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Objeto de Pesquisa e Estratégias Metodológicas

Capítulo I Não há Socialismo sem Feminismo

1. Objeto de Pesquisa e Estratégias Metodológicas

Mesmo que tenha sido feita, na introdução, uma breve apresentação da pesquisadora e se tenha revelado o tema e o objeto de pesquisa que resultou nesta dissertação, é fundamental retomar alguns pontos para uma melhor compreensão da metodologia escolhida para a investigação.

Ao ingressar no curso de mestrado da Universidade Nove de Julho, mais especificamente na Linha de Pesquisa em Educação e Culturas, a pesquisadora já carregava consigo uma certeza: a intenção de analisar o local de trabalho da própria pesquisadora, a Educação Física escolar.

Ao longo do curso, em meio às aulas de mestrado e o trabalho com Educação Física na escola, as incertezas, questionamentos e rebeldias eram constantes, atraindo o foco dos olhares e produzindo certezas, que logo eram colocadas novamente em dúvida. Aos poucos, as disciplinas do mestrado, os debates com as(os) colegas mestrandas(os) professoras(es), sempre atravessados pelas observações a respeito da práxis na escola, e as conversas com o orientador definiram o locus e o problema da pesquisa.

Ao iniciar a investigação, surgiram inúmeras dúvidas. Em meio às dúvidas e as leituras, a história das mulheres, por desvendar o histórico de opressão e rebeldia, característicos de um longo caminhar, referenciando-se no legado freiriano.

Grandes campos de leituras abriram-se à pesquisadora sobre gênero e mulheres na Educação Física escolar. A vontade de conhecer mais profundamente esses temas acabou levando a pesquisadora ao feminismo e às mulheres56 revolucionárias que muito fizeram pela libertação feminina, pela classe trabalhadora, e que, no entanto, continuam desconhecidas pela história.

A partir da escolha metodológica, o projeto foi tomando corpo, se definia e não se limitava mais a uma mera descrição que, embora importante, é incompleta para

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Entre elas: Mary Wollstonecraft, Louise Michel, Flora Tristan, Simone de Beauvoir, Olympe de Gouges, Emma Goldman e Clara Zetkin.

constituir uma dissertação. Passaram a se conectar, com mais nitidez e com mais profundidade as histórias das mulheres e o cotidiano escolar das meninas na Educação Física.

Um passo subsequente necessário foi o de definir os sujeitos da pesquisa. Primeiramente, pensou-se em observar as aulas de Educação Física e entrevistar meninas, meninos e professores(as) nessas aulas. No entanto, algumas dissertações57, embora com temas e propostas diferentes, já haviam percorrido este caminho. A intenção da pesquisadora era o de percorrer caminhos próximos à rebeldia das mulheres, era o de dar visibilidade à mulheres incomodadas e inquietas diante do discurso hegemônico, em especial, sobre o que é ser mulher, o discurso da maternidade, do privado, da delicadeza, da passividade. De um lado, tinha-se, então, a Educação Física que, durante um largo espaço de tempo, foi símbolo de militarismo e da vigilância58. De outro, emergiam as mulheres do movimento feminista, ícone de contestação e da rebeldia.

Contudo, há de se ressaltar a importância do atravessamento da categoria classe junto à categoria gênero. Cisne (2006) afirma que a classe é que vai determinar como as variadas expressões serão vivenciadas pelas mulheres. Para a autora, “em virtude disto, é que uma mulher da classe dominante explora uma mulher da classe trabalhadora, uma idosa pode explorar outra idosa, uma negra pode explorar outra negra”.

Para além da opressão de classe, diversas vezes, na Educação Física Escolar, a opressão ocorre em função da (falta de) habilidade, da (falta de) força, da (falta de) agilidade e de outros fatores ligados ao “desempenho físico”. Contudo, é fato que o atravessamento da categoria classe é de extrema importância a qualquer pesquisa do campo de estudos da mulher e de gênero.

Destarte, esta é uma pesquisa comprometida e assumida, pois é atravessada, todo o tempo, pelas posições pessoais do trinômio professora-feminista-pesquisadora. Trinômio este que ora tece certezas, ora fragmenta-se, produzindo dúvidas, questionamentos e novas inquietações. Como se pode observar, este trinômio repercutiu

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Estas dissertações falam, em sua maioria, de estereótipos de gênero e aulas mistas e separadas por sexo na Educação Física.

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Anos de 1960 e 1970, em que a Educação Física serviu aos interesses do processo ditatorial no Brasil e, ainda hoje, carrega traços desta época.

de forma decisiva nas escolhas da pesquisadora. Assim, a opção metodológica é oriunda e chega à pesquisa por algumas vias, que representam escolhas interessadas e políticas.

A primeira via diz respeito à pesquisadora que teve o intento de buscar identificar e analisar as injustiças contra as meninas/mulheres nas aulas de Educação Física. Nesta via, levantou os processos de conscientização de mulheres sobre a opressão e que, lembrando-se de suas aulas de Educação Física de vários anos atrás, representaram as várias formas de discriminação sofridas e as eventuais resistências de que foram capazes de protagonizar, naquela oportunidade, quando tiveram que desenvolver essa atividade escolar.

A segunda via refere-se à professora de Educação Física que, engajada na luta política, procurou (e procura) discutir, compartilhar e problematizar questionamentos, repensando certos “lugares” reservados às meninas, enquanto mecanismos de dominação do sistema do capital (que engloba e assume a lógica patriarcal).

A terceira tem relação com a feminista que, ao mesmo tempo em que busca identificar, questionar, dar visibilidade e denunciar as estratégias do sistema de opressão e exploração, também anuncia os enfrentamentos e as rebeldias das mulheres, que não têm a devida visibilidade pela “masculinização” até mesmo da ciência, grifando que as relações instituídas são históricas e, por isso mesmo, podem ser substituídas, isto é, que é possível subverter a ordem imposta.

O arranjo das estratégias metodológicas foi, desde o início, trabalhar a partir de entrevistas de mulheres feministas e não-feministas, buscando identificar as “marcas” que ficaram da opressão das mulheres, bem como as das eventuais resistências.

Inicialmente houve muita dúvida sobre a conveniência de se recorrer a entrevistas estruturadas, ou semiestruturadas, ou se o instrumento de coleta de opinião mais oportuno seriam as histórias de vida destas mulheres.

Contudo, o caminho metodológico ganhou nitidez e os procedimentos foram quase que definitivamente fixados quando a pesquisadora, em março de 2009, passou a frequentar um grupo feminista na cidade de Porto Alegre (RS). Foi nesse momento que este estudo não só ganhou seus contornos definitivos, mas, por isso mesmo, teve explicitados também os seus limites. Mais uma vez comprovava-se, agora para a totalidade da pesquisadora-professora-militante, a necessidade de mais “mãos e

mentes”59 para a concretização de qualquer trabalho humano. Em suma, o sujeito da criação cultural, mais que coletivo é, como sempre reitera o orientador desta dissertação, um sujeito transindividual.