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Sobre a atuação em bibliotecas públicas em Santa Catarina: situações promotoras de exclusão social, boas

5 INTERAÇÕES COM O DSC FINAL

5.2 Sobre a atuação em bibliotecas públicas em Santa Catarina: situações promotoras de exclusão social, boas

práticas éticas de bibliotecários nas bibliotecas públicas, atuação do bibliotecário de bibliotecas públicas catarinenses e observações relevantes que se relacionam com as temáticas

Neste estudo, parte-se do pressuposto de que as bibliotecas públicas, animadas por pessoas podem promover situações de exclusão. As respostas a três perguntas são colocadas neste ponto do estudo para interpretações, a primeira diz respeito a sua percepção sobre em qual situação (ou situações) a exclusão social pode se dar; a segunda, sobre as boas práticas éticas de bibliotecários nestes ambientes de atuação e a terceira, sobre a atuação do bibliotecário de bibliotecas públicas catarinenses.

Mesmo que todos que atuam em bibliotecas públicas estivessem atentos à questão da exclusão, situações em que pessoas e grupos pudessem se sentir à margem de sua prestação de serviços, ainda seriam possíveis. Trata-se de um espaço social, como tantos outros, em que a interação é constante. Que situações esse sujeito coletivo já presenciou ou, partilhando com outras pessoas, teve a oportunidade de conhecer sobre possíveis situações de exclusão promovidas por bibliotecas públicas? Quais seriam boas práticas éticas de bibliotecários identificadas pelo sujeito coletivo? Qual a percepção deste coletivo acerca da atuação de seus colegas bibliotecários de bibliotecas públicas de Santa Catarina?

Ao ser convidado a expressar algo para além do que foi perguntado, o sujeito expressa suas dores: da invisibilidade da biblioteca pública perante os gestores públicos, falta de cuidado, de orçamento, a falta de valorização e diferença salarial de quem trabalha em outras categorias de bibliotecas, a formação do profissional, sobre as bibliotecas públicas em Santa Catarina, sobre o estudo em questão. Portanto, além das três respostas elaboradas pelo sujeito coletivo, estão também colocadas para

interação observações realizadas ao final da entrevista que se relacionam com as perguntas em questão.

5.2.1 O atendimento, o tratamento e as regras que incidem sobre os usuários

O sujeito menciona como uma atitude promotora de exclusão na biblioteca o tratamento discriminatório, a maneira de acolher, de tratar, falar com a pessoa, a indiferença, a humilhação, não prestar o serviço, favorecer pessoas em detrimento de outras.

[...] quando eu atendo mal [...], [...] não importa da onde ele vem, como [...] ele seja, [...] a maneira como eu trato essa pessoa, como eu acolho [...] não pode ser diferenciada [...], [...] o jeito de tu falar com a pessoa [...], [...] pergunta algo que eu não ligo [...], [...] dizer que esse livro não é pra ti. [...] “[...] é pra pessoas cultas”, [...] ter um livro e [...] dizer que não tem [...] guardei pro outro [...], [...] não [...] abrir exceções pra favorecer ninguém.

Essa questão relacionada ao atendimento, no que refere à discriminação dos usuários, também é rememorada quando o coletivo se manifesta sobre uma boa prática ética do profissional que atua em biblioteca pública:

[...] dar oportunidade a todos, [...] o atendimento de qualidade [...] sem distinção, [...], [...] reconhecer que [...] o serviço prestado ali é pra todo mundo [...], [...] a gente tem isso no discurso mas pensar assim no dia-a-dia, dentro da minha prática profissional.

Neste aspecto, porém, o próprio coletivo enfatiza que a questão do acesso para todos está no discurso do profissional, entretanto, em sua atuação, na rotina de trabalho, necessita refletir mais sobre.

Tal apontamento relaciona-se com a dificuldade revelada pelo coletivo quando aborda sobre a possibilidade de exclusão a partir do seu ambiente de atuação, nos conflitos gerados entre os que atuam nas bibliotecas públicas e alguns usuários como moradores, menores de rua e andarilhos, por exemplo:

[...] Em bibliotecas públicas a gente costuma ter [...] [...] morador de rua [...], [...] andarilhos [...] gente que vem muito suja [...], [...] a gente acaba [...] não facilitando [...] não ficar muito tempo [...], [...] pedimos [...] vá se ajeitar, tomar banho [...], [...] porque incomoda todo mundo [...]. [...] Algumas pessoas [...] a gente fica

com medo [...], [...] pelo aspecto [...]. Acontece também de ter [...] criança, [...] adolescente [...] de região mais pobre [...] sem chinelo, no inverno [...] de roupa curta [...], [...] não sei se elas seriam andarilhas [...], [...] percebia [...] de outros funcionários, [...] não querer liberar o computador, dificultar alguma coisa, [...] ou [...] cuidado pra ver se elas não vão levar livro [...] um tipo de exclusão [...].

Moradores de rua, andarilhos e meninos de rua, como já mencionado, fazem parte de grupos estigmatizados e por vezes são excluídos dos serviços de bibliotecas públicas por sua condição de higiene, por suscitar nas pessoas sensação de insegurança ou representar ameaça à ordem do ambiente. O coletivo discorre sobre formas de concretizar esta exclusão: não facilitar o acesso ao que se deseja, a solicitação para que ele se retire e tome banho, não oferecer acesso a serviços (no caso do computador), ter atitude de desconfiança com o usuário fazendo um julgamento prévio sobre sua conduta e dificultar o empréstimo do acervo – todas situações que podem gerar constrangimento, vergonha e a sensação de não pertencimento, de não ter direito àquele espaço e serviço.

Há ainda o relato da relação com usuários dependentes de álcool ou drogas:

[...] gente alcoolizada, [...] a gente até pra não deixar entrar diz “não [...]”, porque depois [...] como é que sai? A gente atende criança [...]. [...] Quando vem esse pessoal da praça [...] de droga [...], [...] a gente nunca deixa pessoas sozinhas aqui dentro pra não dar problema de [...] assaltar [...] a gente trata com a maior naturalidade do mundo [...],[...] quando a gente vê que a coisa ultrapassa a gente acaba chamando o bombeiro

A atitude do dirigente de biblioteca pública com estes indivíduos que geram insegurança no ambiente é de proteção às crianças, demais usuários e ao patrimônio. Essa proteção acontece fechando as portas da biblioteca para estas pessoas ou instalando uma política de monitoramento. Entretanto, há que se pensar que a condição de bêbados e drogados é uma condição passageira, assim que termina o efeito das drogas, o sujeito está ali. Ele pode entrar novamente nesta condição, mas sairá tão logo esse efeito cesse.

A condição destes cidadãos não seria também da alçada dos responsáveis por bibliotecas públicas? Se o profissional provê acesso à informação para gerar conhecimento para

melhoria da qualidade de vida conforme manifestou a respeito da função social da biblioteca pública, excluir esses indivíduos e não dar suporte devido, sustentando um discurso de que é somente um problema de saúde pública, por exemplo, seria uma incoerência. Rayward (1977 apud ALMEIDA JÚNIOR 1997a) levanta também a questão de que a biblioteca pública já foi vista em países com Estados Unidos e Inglaterra como uma alternativa de combate ao alcoolismo, criminalidade e vício e contribuir para a prevenção de distúrbios de ordem pública.

Castrillón (2011, p. 45-46) relaciona algumas responsabilidades do profissional que atua em bibliotecas públicas e que qualifica como éticas, sugerindo a organização de debates públicos com temas necessários à comunidade, que tenham a ver com os problemas do dia a dia, bem como, a possibilidade de desenhar ações que não cheguem somente ao público que já frequenta espontaneamente a biblioteca, os “já iniciados”, mas aos “excluídos das atividades relacionadas com o pensamento ou com opções de vida não inscritas na sociedade majoritária”.

Estamos considerando que o grupo outsider do microcosmo de Winston Parva é um grupo excluído. Não se enquadra em nenhuma das situações descritas anteriormente pelo sujeito coletivo (morador de rua, pedinte, menores de rua, andarilhos...), já que era excluído por compor um grupo que não era morador antigo da localidade - e este era seu “rótulo”.

Elias e Scotson (2000) através do seu estudo sugerem que as condições atribuídas a indivíduos que fazem parte de grupos supostamente excluídos, como coloca o sujeito coletivo em seu discurso (negros, gordos, andarilhos, pessoas do interior etc) é apenas um “rótulo”. Segundo os autores, problemas que são discutidos sob o rótulo de “problemas raciais”, “minorias étnicas”, “classes sociais” e outros são na verdade problemas de “mobilidade social”, num contexto mais abrangente do termo. (ELIAS; SCOTSON, 2000)

As pessoas de unidades sociais diferentes irão se comportar de formas distintas, específicas. Ao se deslocarem de um lugar para o outro, ou seja, de um grupo social para outro, precisam estabelecer novos relacionamentos com grupos já existentes. Grupos que possuem padrões, crenças, sensibilidade e costumes diferentes dos seus. Por receio da modificação destes padrões, muitas vezes lhes é atribuído o papel de

outsiders por parte do grupo de status superior (ELIAS; SCOTSON, 2000), pouco importando o quanto mais possam ter em comum como seres humanos. (ELIAS, 1994b).

A discriminação com usuários pode se estender para indivíduos ou grupos com outros “rótulos”, segundo o próprio sujeito coletivo, pode ser uma [...] postura de [...] exclusão [...] com o público inteiro [...]. O sujeito menciona uma orientação que recebeu de uma funcionária mais antiga assim que entrou para trabalhar na biblioteca:

[...] tu tens que ver, [...] quando a pessoa vem aqui [...] a calça jeans dela, se é [...] boa, dependendo como for, tu atende [...].

Neste caso entra em jogo outro “rótulo”, a pobreza. Em registro anterior já houve abordagem sobre a pobreza como forma de exclusão. Merece destaque também - levando em consideração a condição de pobre - que há um discurso de proteção da criança e, quando se trata de menor de rua, como foi possível observar em relato anterior, essa fala desaparece e dá lugar ao controle, à negação de serviços para essas crianças.

Também causa estranhamento o discurso da função social da biblioteca de estar aberta para todos independente de qualquer condição, também, de provisão de alimento, água e banheiro (as necessidades básicas) para quem precisa e a contradição de dificultar a permanência de moradores de rua, por exemplo, para que não permaneçam no local. Se não são destinadas para este público, que parece ser o que mais necessita, serão destinadas para quem tais benesses da biblioteca?

O sujeito coletivo sugere uma boa prática ética que poderia confrontar a situação de discriminação, a de colocar o usuário em primeiro lugar, privilegiá-lo em detrimento das regras estabelecidas:

[...] Não importa que atrase um dia, dois [...] o público tem que estar em primeiro lugar [...] tem que atuar em função do seu público. [...] servir ao seu público [...].

[...] Facilitar o uso da informação também, não excluir [...], [...] disponibilizar a informação independente dessas regras [...] ter [...] jogo de cintura, [...] não [...] impossibilitar o empréstimo [...].

O próprio coletivo identifica como medidas promotoras de exclusão social, as regras impostas por tomadores de decisão responsáveis pelas bibliotecas públicas, que terminam por desfavorecer grupos como os citados anteriormente e outros,

que não detém critérios pré-estabelecidos por estes dirigentes e que possibilitam a utilização de serviços:

A começar pelas regras [...], [...] na biblioteca só [...] pegar emprestado livro com [...] um comprovante de residência. [...], [...] para um andarilho [...] você já exclui [...].

A biblioteca universitária possui como usuários mais frequentes universitários; a especializada, os especialistas de cada área; a escolar, os membros da Escola em questão... Levando em consideração que a biblioteca pública atende a um público muito mais diversificado e amplo, público que é categorizado e por vezes estigmatizado, segue a pergunta: todos os usuários possíveis para uma biblioteca pública podem ser colocados igualmente em primeiro lugar? Ela está atuando e servindo de igual forma em função de todos os públicos?

Ao constatar que algumas bibliotecas públicas não atuam como públicas, atendendo um setor restrito da população e limitando suas possibilidades para as pessoas como ressalta o artigo de Sousa et al (2014), Castrillón (2011) pergunta: não teria essa biblioteca, chamada de pública, maior responsabilidade social?

O discurso de oportunidade e acesso a todos que é tecido pelos profissionais se esvazia diante de posturas divergentes que merecem reflexão no dia a dia, na atuação profissional – uma constatação do próprio sujeito, de uma boa prática ética. Nesse sentido há que se recordar Freire (1989) e sua colocação sobre a questão da coerência entre o que se proclama como escolha e a prática como relevante para educadores críticos, pois “não é o discurso o que ajuíza a prática, mas a prática que ajuíza o discurso”.

Ao refletir e discorrer sobre a atuação do bibliotecário de bibliotecas públicas catarinenses o sujeito coletivo identifica neste cenário o profissional apegado às regras:

[...] percebo [...] aquela preocupação [...] com regras, [...], [...] eu acho que o bibliotecário às vezes fica muito preso nisso [...] o prazo muito certinho [...] acaba afastando o usuário.

Souza (2014a) em um texto em que elenca dez atitudes questionáveis do bibliotecário brasileiro, em uma delas, ressalta a questão da multa pecuniária. Em se tratando de biblioteca pública custeada pelo poder público, o próprio usuário - “proprietário” da coleção – poderia instituir, coletivamente, a

melhor maneira de aumentar o benefício que a utilização do acervo poderia proporcionar à comunidade.

Ao invés de afastar, tal medida aproximaria o usuário, como a medida de isenção do comprovante de residência aproxima. Se o bibliotecário percebe que essas medidas excluem, por que permanece fazendo?

Esse parecer do sujeito traz para discussão nuances de outra questão importante em torno do objetivo deste estudo que é a formação deste profissional, que será abordada a seguir.

5.2.2 A formação do bibliotecário e sua relação com a classe e demais trabalhadores que atuam nas bibliotecas públicas: impactos em sua atuação na biblioteca pública

O sujeito coletivo, dirigente de biblioteca pública, ainda que expresse, não parece estar atento às questões de exclusão em seu cotidiano de trabalho. Algumas falas endossam essa afirmativa:

[...] um pesquisador [...] interessado em saber o meu ambiente de trabalho [...], [...] me faz parar e refletir [...], [...] sobre o que acontece [...]

Na discussão anterior, outra fala do sujeito também enfatiza a ideia de pouca reflexão em torno do acesso para todos em sua prática profissional, por exemplo, embora esteja no discurso do profissional. Há um fator colocado pelo sujeito com relação a sua formação que se revela como postura capaz de fomentar medidas excludentes:

com relação à [...] formação do bibliotecário [...] ele [...] sai [...] tão modelado, tão cheio de regrinhas [...] não pensa fora daquilo ali.

No contexto estudado, emerge a dificuldade por parte do profissional, tanto para a reflexão quanto para a ação, quando o assunto é diversidade de usuários, ou, a relação com usuários estigmatizados. Há também uma ideia de um profissional, como mencionado anteriormente, “preso nisso” ao se referir às regras, com pouco “jogo de cintura” e capacidade para ampliar o pensamento, o que reflete, em parte, sua formação, sua relação com uma classe profissional, com as normas reguladoras e com grupos. Souza (2014a), estudioso da formação bibliotecária, afirma que entre os profissionais há a característica da

manutenção de “mentes estreitas do ponto de vista social e moral”.

O coletivo manifesta-se sobre a formação técnica e humana:

[...] Além de ter essa parte técnica, ele precisa ser uma pessoa humana, carismática, [...] atender bem todos, acolher [...], ajudar quem necessita [...],

“O status e o papel do bibliotecário é revalorizado quando se aceita que seu trabalho supera o estritamente técnico- profissional e se reconhece que esse trabalho permite a outros transcender e melhorar sua condição humana” (CASTRILLÓN, 2011, p. 40). Uma das habilidades destacadas por Rastelli e Cavalcante (2013) compreendida como relevante no trabalho de bibliotecários que atuam em bibliotecas públicas é o estabelecimento de relações afetivas com o leitor. Pode-se ampliar para o usuário no geral.

O sujeito manifesta-se acerca de uma série de posturas que julga ser uma boa prática ética do profissional para com os usuários, para estes que não sejam impedidos de usufruir de seus direitos no que se refere aos serviços oferecidos pela biblioteca pública:

[...] adaptar-se a cada cidade, a cada população [...], [...] ter essa interação [...], [...] procurar chegar até o público [...],

[...] A imagem da biblioteca sempre botando [...] pra cima [...] a biblioteca pública do povão [...],

[...] vem muita gente pra [...] conversar [...] tu tenta [...] também dar esse tempo pra pessoa [...], [...] brigo pela biblioteca, eu brigo pelos leitores [...], [...] eu represento eles [...], [...] é minha obrigação como profissional [...], [...] escutar e tentar buscar e melhorar [...], [...] eu quero ser justa com a outra pessoa, então essa busca do ser justo com todo mundo, é uma coisa que [...] a gente tem que sentar e negociar [...].

Uma questão mencionada pelo sujeito coletivo é a situação de ter que “adaptar-se a cada cidade”. Esta questão é relevante porque pode-se perceber que o Estado de Santa Catarina tem uma pluralidade cultural distribuída em suas Regiões e por vezes o sujeito coletivo atua fora de sua cidade de desenvolvimento, conhece pouco da cultura ou dos os costumes de outras localidades. Necessita adaptar-se se quiser interagir com o

público e isto é visto como boa prática ética, como escolha e as escolhas pessoais compõem as escolhas profissionais.

Também, uma biblioteca com a imagem direcionada para o “povão”, necessita acolher o que engloba o termo mas em relatos anteriores evidencia-se a dificuldade em incluir alguns indivíduos do chamado “povão”.

Quando o coletivo menciona que “[...] vem muita gente pra [...] conversar [...] tu tenta [...] também dar esse tempo pra pessoa [...]” gera também uma contradição com a afirmativa de colocar o usuário em primeiro lugar. Se assim fosse considerado não haveria a situação de ‘tentativa de dar tempo’, esse tempo seria necessário, usual, parte de seu trabalho. Rasche (2005), em pesquisa sobre as representações de ética e de ética profissional em bibliotecas públicas com base no discurso de bibliotecários de bibliotecas públicas identificou postura semelhante através da fala: “procuro ser mais objetiva porque não tenho muito tempo, mas se o usuário fala eu escuto”.

Como há poucos funcionários nestes ambientes de trabalho, muitas vezes o profissional tem que se dividir em várias funções, por isso menciona a “prioridade para o usuário”. Rasche (2005), entretanto, em seu estudo, identifica que o bibliotecário por vezes está tão envolvido com suas atividades técnicas, que demonstra indiferença com o usuário que, por sua vez, quando procura o bibliotecário sente que está incomodando, atrapalhando seu trabalho.

Parece cada vez mais comum [...] que tenhamos bibliotecários que se sentem mais confortáveis quando atuam majoritariamente nas funções de catalogadores, classificadores, indexadores e preenchedores de planilhas. Na condição de verem a biblioteca como a coleção de materiais, quaisquer demandas que os retirem das tarefas mencionadas são consideradas como tempo morto, sobretudo aquelas em que o usuário, ou leitor, ou consulente precisa de um ouvido e de atenção para falar de algo. [...] Como preferência, grande parte dos bibliotecários roga aos seus deuses, que não venham os usuários como leitores ou consulentes, isto é, como pessoas. Melhor ainda que eles se

satisfaçam com trabalho a distância, isto é, sejam apenas usuários. (SOUZA, 2014a) Em resposta ao questionário, o sujeito coletivo responde ser o processamento técnico a atividade que mais toma seu tempo em sua rotina de trabalho.

Quanto ao bibliotecário de biblioteca pública de Santa Catarina, o sujeito coletivo manifesta seu ponto de vista a respeito do profissional:

[...] acho que peca na formação e na hora da atuação fica meio confusa [...], [...] precisa ter um foco diferente na própria formação [...].

[...] Eu vejo bibliotecas públicas bem sucedidas que têm profissionais humanistas na sua frente, eu não vejo bibliotecas públicas bem sucedidas assim, [...] ela pode ter atividades, ela pode ter tudo, mas aí talvez estão outras pessoas à frente realizando essas atividades, não o bibliotecário [...].

Nesta parte de seu discurso, o sujeito coletivo levanta problemas inerentes à formação do profissional e o curso:

[...] A gente precisa humanizar mais nosso curso, as técnicas são extremamente importantes, a parte administrativa também, [...] a parte de direito autoral [...] Políticas públicas precisam ser inseridas pra humanizar [...] são fundamentais pra gente ver mudança inclusive na nossa profissão. Quando a gente se conscientizar que a política pública que é participar do Sistema Nacional de Cultura, [...] das Conferências de Cultura, que vão nos legitimar e nos dar poder pra conseguir as coisas eu acho que a gente vai ter um outro passo.

[...] Há alguns professores no curso [...] eu acho que têm condições de manter e de ampliar essa questão humanística, mas que seja imprescindível se perceber que se não for assim, ele não vai alcançar todos. [...] continua sendo de uma certa forma uma profissão excludente.

O ensino de Biblioteconomia emprega uma falsa dicotomia da ‘formação geral cultural’/’formação técnica profissional’ e estabelece-se para os conteúdos técnicos uma impossibilidade de resgatar no seu ensino um sentido humanista (filosofia, antropologia, sociologia, psicologia, história e prática da criação e da ação bibliotecária, entre outros enfoques). A falácia acompanha a vida profissional da maioria dos profissionais brasileiros e os cursos configuram-se como espaços de

“instrução e aprendizagem de aplicação de regras e macetes técnicos como se o saber bibliotecário fosse destituído de todo o sentido humano e como se o conhecimento técnico fosse uma concepção advinda de outros planetas”. (SOUZA, 2001, p. 47)

Essa insuficiência epistemológica no tratamento educacional do conteúdo técnico da Biblioteconomia faz com que este ensino neutralize a capacidade de pensar e de expandir-se do aluno de Biblioteconomia, com péssimos reflexos futuros no exercício da profissão. (SOUZA, 2001, p. 47)

Pode-se perceber que a formação do bibliotecário – uma socialização secundária - neste caso do bibliotecário de biblioteca pública catarinense, pode fomentar práticas de exclusão credenciando um profissional que não percebe que precisa olhar o outro em sua prática.

Essa condição, aliada ao descaso com que alguns servidores públicos são doutrinados para o trabalho, com indiferença e sem se apropriar do sentido de seu ofício, possivelmente afeta a gestão de pessoal realizada pelo bibliotecário. O sujeito coletivo menciona sobre a interação com os demais funcionários da biblioteca em que aparece também pouca disposição de encontro com o usuário:

Também [...] tem a história dos funcionários [...] eles reclamam [...] porque tem muita gente [...], [...] a moça que estava aqui antes [...] não tinha interesse de atendimento [...] botou a mesa dela [...] atrás do armário porque não dá pra ver

Ainda sobre a formação do profissional, uma dessas consequências negativas de que fala Souza (2001) em citação anterior, possivelmente, é a falta de articulação e postura política.