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Capítulo 4 – CONTEXTOS DE ANÁLISE: HUNSRÜCKISCH E TALIAN

4.3 Tópicos de análise e categorização dos dados

4.3.3 Objetivos da política linguística

É insuficiente que as políticas linguísticas em contextos de línguas de imigração tenham um papel apenas mitigador. Em verdade, o Estado não deve uma “compensação” às línguas, como exprime a Carta das Línguas Minoritárias da Europa (CONSELHO EUROPEU, 1992), e sim uma resposta às comunidades de descendentes de imigrantes em termos político-linguísticos.

Tal fato requer que pensemos em termos de “restabelecimento”, não das línguas, e sim das políticas linguísticas. Ora, o Estado não pode devolver aos descendentes de imigrantes as línguas, não só porque tal ação escapa às atribuições do Estado e da forma concreta como o poder é exercido, mas também porque, apesar das tentativas, as línguas de imigração não foram (ainda) destituídas de seus falantes105. O que devemos destacar, nesse sentido, é que o Estado pode transformar as línguas em sombras de si mesmas, instrumentalizando-as politicamente. Por isso, não estamos tratando da ideia – que soa bem, mas não mais do que isto – de que os falantes sejam tidos por “protagonistas”, que “seu lugar de fala” seja respeitado, que as comunidades sejam consultadas ou que emanem do contexto social, de forma abstrata, as políticas linguísticas. Para o restabelecimento das políticas linguísticas comunitárias em contextos de imigração, é necessário que as comunidades de descendentes de imigrantes se conectem novamente com o período anterior a 1939 (antes do fim das escolas de imigração). Isto significa afastar a ideia de que a história começa agora. Por exemplo, vejamos o que afirma Kreutz (1994) sobre a questão escolar nas comunidades de descendentes de imigrantes:

“[...] a partir do final do século passado, toda a questão escolar e curricular foi planejada, incentivada e reestruturada como um assunto de interesse comum e que teria também coordenadas comuns [...]” (KRETUZ, 1994, p. 40).

Nesse sentido, importa ressaltar: a proposta é que não se perca o ímpeto de realização, mas que se refutem as formas de consciência ingênua de que o Estado moderno-capitalista propiciará uma reparação. Nesse sentido, a perda das ilusões é, sem dúvida, o caminho mais promissor. O determinante máximo nesse caso é, como no

princípio, a vontade de poder das comunidades. Vamos retomar o texto de Lúcio Kreutz, uma vez mais, para entender as percepções do autor:

Explica-se, assim, como estas comunidades rurais conseguiam manter-se e conviver praticamente sem precisar de estruturas judiciais e penais, pois organizavam-se fortemente no domínio do simbólico de forma preventiva. Este simbólico logicamente não seria aceito, não valeria de forma idêntica, no essencial, para mais de mil núcleos rurais, se não houvesse uma forte estrutura comunitária com ampla rede de associações criadas e dinamizadas numa perspectiva comum, num projeto comum, ou, talvez, possamos dizer, numa utopia teuto-brasileira (KREUTZ, 1994, p. 40).

A estrutura a que o autor se refere é responsável por cobrar das famílias e comunidades que se engajassem no projeto como um compromisso comum. A coordenação partiu da igreja católica e evangélica, porém as decisões eram tomadas em assembleias mais amplas e solenes, como as Assembleias Gerais de Católicos Teuto-brasileiros, realizadas de dois em dois anos, e as Assembleias do Sínodo Rio-Grandense (visto que a rede de associações e escolas era mais forte no Rio Grande do Sul).

Chama a atenção o fato de que os imigrantes e seus descendentes, até fins da década de 1930, não concebiam o Estado como centralizador. Em outras palavras, a vida não se organizava por eventos nacionais, nem se depositavam as esperanças de realização no direito estatal. Sua organização política era de fato descentralizada, com autonomia local e regional. Esse é precisamente o ponto central, como argumentamos, tanto para que o Estado brasileiro decidisse aplicar as políticas coercitivas de nacionalização contra o “perigo” das ideias de organização comunal (ver BOMENY, 1999; GERTZ, 1991), quanto para que as línguas e culturas de imigração pudessem resistir por tanto tempo, estando a caminho de completar 200 anos de presença no Brasil. Os processos de unificação, na Alemanha e na Itália, recordemos, consolidaram-se apenas no final do século XIX. A respeito da organização descentralizada das comunidades, afirma Kreutz (1994):

Já anteriormente, na carta a Engels, em 25 de março de 1868, Marx reconhecera a especificidade da organização econômico-social e da pequena propriedade agrícola no Hunsrück e lembrou sua origem histórica: “[...] exatamente na minha própria vizinhança, no Hunsrücken, o velho sistema alemão sobreviveu até recentes anos (MARX, 1981, p. 130). A tradição vinha já longa entre os imigrantes alemães, de procurarem estabelecer-se em comunidades rurais com uma rede de

organizações e associações que lhes dessem praticamente autonomia em relação ao Estado. (KREUTZ, 1994, p. 44).

Por “descentralização”, portanto, não devemos entender “a distribuição das competências de organização e administração em nível municipal e estadual”, permanecendo as condições materiais de vida, sobretudo no que diz respeito às ações em políticas linguísticas – tema desta Dissertação – dependentes de políticas públicas. Trata-se de conceber uma forma de poder de realização política de fato auto-organizada, que se mantenha por meio de recursos da própria rede de comunidades. A proposição que fazemos é a de que existem alternativas viáveis para as políticas linguísticas comunitárias em contextos de imigração, desde que as comunidades de descendentes de imigrantes retomem seus processos tradicionais de auto-organização.