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4 RESULTADOS OBTIDOS

4.1 Observações: anotações no diário de campo

As observações extraídas das anotações no diário de campo foram realizadas durante o período de encontro com as entrevistadas. Estabeleceu-se um roteiro de observação a partir da experiência com as mesmas na ocasião da coleta de dados no local da interação. Relevante destacar que as entrevistas foram realizadas no período de dezembro de 2015 a março de 2016, ou seja, boa parte refere-se a período de festas, férias escolares. Outra informação importante é que a pesquisadora foi propositalmente para a coleta de dados sem o endereço de localização das bibliotecas públicas procuradas.

Cinco das dezoito participantes não foram entrevistadas nas bibliotecas públicas em que atuam. Duas delas escolheram como local de interação com a pesquisadora sua residência própria e residência de parente, uma escolheu um café (nestes três casos, as profissionais gozavam férias ou licença) e outras duas escolheram outros estabelecimentos da administração

pública (por julgarem mais adequados para entrevista). Nestes casos, para além destas informações, não foram realizadas maiores anotações em diário de campo.

Portanto, as observações foram alvo de maiores registros quando a entrevista ocorreu em seus locais de trabalho, a partir de três pontos pré-estabelecidos:

a) Ao chegar na praça principal da cidade, perguntar aos transeuntes ou comerciantes onde se localiza a biblioteca pública b) Ao localizar a biblioteca pública, observar sua localização e entorno

c) Na biblioteca pública, observar a presença e as atividades realizadas pelos usuários

Tais observações foram sentidas como relevantes por se relacionarem com o objetivo do estudo e não expor as participantes. Como trata-se de um grupo facilmente identificável, houve um grande cuidado para não observar questões que pudessem romper com o trato estabelecido relacionado ao sigilo. Os relatos das observações são realizados a seguir e descritos em primeira pessoa do singular, como num diário.

4.1.1 Sem endereço: chegando na cidade

Chegar na cidade sem a localização da biblioteca foi uma ideia pensada a partir da percepção de que eu poderia ter uma medida do conhecimento (ou o contrário) da biblioteca pública por parte da população. Cavalcante (2010) conta em sua pesquisa sobre gestão de bibliotecas públicas municipais a respeito de um morador de um município do Estado do Ceará que informava não saber onde ficava a biblioteca pública estando diante dela.

Pensava: “será que a população da cidade pode me guiar até a biblioteca pública local?”. A partir disso, estabeleci o primeiro quesito de observação de meu diário de campo: ‘ao chegar na praça principal da cidade, perguntar aos transeuntes ou comerciantes onde se localiza a biblioteca pública’.

Meu ponto de chegada nas cidades, portanto, era a praça principal de cada cidade catarinense que visitei. As praças foram localizadas mediante placas de sinalização de trânsito (nem sempre eficazes), sem previamente ter acessado qualquer mapa. Fiz todas as viagens com automóvel e demais recursos próprios

e inicialmente decidi estacionar sempre perto da praça central e caminhar até onde fosse preciso para observar o entorno.

Em uma das treze bibliotecas visitadas para coleta de dados, não cheguei nem a conhecer a praça central pois passei de carro bem em frente, assim que cheguei na cidade. A biblioteca municipal estava relativamente próxima à praça e muito bem identificada.

Nas demais, ao chegar na praça de cada cidade e estacionar, duas delas foram rapidamente identificadas, sem que precisasse pedir qualquer informação, localizam-se próximas à praça central e são facilmente identificadas em virtude dos letreiros de suas fachadas.

Em um dos casos visitados, a biblioteca mudou tanto de lugar que só consegui a informação correta de sua localização após abordar vinte e duas pessoas, entre transeuntes de várias idades e comerciantes. A biblioteca não ficava longe da praça, entretanto, havia grande confusão em sua localização pela quantidade de mudanças já realizadas. Fui para dois lugares diferentes, onde a biblioteca havia se estabelecido anteriormente, antes de chegar Ao local atual da biblioteca.

Em três casos houve grande dificuldade de localização, pessoas que não sabiam da existência biblioteca pública na cidade ou sobre onde se estabelecia. Duas delas estavam localizadas bem distantes da praça principal e, em um desses casos, só foi possível a localização via Internet. Em dois destes três casos, a localização ocorreu mediante abordagem com mais de trinta pessoas, entre transeuntes, comerciantes e servidores de repartições públicas.

Nas outras seis bibliotecas, houve rápida indicação, perguntei ao menos para cinco pessoas e todas responderam prontamente acerca do mesmo local.

4.1.2 Localização e entorno das bibliotecas públicas visitadas

No segundo quesito de observação: ‘ao localizar a biblioteca pública, observar sua localização e entorno’, foi possível perceber que, das treze bibliotecas visitadas, dez delas estão próximas das praças centrais e três mais distantes.

No caso das bibliotecas mais próximas das praças centrais, ou encontram-se localizadas ao lado da praça, ou na

própria praça, ou é possível acessar o prédio com breve caminhada.

As três bibliotecas públicas municipais que não se localizam na região central, também não estão situadas em bairro economicamente carentes, ao contrário, uma delas encontra-se em um dos bairros mais nobres de uma das cidades visitadas.

Foi possível através de conversa informal com a participante e mediante observação do entorno de algumas destas bibliotecas públicas (e em especial, a biblioteca localizada na praça central) moradores de rua, mendigos, maiores e menores de idade utilizando drogas. Em dois destes casos, a participante mencionou que a entrada da biblioteca é costumeiramente utilizada para abrigo e local de pernoite para os moradores de rua.

Duas das treze bibliotecas públicas visitadas funcionam dentro de centros culturais do município, dividindo as instalações com outros serviços como aula de música e outras manifestações artísticas, exposições, auditório... No instante da visita, pareciam possuir uma movimentação diferenciada, como será mencionado no tópico a seguir acerca das observações sobre os usuários.

4.1.3 Usuários nas bibliotecas e outras anotações relevantes

Importante destacar que os comentários acerca dos usuários na biblioteca são um “retrato” do momento da visita mas pode ser confirmado no discurso das participantes, de bibliotecas com pouca animação, pouco movimento, pouca utilização.

Com relação ao último ponto observado para anotações em diário de campo – ‘Na biblioteca pública, observar a presença e as atividades realizadas pelos usuários – foi possível perceber que em quatro das treze bibliotecas públicas visitadas havia um movimento de pessoas dentro da biblioteca, cadeiras e sofás ocupados, pessoas consultando catálogos, andando pelas estantes de livros e outros materiais do acervo, a manifestação de uma atividade cultural (contação de história) no espaço da biblioteca, balcão de atendimento sendo solicitado. Duas delas, as mais movimentadas, como mencionado anteriormente, estão dentro de centros culturais do município.

Um registro relevante de conversa com uma participante merece destaque por não ter sido falado na gravação da entrevista, portanto, solicitei para a mesma autorização para anotar em meu diário e mencionar no texto do estudo por julgar se tratar de situação concreta da vida cotidiana e que pode suscitar muitas reflexões e mudanças na forma de gerir estes serviços e na conduta do profissional. Sempre que possível, após a entrevista aconteciam papos soltos sobre o trabalho na biblioteca pública, situações peculiares, sobre a cidade em que atuam estes profissionais, as condições de trabalho, questões particulares... Em uma dessas conversas uma das participantes, ao destacar a diversidade de público que frequenta biblioteca pública e como se sente impotente e sem saber com agir em algumas situações, lembrou um fato curioso que aconteceu na cidade em que atua profissionalmente, cidade turística do litoral catarinense. Recordou que é comum que nas temporadas de verão a prefeitura municipal faça um trabalho de revitalização da cidade para receber o turista, com limpeza das ruas, melhoria de infraestrutura etc. Em um desses períodos, utilizava a biblioteca pública com frequência um morador de rua que foi abordado dentro do estabelecimento da biblioteca por dois funcionários a serviço da prefeitura de maneira coercitiva, para que deixasse o local, utilizando argumentos não convincentes e sem explicar para onde o levariam. Este morador de rua, nunca mais retornou à biblioteca. Segundo a entrevistada, que no acontecido já atuava na biblioteca e presenciou o ocorrido, era comum o sumiço de moradores de rua e mendigos no período de temporada de verão e visita de turistas à cidade. Ao recordar a situação desabafou seu sentimento de injustiça com a cena, de impotência diante do fato, sua falta de informação para lidar com a situação específica e sua surpresa ao compreender que sua profissão e ambiente de atuação incluíam questões que jamais imaginaria durante sua formação profissional.

Muitas questões não foram mencionadas no diário de campo por expressar particularidades do profissional e para preservá-lo de possíveis identificações por parte de colegas de profissão. Entretanto, um ponto marcante e que anotei em quase todas as visitas é que foi possível observar nos comentários posteriores ao encontro, a surpresa de encontrar um pesquisador interessado no que a profissional em questão tem a falar, com a minha motivação para o deslocamento até as cidades, a

necessidade de troca e desabafo destas profissionais principalmente com relação aos baixos salários e o fato de parecer “invisível” para os gestores públicos aos quais estão atreladas.

Em algumas vezes, me senti situada pelas participantes como alguém responsável por auxiliar nas dificuldades do ambiente de trabalho (que não são exclusividade da classe bibliotecária que atua em bibliotecas públicas no Brasil) em que se encontram. Algumas entrevistadas parecem lidar bem e ter algum preparo e ânimo para superar problemas, mas a maioria parecia “passear” entre o lamento e o grito de socorro. O encontro com as entrevistadas “apertava” ainda mais o meu compromisso com o estudo em questão.

4.2 As bibliotecárias dirigentes de bibliotecas públicas