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Fluxograma 1 Análise dos pareceres emitidos pelo Conselho de Educação do Distrito

4.2 A OBSERVAÇÃO DAS REUNIÕES DO CEDF

Além da análise dos conteúdos dos pareceres emitidos pelo CEDF ao longo dos anos de 2011 e 2012, também foi relevante para esta investigação a observação de algumas reuniões do Conselho de Educação do Distrito Federal.

A observação do comportamento e do discurso produzido pelos conselheiros durante as reuniões foi de vital importância para que as inferências produzidas ao longo da análise do conteúdo dos pareceres pudessem emergir de forma mais embasada e, portanto, com maior rigor científico.

Vianna (2007) preconiza que o grau de influência da presença do observador sobre o observado pode gerar distorções nos dados gerados durante a pesquisa de campo que se vale dessa técnica. No caso específico desta investigação, verificou-se que a presença da pesquisadora não impactou os conselheiros em suas falas; o trâmite das decisões permaneceu o mesmo ao longo de todas as sessões assistidas.

Para esta pesquisa foi utilizada uma observação semiestruturada, aberta (era de conhecimento dos pesquisados que a investigadora estava presente à sessão com o objetivo de coletar dados para uma pesquisa acadêmica), alicerçada em uma perspectiva naturalista (os participantes foram observados em seu próprio ambiente de decisões em situações reais de interação) e baseada na observação do ‘eu-investigadora’ para o ‘eles-conselheiros’. Para a análise dos apontamentos foi produzido um diário de bordo e a gravação das reuniões. Esse percurso metodológico tem como base teórica as contribuições de Flick (2009).

Para o alcance dos objetivos da pesquisa foram efetuadas observações em cinco sessões. Estas foram realizadas na sede do CEDF e todas tiveram duração média de três horas. As sessões se iniciaram sempre às 14h, pontualmente, e em todas elas foi distribuída uma ordem do dia, que fornece uma ideia global dos assuntos a serem tratados naquela reunião.

Em todas as sessões, as demandas discutidas eram alocadas de acordo com a temática. Em razão disso, a reunião era dividida em momentos em que os temas eram vinculados à Câmara de Educação Básica (CEB), à Câmara de Educação Profissional (CEP), à Câmara de Educação Superior (CES) e à Câmara de Planejamento e Legislação e Normas (CPLN).

A observação das sessões do CEDF apontou que o órgão, em razão das demandas que lhe são apresentadas, tem seu papel muito ligado à esfera de decisões burocráticas e ligadas a aspectos técnicos da condução dos rumos da educação nas escolas do Distrito Federal. É interessante que se ressalte uma questão inusitada: entre as discussões das demandas específicas de cada dia por vezes são debatidas questões de interesse do público, justamente por sua vinculação a elementos dos processos de cidadania, de democracia e de participação social, além de questões vinculadas à diversidade e ao multiculturalismo. Ou seja: questões de grande relevância não emergem como foco das decisões, aparecendo apenas em momentos periféricos das falas dos conselheiros ou em momentos da fala de alguém da assistência que traga alguma questão específica – mas sempre com o aval do CEDF.

Na reunião do dia 19 de março de 2013, a pauta de discussão do CEDF alicerçou-se na mudança de nome de uma escola privada e na aprovação da proposta pedagógica de outra instituição, também privada. Em meio à análise dessas duas questões, os conselheiros envolveram-se em uma discussão vinculada à importância do ensino técnico e à ênfase do

governo federal em incentivar essa modalidade de ensino. Em seguida, trouxe-se à tona a questão do entendimento se a frequência de 75% exigida no regime de ciclos – recém- implantado na rede pública do Distrito Federal – deveria ser ao final do ciclo ou ao final de cada ano letivo do ciclo.

Vê-se, por essa primeira reunião, que questões que realmente podem impactar a vida dos cidadãos acabam não sendo o foco das discussões, justamente pelo fato de a própria população não demandar o CEDF para essas questões. Nesse sentido, pode-se inferir que a população, grosso modo, desconhece as atribuições desse órgão ou tem uma visão estanque, reconhecendo o CEDF apenas em seu aspecto burocrático e técnico.

Em 2 de abril de 2013, a pauta teve como foco o credenciamento e a mudança de endereço de uma instituição privada, bem como a análise de um currículo de instituição privada. Mais uma vez emerge a categoria da qualidade da educação e da falta espaço nas demandas para a discussão de aspectos ligados à cidadania, à diversidade e ao multiculturalismo. Também se reforça o fato de as esferas públicas quase não acionarem o CEDF para a análise de demandas.

Durante a sessão do dia 9 de abril de 2013, o foco foi o recredenciamento de um curso técnico de enfermagem. Tratou-se de sessão exaustiva, na qual o parecer que acompanhava o processo foi analisado com muito cuidado e com muito foco. A fala dos conselheiros durante a sessão, por sua vez, foi toda organizada no sentido de ratificar e elogiar os trâmites empreendidos até ali no que se referia à análise do pleito em tela.

Seguindo-se a análise dessa sessão, foram convidadas uma professora e uma coordenadora da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF) para que fosse feita uma exposição sobre a adoção do regime de ciclos na SEDF. Assim como em sessões anteriores, o tema não se referia à pauta do CEDF, portanto não passaria pelo crivo dos conselheiros. Tratou-se, somente, de uma exposição sobre assunto ligado à demanda da educação.

Entretanto, a presença de um assunto que gerou – tem gerado – tanta polêmica em vários setores da sociedade (a adoção do regime de ciclos) deveria ser uma demanda a ser discutida pelo CEDF. A adoção dessa nova forma de se pensar o tempo, a organização curricular e a organização espacial das escolas interferem diretamente nos rumos que a educação tomará no DF a partir de então. Trata-se de temática que deveria demandar todos os agentes ligados à educação para uma participação efetiva em suas discussões, pois o impacto dessa medida afetará diretamente todos os alunos da rede de educação pública do DF. No entanto, mais uma vez uma questão de fundo extremamente pertinente não ocupou espaço nas linhas de ação do CEDF.

A sessão do dia 19 de abril teve como foco de discussão as diretrizes para prosseguimento de estudos na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Novamente comparece demanda vinculada à questão ligada à qualidade do ensino, e ficam em posição satélite outras demandas ligadas à diversidade e ao multiculturalismo.

Na sessão dessa data foi dada a palavra à secretária da Secretaria de Estado da Mulher, que apresentou um material distribuído nas escolas para se discutir com os alunos questões de gênero e de identidade sexual. Esse mote proporcionou o envolvimento dos conselheiros em uma discussão muito profícua a respeito de como esses temas estão sendo debatidos nas escolas e de como os docentes têm sido preparados para não reproduzirem estereótipos e preconceitos vinculados a esses assuntos em sala de aula.

Durante a discussão, todos os conselheiros evidenciaram a importância de o CEDF adotar uma posição acerca dessa questão e enviar uma recomendação às escolas a fim de que esse material, desenvolvido pela Secretaria de Estado da Mulher – em parceria com a Secretaria Nacional da Mulher –, possa realmente ter um efeito positivo na formação dos alunos. Além disso, trouxeram à tona, embora de maneira informal, a importância de se estender essa temática também a outras faces da identidade de gênero, como a questão da homossexualidade e o enfrentamento da homofobia nas escolas.

Na sessão do dia 23 de abril, realizou-se a análise de proposta pedagógica de escola técnica e a apuração de irregularidades na emissão de certificados de conclusão de ensino médio por uma escola privada. Durante a avaliação dessas pautas os conselheiros enfatizaram a importância de procedimentos mais detalhados para o exame dessas propostas, como a necessidade de se ter em mãos planos de curso, currículos e outros documentos que possam garantir a qualidade das instituições e evitar irregularidades.

As observações demonstraram que o CEDF cumpre um papel importante como elo entre as ações do Estado e a sociedade civil. Todavia, talvez por desconhecimento da própria sociedade civil, questões relevantes para a construção de uma noção de cidadania realmente vinculada à noção de democracia ficam fora do foco de discussões desse órgão.

Nesse sentido, essas discussões emergem de forma periférica ao longo das sessões, quando, na verdade, deveriam ocupar um espaço privilegiado que pudesse ser convertido em decisões que impactassem os rumos da educação no DF e, por consequência, os rumos da sociedade aqui constituída.

Vê-se, pois, que as mudanças empreendidas no seio da sociedade são de caráter social, uma vez que se realizam a partir da mudança de paradigmas na relação das pessoas, como seres sociais, com a realidade que as cerca. Tais mudanças, de fato, só são possíveis quando

as pessoas, em uma postura participativa, deixam o simples status de indivíduos para alcançar a condição de cidadãos, ou seja, pessoas que têm consciência de sua função na organização da sociedade.

Desse modo, somente quando a sociedade civil se apoderar, verdadeiramente, de seu

status de ‘cidadão’ é que o CEDF terá condições de se organizar como um órgão em

condições de discutir não apenas questões técnicas (que também têm sua importância), mas também questões capitais para a compreensão da educação como um locus de transformação social. Essa função certamente efetivar-se-á a partir de uma consciência política que se vincule à participação e compreenda a diversidade e o multiculturalismo como fatores de agregação e de riqueza em uma dada sociedade, e não como elementos de esfacelamento dessa consciência cidadã.