, sob pena de restar comprometida a própria existência do certame. Sob esse aspecto, caracteriza-se como verdadeiro desdobramento do princípio da igualdade, próprio das licitações (MEDAUAR, 2015). Assim, nos termos do art. 37, inc. XXI, da Lei 8.666/1993, as exigências de qualificação técnica e econômica devem se restringir àquelas indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (BRASIL, 1993).

Segundo Di Pietro (2012), a Lei n. 8.666/1993 traz implícito o princípio da competitividade, em seu art. 3º, § 1º, I, ao proibir cláusulas ou condições que comprometam o caráter competitivo da licitação ou estabeleçam distinções ou preferências impertinentes ou irrelevantes para o objeto contratual. Mukai (1994, p. 27) ressalta que a disputa é “tão essencial à matéria que, se num procedimento licitatório, por obra de conluios, faltar a competição (ou oposição) entre os concorrentes falecerá a própria licitação, falecerá o instituto mesmo”. Todavia, Gasparini (2012) lembra que não se invalidará o processo por afronta à competitividade na hipótese de que apenas um interessado venha responder ao chamado da

Administração Pública ou quando, ao final da fase de classificação, só resta um concorrente, se todas as exigências foram satisfatoriamente atendidas e ninguém agiu irregular ou fraudulentamente.