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1 ) O JOGO DE OBSERVADOR

A) As palavras ou a língua, escrita ou falada, não parecem ter função alguma

2) O ATO OBSERVADOR

Em todo caso, a dificuldade em reconhecer uma capacidade produtiva ao observador perspassa toda a história da arte. Paul Klee era particularmente sensível a esta divisão, e em algum momento ele acenara uma conciliação:

6 FEYNMAN, Richard in: ROOT-BERNSTEIN, Robert. Spark of Genius: Thirteen Thinking Tools of World’s Most Creative People. Boston: Houghon Mifflin Harcourt, 2001 p.312 [Tradução do autor]

Signed Sign Marcel Duchamp

Tem de haver alguma região comum aos espectadores e aos artistas, na qual é possível uma aproximação mútua, artista não precisa aparecer como algo à parte, mas sim como uma criatura que, como os senhores, foi lançada sem aviso num mundo multiforme e, como os senhores, tem que achar seu caminho, por bem ou por mal. O que diferencia a artista dos senhores é o fato de ele lidar com a situação usando seus próprios meios, e com isso às vezes acabar sendo mais feliz do que aquele que não é criador, que não alcança a salvação contida na criação de formas reais. Essa vantagem relativa deve ser concedida ao artista de bom grado, porque em outros aspectos ele tem muitas dificuldades.7

O artista - conforme certa apologia cujo eco pode-se faz ouvir através da fala de Klee - é aquele que por excelência possui os meios práticos para orientação no mundo caótico, multiforme, muitas vezes deliberadamente informe; a ele é concedido, mais do que aos outros, a salvação, pois ele é capaz de produzir objetos reais, sólidos. Um espectador nada produz e, portanto, não possui nenhum meio de clivar, parar, sintetizar ou revirar o derredor - em outras palavras, o espectador não pode gozar da alegria e da dificuldade confinadas à produção do próprio mundo através processos formais. Precisamente por isso ele só pode expectar que a obra de arte traga alguma força ordenadora capaz de imprimir forma ao mundo, ou ainda, que ela seja capaz de oferecer-lhe o espetáculo de Proteu capturado .

A arte contemporânea, seguida de perto pelas novas instituições que lhe acompanham - entre diversas, os novos institutos de pesquisa artística, sociológica e industrial, bem como as equipes de arte-educação -, tenta resolver esse problema do “espectador” de inúmeras maneiras, e muitas delas serão discutidas ao longo do livro. Em geral, ela se configura mediante uma tentativa de abrir mão do imperativo “produtivo” em arte que divide a humanidade entre criadores e espectadores. Entretanto, em muitos casos essa liberação da pressão produtiva tem sido apenas uma espécie de transferência: em vez de se questionar o estatuto do produtor, conclama-se a que todos se tornem um. É a apologia do “faça você mesmo” que, se outrora produzira uma força liberadora em um regime altamente lógico e regrado, tem obtido atualmente, na arte contemporânea, um efeito inverso, a promoção de certo caráter sistêmico, integrado ao Capitalismo Mundial Integrado e suas forças linguístico-econômicas.

“Nós facilitamos para você uma esfera na qual você pode fazer uma marca. Não apenas fazer uma marca, mas imprimir uma marca que importa para você. Faça seu desejo, imprima seu sonho. Faça alguma coisa.”8Esta fala poderia facilmente ser confundida com a de um executivo

de uma mega-corporação tecnológica; é, porém, de dois artistas9. O artista capitalista não

trata da lua enquanto sujeito, nem da lua enquanto matéria (júpiter como metano e amônia),

7 KLEE, Paul. Sobre a arte moderna. In: Sobre a arte moderna e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edições, 2001, p. 52.

8 http://thecreatorsproject.vice.com/show/make-your-mark-on-the-moon-with-olafur-eliasson-and-ai-weiwei 9 Moon (2014), trabalho de Ai WeiWei e Olafur Eliasson

mas de uma lua substituída por um puro código binário capaz de concentrar fragmentos individuais de comunicação em uma grande massa dispersa, fragmentada e egocêntrica. “Faça você mesmo” na mão desses artistas seria algo mais próximo à “use o dispositivo que criamos”.

A regra geral do cmi (Capitalismo Mundial Integrado) é que não há nada anterior a uma produção ou criação que não possa ser configurada como uma “informação pura” e doravante processada para gerar um novo produto. Trata-se de um regime cujo paradigma da criação é o da tradução: no limite da linguagem haverá sempre a linguagem, e nada mais. Não é a toa que, na música e nas artes, o ruído, o glitch, a falha, o noise, venha sendo explorado de tantas formas. O resto é ruído: se criar é traduzir, o ruído é apenas uma falha do mecanismo de processamento de dados; ou, pelo contrário, algo que nos ameaça, nos persegue, atravessa enquanto uma espécie de magma, algo incompossível de ser integrado em uma linguagem conhecida?

Entretanto, não é para a integração total via comunicação, nem para as eventuais falhas de tradução de um signo existente para outro meio ou sujeito linguístico, que as “imagens e os signos mais ou menos claros” que falara Einstein, eventos mais ou menos assombrosos ou deslumbrantes, pretendem apontar; é para o limite do signo e, portanto, da própria expressão, que o pensamento urge em observar:

Ao pensar no compromisso da atuação artística há um primeiro aspecto, de alguma maneira produtivo, estimulante, compreensivo, que se situa na relação com o público, aquele para quem as coisas são feitas. Mas por outro lado, há também algo que passa por cima de tudo isso. (...) Para mim o fundamental sempre foi o momento em que deslumbro a ideia, em que esta cruza o meu cérebro. Esse é o momento verdadeiramente interessante. Depois há que pensar mais, detalhar, realizar, mostrar, falar sobre o trabalho, e isso para mim sempre foi outra coisa. Fazer, materializar, ver, foi em todo momento uma coisa quase, não digo aborrecida, mas certamente não a faceta mais prazerosa do processo artístico.10

Do assombro ao deslumbramento - ó-através. Para isto se apontara. Ver, falar sobre o trabalho é outra coisa. Em uma era que se urge em falar da integração produtiva em cadeias hierárquicas de criação, nossa aposta consiste em voltar à figura do observador.