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Seel, op cit.; p 43 2 Idem; p 42.

No documento COGITO E TEMPORALIDADE EM SARTRE (páginas 42-47)

20 do ser consigo mesmo “Nesse sentido, é preciso que nos façamos ser o que somos”.

1 Seel, op cit.; p 43 2 Idem; p 42.

da consciência, mas o próprio Para-si3 é que se determina perpetuamente a não ser Em- si.”4 Assim, a consciência não é apenas falta de ser, ela se faz falta de ser, se determina a existir como não sendo um em-si. “O Para-si não pode manter a nadificação sem se determinar como falta de ser.”5 Se o ser da consciência é caracterizado pela falta e a translucidez da consciência faz com que a consciência seja esta falta ao modo de ser do Para-si, a consciência é essa falta pondo-a em questão. Do mesmo modo que a consciência põe em questão a sua crença, fazendo-a não ser inteiramente crença, a consciência põe em questão a ausência de ser que ela é. Assim, a falta não é simplesmente uma falta na consciência, mas uma falta para a consciência

Mas a consciência (de) falta é simultânea à consciência (de) totalidade. Sem a referência a uma totalidade, não poderíamos dizer que a uma existência falta alguma coisa. A consciência só pode aprender-se como falta sobre o fundo de uma totalidade. “Se aquilo que falta, em sua ausência mesmo, acha-se tão profundamente presente no âmago do existente, é porque o existente e o faltante são ao mesmo tempo captados e transcendidos na unidade de uma só totalidade e aquilo que se constitui a si mesmo como falta só pode fazê-lo transcendendo-se rumo a uma forma maior desagregada. Assim, a falta é uma aparição sobre o fundo de uma totalidade.”6 Do mesmo modo que a sede, ou consciência (de) sede, se transcende rumo a sede saciada, o copo de água surge para a consciência como copo de água para ser bebido. “Na crença, há não só contestação da crença, que faz com que a crença não seja o que é e seja o que não é, mas há na própria estrutura uma espécie de apelo para uma crença que fosse inteiramente crença, que fosse totalmente crença, nada mais sendo do que crença. Há, se o quiserdes, um apelo à fé simples e ingênua.”7 Nesse momento, Sartre faz com que a consciência que ele descreve ultrapasse os limites do instante. Há na estrutura imediata do cogito pré-reflexivo um apelo imediato para que a consciência rume para uma totalidade. Esse apelo não é exterior ao cogito, não é algo que venha posteriormente determinar a consciência como falta disso ou aquilo. A crença, ao mesmo tempo que tem seu ser abalado (que toma-se crença fugidia), afeta-se de um “projeto”: ser não mais essa crença fugidia, mas consolidar essa crença que ela é. Há assim, um movimento da crença rumo à crença que ela deve ser “E como se se dissesse que

3 Para-si é um modo de ser do ser que é presença a si, ou seja, a consciência 4 SN; p. 135. (EN, 128)

5 Idem; p.135. (EN, 128) 6 Idem; p. 138. (EN, 131) 7 CSCS; p. 108.

a consciência quer ser ser-absoluto, como a existência absoluta e substancial da coisa, sendo ainda consciência.”8

A negação que a consciência é faz com que ela surja à distância de si. Mas ao mesmo tempo que o si mesmo surge para essa consciência, ela transcende-se rumo a esse si mesmo. Desse modo, o ser que falta ao Para-si não pode ser o Em-si transcendente. A consciência não almeja coincidir com o Em-si e suprimir-se como consciência. “Se aquilo que a consciência capta como ser em direção ao qual se transcende fosse puro Em-si, ela coincidiria com a nadifícação da consciência.”90 Para-si almeja continuar sendo consciência, só que agora com a estabilidade de ser do Em-si. “É para o Para-si enquanto tal que o Para-si reivindica o ser-Em-si.” 10 O que o Para-si busca é ser seu si mesmo, não mais como um ser que lhe escapa, mas sê-lo totalmente: “Toda a tendência a ser da realidade humana consiste em procurar ser si mesma ao mesmo tempo no plano da consciência e do ser.”11 O que o Para-si procura é ser uma substância, mas uma substância consciente de si. Desse modo, a consciência tende para uma totalidade, que seria a síntese do Para-si e do Em-si: “(...) um ser que seria seu próprio fundamento não enquanto nada, mas enquanto ser, e manteria em si a translucidez necessária da consciência, ao mesmo tempo que a coincidência consigo mesmo do ser-Em-si..”12 O ser para o qual a consciência transcende-se não é mais o puro e simples Em-si, mas o si como Em-si. Desse modo, o si mesmo será a referência para o transcender da consciência. “É o si enquanto sendo o que é

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que permite captar o Para-si enquanto não sendo o que é”.

Mas se a consciência está sempre rumando a este ser, ele deve estar no horizonte da consciência, a consciência deve ter consciência (da) totalidade que ela deve ser. Na medida em que a consciência tem consciência (de) si como falta de ser, ela tem consciência (do) ser que ela deve ser no seu movimento para suprimir essa falta. A ausência de ser que a consciência é, é determinada por essa consciência como ausência de tal ser. Mas esse ser que está no horizonte da consciência e que a determina em seu transcender, não é apenas caracterizado por Sartre abstratamente. Se a falta se revela pela “não identidade do Para-si com seu projeto de ser”14, esse projeto de ser deve ser revelado ao Para-si. Ele se revela como “valor”. O valor é o projeto de ser que está no horizonte de todas as faltas. “Sendo

8 CSCS; p. 108. 9 SN; p. 140. (EN, 133) 10 Idem; p. 140. (EN, 133) 11 CSCS; p. 108. 12 SN; p. 140. (EN, 133) 13 SN; p. 139. (EN, 132) 14 Seel; op.cit. p. 152.

sempre e em qualquer parte o para além de todos os transcenderes, o valor pode ser considerado a unidade incondicionada de todos os transcenderes do ser.” 15

Mas se ele está no horizonte de toda falta e a falta é algo que afeta o ser do Para-si no seu âmago, o valor também está presente “impregnando” esse Para-si. O valor é o si faltado do Para-si. “O valor não é outra coisa que esta totalidade que é o próprio fundamento de cada consciência enquanto ela é presença a si.”16 Mas se o valor é o mais- além de todos os transcenderes, ele deve ser, por definição, inalcançável. O si permanece à frente do Para-si como o que ele deve ser, mas o transcender da consciência nunca alcança a coincidência com esse si.

Vemos agora que a consciência não poderia surgir primeiro para em seguida transcender-se para totalidade que ela deve ser. O que significa (veremos mais tarde) que a consciência não poderia constituir-se inicialmente como uma esfera instantânea. “(...) sem este ser que ela é sob a forma de não sê-lo, a consciência não seria consciência, ou seja, falta: ao contrário, é do ser que extrai para si mesmo sua significação de consciência. O ser surge juntamente com a consciência, ao mesmo tempo em seu âmago e fora dele, e é a transcendência absoluta na imanência absoluta; não há prioridade do ser sobre a consciência nem da consciência sobre o ser: constituem uma díade.”17Desse modo, não temos no cogito pré-reflexivo, como quer Seel, uma esfera autônoma: a unidade consciência intencional-consciência (de) si não surge como um ser cuja desestabilidade é acabada, mas essa sua desestabilidade de ser remete para uma totalidade “Por natureza, o

cogito remete àquilo que lhe falta e ao faltado.”18

1. 3. 2. O TRANSCENDER ATRAVÉS DOS POSSÍVEIS

Como vimos no capítulo anterior, a realidade humana remete ao que lhe falta e ao faltado. O faltado, vimos, é o Em-si-Para-si, ou seja, o valor. Mas o que lhe falta para atingir o faltado? Sartre denomina faltante o que falta para o Para-si atingir o Em-si-Para- si, que é o ser referência nessa transcendência da consciência. Antes de descrçver como o capta este faltante, devemos esclarecer como o Para-si revela a falta no mundo. Sartre utiliza o seguinte exemplo:

15 SN; p. 144. (EN, 137) 16 CSCS; p. 109. 17 SN; p. 141. (EN, 134) 18Idem;p.l39. (EN, 132)

“(•••) se digo que a lua não está cheia e lhe falta um quarto, formulo esse juízo sobre a intuição plena da lua crescente. Assim, o que se dá à intuição é um Em-si que, em si mesmo, não é nem completo nem incompleto, mas é simplesmente o que é, sem relação com outros seres. Para que este Em-si seja captado como lua crescente, é necessário que uma realidade humana transcenda o dado rumo ao projeto da totalidade alcançada - no caso, o disco da lua cheia - e em seguida retome ao dado para constituí-lo como lua crescente, ou seja, para alcançá-lo em seu ser a partir da totalidade, que se converte em seu fundamento.” 19

Desse modo, o Para-si, através de seu transcender rumo a uma totalidade (a lua cheia) determina que à lua crescente falta alguma coisa. Mas o Para-si também determina o que falta para a lua tomar-se cheia: a parte não iluminada da lua é o que, se adicionada sinteticamente à lua crescente, fará com que ela tome-se cheia.

Mas se o que é dado na intuição é somente a lua crescente, o faltante (tal como se revelava o faltado) exige um transcender da consciência. “Assim, o faltante surge no processo de transcendência e se determina por um retomo ao existente a partir do faltado. O faltante assim definido é transcendente e complementar com relação ao existente.”20 Sartre denomina “possíveis” a esse faltante.

Se o ser Em-si, que é fechado em si mesmo, não comporta possíveis, no entanto, a apreensão primeira dos possíveis acontece no mundo. E no ser, e não em uma representação do pensamento, que o possível surge para o homem. Como vimos no caso da lua, o possível é revelado como algo da estmtura objetiva dos seres: a lua crescente traz a possibilidade de que a sua outra parte seja iluminada e assim tome-se lua cheia. O Para-si confere possibilidades ao Em-si.

Desse modo, o ser que se caracteriza pelo transcender, ou seja, o Para-si, projeta sua falta no mundo fazendo surgir a lua crescente como lua que se tomará cheia com a adição de sua parte faltante.

Mas, se nessa projeção tanto a lua crescente quanto a lua cheia e a parte faltante da lua se revelam como seres Em-sis, porém, no transcender original, isto é, no transcender ramo a si, isso se dá de modo diferente. Como vimos, a totalidade faltada não é o puro Em- si, mas o Em-si-Para-si. Mas também o faltante não se caracteriza pelo modo de ser do Em-si: o que falta ao Para-si para atingir seu si também é Para-si. Mas que outro Para-si é esse que falta ao Para-si? Sartre responde: não é outro Para-si. “Com efeito, posto que o ideal surgido é a coincidência do si, o Para-si faltante é um Para-si que eu sou.”21 Mas o Para-si não pode ser esse Para-si que ele é ao modo da identidade, ele deve ser esse Para-si

19 Idem; p. 136. (EN, 129) 20 Idem; p. 147. (EN, 139)

como seu possível. O Para-si é seu possível como ser que ele é à maneira de não sê-lo, isto é, este ser está a sua frente, mas de algum modo ele já o é. Então, o possível é a parte do ser do Para-si que ele ainda não é.

Dizíamos do valor, ou Em-si-Para-si, que ele não podia ser alcançado pela consciência. Porém, se o possível pode ser realizado, porque o Para-si não alcança sua coincidência consigo? A efetivação de uma possibilidade não suprime a ausência de si, pois o ser que surge no momento da efetivação não é mais o Para-si primeiro somado ao Para-si faltante, mas um existente dotado da remissão reflexo-refletidor e que assim surge para si mesmo como falta de ser.

O possível revela que o Para-si no seu surgimento já escapa ao instante.

“Se, portanto, o mundo em que vivemos nos reenvia constantemente às suas possibilidades, é porque essas possibilidades vêm ao mundo por um ser que, ele mesmo, não toma as suas possibilidades de outro lado; dito de outro modo, um ser que é as suas próprias possibilidades, quer dizer, um ser que não é o que é, que não é simplesmente o que é, que não é simplesmente um jogo de reflexos-refletinte, sendo o que é e não sendo o que é no presente, numa espécie de repouso, mas que, além disso, está sempre para lá desta ligação primeira em direção a um novo tipo de ser ou de existência que o atrai.”22

Mas se esse ser está sempre além do instante, da esfera de remissão instantânea entre reflexo e refletidor, não é porque ele transcende-se rumo a uma totalidade conservando essa esfera instantânea, não há efetivamente essa esfera instantânea. A consciência não é inicialmente somente a remissão reflexo-refletidor para em outro movimento se fazer transcendência. A consciência não-tética já é desde seu princípio transcendência. A possibilidade não é algo que venha a se somar do exterior à estrutura instantânea do reflexo-refletidor: “(...) é preciso que a possibilidade como tal seja uma das estruturas da consciência não-tética .”23 Não temos dois momentos (nem abstratamente) na consciência: um primeiro que ela seria intenção do objeto e consciência (de) si, e um segundo que ela seria transcendência rumo a si.

Sartre procura mostrar que mesmo a dúvida cartesiana, que pretende-se instantânea, revela um transcender: toda dúvida, para ser afirmada como tal, deve remeter a uma possibilidade: o surgimento de uma evidência que a suprima. A dúvida que não estivesse aberta a essa possibilidade já não seria dúvida mas uma posição definida sobre a questão. A dúvida “espera” alguma coisa. A dúvida está aberta a uma evidência que ela

21 Idem; p. 147. (EN, 140)

No documento COGITO E TEMPORALIDADE EM SARTRE (páginas 42-47)