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A OBJETWAÇÀO DA TEMPORALIDADE

No documento COGITO E TEMPORALIDADE EM SARTRE (páginas 108-111)

2 3 A TOTALIDADE TEMPORAL

61 Idem; Ibidem (EN,163) 62 Idem; Ibidem.(EN, 163)

2.4. A OBJETWAÇÀO DA TEMPORALIDADE

2. 4. 1. A TEMPORALIDADE PSÍQUICA

Vimos que Sartre, em Les carnets de la drôle de guerre, relutava em identificar a temporalidade ao Para-si. Apontamos como causa disso o fato de que Sartre entendia que, a temporalidade identificada ao Para-si deveria ser totalmente transparente a esse, ou seja, o Para-si teria que estar constantemente voltado para o fenômeno do escoamento do tempo. Mas esse tempo que apareceria ao Para-si (mesmo como um fenômeno de sucessão interna) já não seria a temporalidade original. Assim, as afirmações de Les carnets... sugerem que Sartre, além de recusar fazer da temporalidade original um tempo objetivo (algo com que o Para-si se depara no mundo), também recusa fazer da temporalidade um tempo “subjetivo” (a sucessão das unidades psíquicas) A temporalidade não è assim uma apreensão objetiva ou subjetiva do tempo péla consciência. No entanto, em um movimento posterior da consciência, distinto do movimento de temporaiização, é possível uma apreensão tética da duração “Mas posso ‘sentir o tempo passar5 e captar a mim mesmo como unidade de sucessão.”1 Nesse caso, a duração é objeto de uma consciência tética: a consciência visa ela mesma durando. Esse conhecimento da duração, Sartre distingue dá temporalidade original. A duração que surge no transcender da consciência rumo a si mesma é, enquanto dispersão original, irrefletida. Já a apreensão da duração tética surge através de um ato reflexivo, onde a duração irrefletida da consciência é posicionada. Mas o que ocorre com a temporalidade da consciência quando posicionada pela reflexão?

Para responder a esta questão, devemos retomar a distinção entre reflexão pura e reflexão impura. Como tínhamos visto, a reflexão pura, por ter uma compreensão pré- reflexiva do que quer recuperar, é mais um “reconhecimento” do que um conhecimento. Assim, na reflexão pura não há exatamente uma objetivação da temporalidade. Se a consciência reflexiva evidencia a consciência refletida na sua totalidade, e se essa consciência refletida já surge dispersa nos três ek-stases temporais, a consciência reflexiva capta a consciência refletida como temporal. “Não resta dúvida de que o reflexivo, embora excedido perpetuamente pela totalidade do refletido que ele é à maneira do não ser, estende seus direitos apodíticos a esta totalidade que ele é” 2 Mas além disso, a consciência reflexiva é consciência de si como reflexão. Ela tem consciência (de) si como sendo a

1 SN;p.208.(EN,196) 2 Idem; p 214. (EN,202)

m&griência refletida. A reflexão pura limita-se a reconhece a temporalidade da consciência refletida como “sua” temporalidade. Desse modo, a consciência reflexiva a io se afasta através de ama objetivação da consciência refletida, da temporalidade desta. A consciência reflexiva não se constitui como um olhar intemporal acima da consciência refletida. “{...) na medida em que é presença a si, é presença presente a todas as suas dimensões ek-státicas.”3 O oíhar do reflexivo que posiciona a duração do refletido tem ele próprio consciência (de) si como temporal “O reflexivo não é captação de algo refletido instantâneo, mas tampouco é instantaneidade”.4 “(...} na medida em que é presença a si, fa reflexão] é presença presente a todas as suas dimensões ek-státicas"?

Essa duração que auge na reflexão pura não é ainda a duração psíquica. %..) A reflexão pura continua a descobrir a temporalidade apenas em sua não-substaneíalídade originária”? Não temos uma sucessão e atos ou estados de consciência. O que a reflexão pura “apreenderia” é a temporal ização do Para-si e não a objetivação dessa temporalizaçã© em conteúdos psíquicos. Assim, a reflexão capta o Para-si disperso temporaímente, capta o Para-si em sua ipseidade fundamental.

Porém, como já vimos, além dessa reflexão pura há ainda a reflexão impura. A reflexão impura objetiva a temporalidade do Para-si, projetando-a no Em-sL A temporalidade objetivada pela reflexão impura surge como uma sucessão de fatos psíquicos: uma sucessão de qualidades, estados e atos. Esses fatos psíquicos, surgidos na reflexão impura, adquirem plenitude e se sucedem à maneira do ser das coisas. “O tempo psíquico não passa da coleção conexa dos objetos temporais”.7 Esses fatos psíquicos fluem determinadamente: o que caracteriza sua relação é a sucessão. Assim, os tetos psíquicos não se apresentam como uma realidade ek-stática: um fato psíquico não se organiza com outro teto psíquico, ele “é” organizado. A temporalidade psíquica é sucessão de fatos, mas se esses fetos são plenitudes, eles necessitarão de um movimento que os reúna em um só processo indivisível. A temporalidade psíquica é, desse modo, derivada da temporalidade original: sua unidade não é constituída por ela mesma, ela é recebida. “Com efeito, a unidade absoluta do psíquico é a projeção da unidade ontológica e ek-stática do Para-si”.8 Mas, quais são as características dessa temporalidade objetivad&S

3 lêem; p.2?6.{EN,2Q4) 4ldem: p,215. (EN.2Q3) 5 Ídem; p.216. ÍEN. 204) 6 ídem; p 256. (EN, 204) 7 ídem; p.230. (En,218) 3 ídem; p.227. {EN, 214)

Ao projetar a temporalidade do Para-si no Em-si, a reflexão degrada os caracteres dessa temporalidade: a historicidade não-substancial do refletido é transformada na substancialidade das formas organizadas de fluência.9 A temporalidade passa do modo de ser do Para-si para ser captada como uma espécie de movimento inerte de formas psíquicas. A temporalidade objetivada como temporalidade psíquica torna-se uma totalidade acabada: o Passado, o Presente e o Futuro são fixados no ser. “Não existe aqui ser que tenha de ser seu futuro e seu passado, mas apenas sucessões de formas passadas, presentes e futuras”.10 Essas dimensões originalmente ek-státieas aparecem na temporalidade psíquica sintetizadas no plano do ser. “O reflexivo projeta um psíquico dotado das três dimensões temporais, mas constitui essas três dimensões unicamente com aquilo que o reflexivo era”.11 Desse modo, as dimensões ek-státicas fixadas no ser adquirem a necessidade do passado. O futuro ao tomar-se futuro Em-si, perde seu caráter de “possibiiidade-que-tenho-de-ser” para aparecer como um “agora” ainda não revelado: esse futuro parece existir independentemente do Para-si. “Enquanto tal, o tempo psíquico só pode ser constituído com o passado, e o futuro só pode ser um passado que vem depois do passado presente; ou seja, a forma vazia aníes-depois é tiipostasiada e comanda as relações entre objetos igualmente passados”.12 Mas se esse futuro já existe, ele passará fatalmente ao presente, sem intervenção do Para-si. Já o presente se transformará em um instante: um instante fechado em si que desaparece e toma a aparecer. “A. passagem de um 'agora’ do futuro ao presente e do presente ao passadonãolhe causa qualquer modificação, pois, de qualquer modo, futuro ou não, ele já é passado”.13

Esses instantes fluem na tranquila indiferença da justaposição. A necessidade dessa sucessão é semelhante a de tuna estrutura passada. Assim, o surgimento de tuna nova forma psíquica é captada como tuna determinação vinda do elemento passado com que ela se organiza: parece haver uma influência à distância entre os objetos psíquicos.14 A passagem de um feto psíquico para outro sugere uma relação causal entre eles. Mas a aparente necessidade dessa sucessão surge porque a síntese que reúne as formas psíquicas

é uma “síntese dada”. Cada forma psíquica que compõe esse fluir está de tal forma

organizada com as formas anteriores e posteriores (pois a reflexão posiciona um irrefletido onde passado, presente e futuro já formam um todo) que cada ato que funda a ek-

51 Idcrr,; p.220. (EN,208) * Xáem; p.228. (EN,215) 51 Idem; p.224. (EN,2i2) 12 ídem; p.230. <EN,218> 13 ídero; p.225, (EN,212)

staíicidade da fonna psíquica é encoberto. Assim, a sensação de que um sentimento gera outro (Sartre cita Froust como exemplo dessa espécie de descrição15) ou atua sobre outro determinando-o, surge porque as formas psíquicas resultam da projeção da espontaneidade do Para-si no Em-si, degradando essa espontaneidade “ (...) pelo feto de que o psíquico é Em-si, seu presente não poderia ser fuga, nem seu porvir possibilidade pura”.16

A essa temporalidade “constituída”, a essa “coesão dada” de fetos psíquicos, Sartre identifíea a duração bergsoniana.17 “O que Bergson alcança aqui é opsíquico, não a consciência concebida como Para-si”. I8A “multiplicidade de interpenetração” de que fala Bergson é a revelação de uma totalidade acabada e não de um processo de transcender a si que caracteriza a temporalidade original do Para-si. “A temporalidade psíquica é um datam inerte, bem próximo da duração bergsoniana, que padece de sua coesão íntima sem constituí-la, é perpetuamente temporalizada sem se temporalizar”.15 Do mesmo modo que essa síntese dada garante a coesão da temporalidade psíquica, ela fez com que as formas que compõem essa temporalidade pareçam indivisíveis. Por serem objetivações do Para-si no Em-si, elas fluem na plenitude do Em-si. É exatamente essa indivisibilidade na "multiplicidade de interpenetração” que a intuição bergsoniana capta.

Mas Sartre questionará mesmo que a temporalidade psíquica seja a temporalidade primeira apreendida pela consciência. A apreensão primeira da temporalidade não se dará através de um sujeito voltado para si mesmo, pois no seu surgimento a consciência é consciência do mundo e não consciência tética de si. “É o Para-si que flui, que se convoca do fundo do porvir, que carrega o passado que era; é ele que historia sua ipseidade, e sabemos que é, no modo primário ou irrefletido, consciência do mundo e não de si. (...) a temporalidade psíquica não poderia aparecer ao Para-si irrefletido, pura presença ek-stática

M Idem; p . m (EN£I~5) 13 ídem; p.229. (EN,216) 14ídem; p224. (EN,212)

17 Era Bergson; intuição e discurso filosófico, Franklin Leopoldo e Silva critica a compreensão de Sartre

No documento COGITO E TEMPORALIDADE EM SARTRE (páginas 108-111)