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OBSERVAR ENQUANTO PERFORMANCE

capítulos mecânica

1) OBSERVAR ENQUANTO PERFORMANCE

Jacques Rancière, no artigo “O Espectador Emancipado”1 publicado na revista

Artforum em 2007 e posteriormente integrado em livro homônimo, confronta-nos com a ideia

1 RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. Trad.: Daniele Avila Small. In: Questão de Crítica - Revis- ta eletrônica de Crítica e Estudos Teatrais. Vol. I, nº 3, maio de 2008. Disponível em: http://www.questaodecritica.com. br/2008/05/o-espectador-emancipado/

– o melhor gesto do meu cérebro é menos que o tremer de tuas pálpebras que diz que somos um para o outro: então ri, sem medo, em meus braços pois a vida não é nenhum parágrafo. e a morte (eu acho) não é nenhum parêntese

e. e. cummings

DIVERSÃO

de um espectador emancipado em relação ao teatro, isto é, um espectador capaz de beneficiar- se criativamente de sua condição supostamente “passiva” - contrariando o que o domínio do “drama teatral” gostaria de ver superado em favor de uma postura “ativa”. Ainda que ele se dirija a pessoas ligadas ao teatro, suas reflexões podem ser estendidas quase integralmente para a arte contemporânea em geral; sobretudo quando, na arte, vê-se a inclusão de formas performáticas - como as utilizadas pelos coletivos, discutidas anteriormente; e até mesmo a ação pressuposta por Inserções. ou contida em Eureka/Blindhotland.

A pertinência em se afirmar a condição emancipada efetuaria-se na medida em que fosse permitido demonstrar que o teatro carrega, ao longo de toda sua história no ocidente, uma má consciência acerca desse espectador - sem o qual o teatro não poderia existir e que, entretanto, este não cessaria de relegá-lo a uma condição paradoxal. Tal paradoxo seria que um espectador, ao contrário do ator que age, nada poderia fazer senão observar passivamente aquilo que se encena, e então estaria, para o teatro, inerentemente condicionado a um miserável olhar alienado.

Olhar é uma coisa ruim, por duas razões. Primeiro, olhar é considerado o oposto de conhecer. Olhar significa estar diante de uma aparência sem conhecer as condições que produziram aquela aparência ou a realidade que está por trás dela. Segundo, olhar é considerado o oposto de agir. Aquele que olha para o espetáculo permanece imóvel na sua cadeira, desprovido de qualquer poder de intervenção. Ser um espectador significa ser passivo. O espectador está separado da capacidade de conhecer, assim como ele está separado da possibilidade de agir.2

O teatro somente expressar-se-ia na presença desse espectador que, entretanto, só logra ser incluído no domínio do “drama teatral” enquanto permanece atado à busca da superação de sua condição passiva.

A origem do apologia negativa do espectador remontaria, para Rancière, a Platão, que teria visto no teatro em geral uma coisa ruim, pois não passaria do “palco da ilusão e da passividade, que deve ser posto de lado em favor daquilo que ele proíbe: conhecimento e ação – a ação de conhecer e a ação conduzida pelo conhecimento”3. Na visão platônica,

o teatro em sua forma integral, e não apenas o espectador, que deveria ser suprimido, pois uma comunidade ideal não poderia compreender uma mediação do conhecimento através de sombras ilusórias apresentadas a sujeitos imóveis ignorantes. Numa comunidade ideal, somente as atitudes vivas para o conhecimento poderiam expressar as verdadeiras virtudes coletivas.

Rancière argumenta que, embora Platão apresentasse uma solução lógica para o problema da condição do espectador - a supressão de todo o teatro -, com o tempo, verificou-

2 Ibidem. 3 Ibidem.

se uma outra abordagem da mesma questão. Ainda que, de fato, mantenha-se uma relação fiduciária à mesma expectativa platônica de supressão, o teatro, hoje, dividem a questão em dois: de um lado, haveria uma essência positiva da ação (drama) do teatro, ação de corpos vivos para outros corpos vivos; porém, essa ação estaria condicionada a um espectador “passivo” (ótica) que a impediria de realizar sua essência comunitária de trocas ativas. Logo, não se trataria mais de negar campo do teatro como um todo, mas de buscar um teatro essencial, isto é, fundamentado na ação e libertado de toda a passividade carregada espectador imóvel, ainda alienado de suas capacidades produtivas.

O teatro deve ser trazido de volta à sua verdadeira essência, que é o contrário daquilo que é normalmente conhecido como teatro. O que se deve buscar é um teatro sem espectadores, um teatro onde os espectadores vão deixar esta condição, onde vão aprender coisas em vez de ser capturados por imagens, onde vão se tornar participantes ativos numa ação coletiva em vez de continuarem como observadores passivos.4

A virada por um novo teatro puramente dramático teria nas posturas paradigmáticas de Bertolt Brecht e Antonin Artaud um pêndulo fundamental. Assim elas teriam sido configuradas pelos dramaturgos, respectivamente:

Por um lado, o espectador deve ser libertado da passividade do observador que fica fascinado pela aparência à sua frente e se identifica com as personagens no palco. Ele precisa ser confrontado com o espetáculo de algo estranho, que se dá como um enigma e demanda que ele investigue a razão deste estranhamento. Ele deve ser impelido a abandonar o papel de observador passivo e assumir o papel do cientista que observa fenômenos e procura suas causas. Por outro lado, o espectador deve abster-se do papel de mero observador que permanece parado e impassível diante de um espetáculo distante. Ele deve ser arrancado de seu domínio delirante, trazido para o poder mágico da ação teatral, onde trocará o privilégio de fazer as vezes de observador racional pela experiência de possuir as verdadeiras energias vitais do teatro.5

Em jogo está a política da libertação de toda a passividade: em Brecht, conquistada através do alcance da máxima distância entre ótica e drama (ciência); em Artaud, pela superação de toda distância possível entre ambos (mágica). Pêndulo entre a racionalidade e incorporação vital.

Ambas circulariam em torno da expectativa de uma comunidade sincrônica de gestos, que seria a essência fundamental de toda a ação teatral. Portanto, superar a condição do espectador seria, em última instância, efetivamente realizar a promessa de uma nova

4 Ibidem. 5 Ibidem.

comunidade vital inerente à essência do teatro. Aquelas tais práticas que se consideravam, enfim, opostas a Platão, na medida em que não apenas reconheceriam uma essência positiva fundamental do teatro; como também, ao contrário do filósofo, reconheceriam que tal essência é portadora - e não destruidora - da realização da comunidade como vida sincronizada. Muito mais que uma distração da verdade, o teatro, no interior de um paradigma brecht-artaudiano, seria a própria condição do alcance da verdade comunitária.

Porém, argumenta Rancière, tal oposição seria, de fato, apenas o escamoteamento de uma relação mais profunda com o paradigma platônico: manter-se-ia então, do platonismo, conservada uma oposição entre theather e choreia:

Platão estabeleceu uma oposição entre uma comunidade poética e democrática do teatro e uma “verdadeira” comunidade: uma comunidade coreográfica na qual ninguém permanece como espectador imóvel, na qual todos se movem de acordo com um ritmo comunitário determinado por uma proporção matemática.6

Para Rancière, os reformadores do teatro - simbolizados por Brecht e Artaud - não teriam sustentado a oposição da mesma forma que platão, mas teria reorganizado-na como uma contradição entre o “corpo vivo” do teatro (choreia) e a “ilusão de mímesis”, isto é, o “simulacro do espetáculo” (theater) 7. O autor recorre agora não a um dramaturgo, mas ao

“filósofo” Guy Debord, para avalizar sua reflexão. Espetáculo, na crítica desse, não passaria de um “reino da visão” alienante, o lugar onde o homem, despossuído de sua essência, contemplaria-a separada de si numa versão espetacular, cuja mímese - ecoando o descrédito lançado por Platão - seria a máxima do entorpecimento da faculdade moral.

Ante o espetáculo, o teatro passaria a abrigar uma vontade de auto-supressão, de auto- diluição no quadro geral da vida para beneficiá-la de uma verdadeira organicidade capaz de fazer frente à alienação sombria gerada pelo espetáculo. O teatro, dessarte, buscaria apodar-se do theater para poder alcançar a plenitude da choreia, isto é, tornar-se esperança da refundação da comunidade. Choreia tornaria-se a única essência do teatro; e para alcançá-la a primeira ação seria, por fim, abolir completamente o espectador, insígnia da passividade intrínseca ao domínio do theater. Fundamental, portanto, seria ir além do condicionante do espectador e alcançar uma verdadeira comunidade enquanto “corpo vivo” cujas funções vitais se exerceriam tanto mais naturalmente na medida em que não haveriam mais situações de pura passividade onde quer que seja. Exemplo evidente dessa a utopia seria, para o autor, o romantismo alemão, que creria numa revolução estética onde se teria

a comunidade como um meio de ocupar o tempo e o espaço, como um conjunto de gestos vivos e atitudes vivas que estão acima de qualquer forma ou instituição políticas; a comunidade como um corpo performático e não como um aparato de

6 Ibidem. 7 Ibidem.

formas e regras8.

Rancière então confronta-nos: a dicotomia entre atividade e passividade, e a tentativa de sua superação, não faria, na verdade, nada mais que eternamente refundá-la? A promessa de comunidade do teatro não seria, precisamente, uma forma de torná-la inalcançável?

De fato, devemos questionar o próprio fundamento no qual estas ideias estão baseadas. Estou falando de toda uma gama de relações, firmando-me em equivalências e oposições chaves: a equivalência entre teatro e comunidade, entre o ato de ver e a passividade, entre externalidade e separação, mediação e simulacro; a oposição entre coletivo e individual, imagem e realidade viva, atividade e passividade, consciência de si e alienação.9

Tratar-se-ia, para Rancière, de uma dramaturgia calcada na culpa e redenção: culpa-se o espectador por condicionar o teatro a uma prisão que, entretanto, somente ele poderia superar plenamente. O teatro, nesse caso, não passaria de uma mediação entre o mal do espetáculo e o teatro verdadeiro; verdade, entretanto, perdida, na medida que ele carece da mediação para organizar o anúncio de sua supressão. Isto é: retomando a metáfora de Stéphane Huchet, o teatro estaria esticando um elástico cujo limite máximo - a supressão de si para sua efetiva realização enquanto comunidade - jamais seria rompido, pois isso significaria, conforme já propunha Platão, destruir também o próprio teatro.

E o teatro teria, então, se revestido de intenções pedagógicas para orientar o espectador com lições precisas sobre a melhor forma para que esse logre liberar-se de sua condição passiva e miserável. Afinal, a “mediação que se auto-suprime”, com efeito, é “precisamente o processo que deve acontecer na relação pedagógica. No processo pedagógico, o papel do professor é colocado como o ato de suprimir a distância entre a sua sabedoria e a ignorância do ignorante.”

Rancière retoma então o pensamento de Joseph Jacotot, educador francês do início do século XIX, cujos escritos visariam romper com essa relação pedagógica via mediação. Para o educador, tal mediação não passaria de um engodo que, ao pretender demonstrar-se como auto-suprimível ao aluno, em verdade nada mais fazia do que perpetuá-lo num processo de “verificação sem fim da desigualdade” que se abre entre ele e seu mestre. Jacotot teria chamado isso de “processo de embrutecimento”. Daí a necessidade de se afirmar o Mestre Emancipador, uma figura oposta, cujo fim é precisamente romper com a clivagem mestre/ignorante ao afirmar uma igualdade entre todas as manifestações possíveis do conhecimento. Nessa teoria, o aluno que aprende fá-lo servindo-se de uma mesma e igual compostura em relação ao saber que seu mestre; e a diferença entre conteúdos não poderia mais ser demonstrada pois, em verdade, ambos não fazem mais do que repetir o fato primordial em que

8 Ibidem. 9 Ibidem.

O animal humano aprende tudo do mesmo modo que aprendeu a sua língua materna, como se aventurou pelas florestas das coisas e signos que o rodeiam para assumir seu lugar entre seus companheiros humanos – observando, comparando uma coisa com a outra, um signo com um fato, um signo com outro signo, e repetindo as experiências que ele encontrou primeiramente ao acaso10.

Entre o cientista e o suposto ignorante, portanto, não haveria mais do que uma partilha de uma mesma faculdade de comparação e formulação, cujo fim não seria mais do que o meio que cada um se serve para contar as suas “aventuras intelectuais e para entender o que outra inteligência está tentando comunicar-lhe de volta.”

Nesse caso, não tratar-se-ia mais de suprimir a distância - seja ao modo de Brecht, ao expandi-la ao máximo; seja ao modo de Artaud, ao obliterá-la na pura aproximação - e sim de compreender que ela, em si, “não é um mal que deve ser abolido. É a condição normal da comunicação”.11 O Mestre Emancipador desenvolveria essa consciência junto aos alunos

quando “ele não ensina o conhecimento dele aos alunos. Ele inspira estes alunos a que se aventurem pela floresta, digam o que estão vendo, digam o que eles pensam sobre o que já viram, verifiquem isto e assim por diante.”12

O recurso a Jacotot permitiria, segundo Rancière, demonstrar que o teatro, ao pretender suprimir-se, conserva sempre uma distância como base e, assim, nada mais faz do que conservar uma série de oposições

olhar/saber; olhar/agir; aparência/realidade; atividade/passividade – são muito mais que oposições lógicas. Elas são o que eu chamo de partilha do sensível, uma distribuição de lugares e de capacidades ou incapacidades vinculadas a estes lugares. Em outros termos, são alegorias da desigualdade.13

O teatro, portanto, em sua apologia ocidental, não seria o espaço privilegiado da esperança de uma vida comunitária, e sim o exato oposto, o lugar de um longo e contínuo exercício de dessimetria social, na medida em que julga razoável lançar sobre o espectador toda uma sorte de pressões e expectativas que, em verdade, cotejadas as bases de sua produção, não passariam mais do que uma empedernida conservação do antigo preconceito contra o lugar do “olhar”. Isto é, o teatro esteriliza-se devido sua própria intenção; e o faz por motivos inconsistentes, quando seria possível razoavelmente demonstrar - diz Rancière - que a alienação pode também definir o trabalho do ator, que age sem poder contemplar o futuro, as ideias, etc, justamente por estar reduzido à condicionante da ação.

O ponto chave para Rancière seria, então, abandonar a expectativa de um teatro

10 Ibidem. 11 Ibidem. 12 Ibidem. 13 Ibidem.

diluído numa nova comunidade e então retornar a um elogio da convenção representativa “democrática e poética” onde “os espectadores veem, sentem e entendem algo na medida em que fazem os seus poemas como o poeta o fez, como os atores, dançarinos ou performers o fizeram.”14 Isto somente tornar-se-ia possível se o dramaturgo abandonasse a expectativa de “transmitir uma mensagem homogênea” ao espectador, que deve apreendê-la sem distorção e depois pô-la em ação no tecido social. Abandonando qualquer noção de causa e efeito, o dramaturgo proclamaria a igualdade entre eles e, à semelhança do Mestre Emancipador, compreenderia que todo espectador procede ao modo da tradução e, nesse sentido, produzem forçosamente suas próprias versões do que veem, sendo-lhes permitido descobrir aquilo que o dramaturgo ainda não sabe, consequentemente, a observação seria o lugar potente de criação de uma ação que, doravante, tem como efeito resultante algo incalculável pelo mestre.

Seria preciso, então, reforçar a presença de uma “terceiro termo” que seria compartilhada simultaneamente pelo dramaturgo, ator e espectador, onde todos inverteriam seus papéis e, trocando entre lugares ativos e passivos, ser-lhes-iam dados a condição efetiva de uma igualdade criativa.

Este espetáculo é um terceiro termo, a que os outros dois podem se referir, mas que impede qualquer forma de transmissão “igual” ou “não-distorcida”. É uma mediação entre eles e esta mediação de um terceiro termo é crucial no processo de emancipação intelectual. Para evitar o embrutecimento é preciso que exista algo entre o mestre e o aluno. A mesma coisa que os conecta deve também separá-los. Jacotot colocou o livro como o algo que fica no meio. O livro é a coisa material, exterior tanto ao mestre quanto ao aluno, através do qual é possível verificar o que o aluno viu, o que ele disse a respeito, o que ele pensa sobre o que disse.15

Ora, mas não haveria hoje um teatro “mais prudente”16, o autor se pergunta, que

buscaria exatamente esmaecer a relação direta de causa e efeito na comunicação, procurando reconfigurar a distribuição dos entes do theatron - p.ex., atores na platéia, espectadores no palco, ausência de ideia central? Nesse caso, responde Rancière, uma

“redistribuição” de lugares é uma coisa; a demanda de que o teatro alcance, como sua essência, a reunião de uma comunidade una é outra. A primeira provoca a invenção de novas formas de aventura intelectual; a segunda provoca uma nova forma de distribuição platônica dos corpos em seus próprios lugares – ou seja, em seu lugar “comum”.17

14 Ibidem. 15 Ibidem. 16 Ibidem. 17 Ibidem.

Portanto, se de um lado, tal redistribuição pode contribuir efetivamente para a emancipação do espectador; de outro, se ela for feita, ainda, sob os auspícios da superação da representação tendo em vista uma expectativa de realização comunitária, nada adiantará, na medida em que, não importando a novidade superficial da reorganização, no fundo os lugares dos corpos permanecerão intactos, isto é, confinados no embrutecimento.

Para Rancière, se trata enfim de evitar a todo custo procurar superar a representação em nome de uma suposta libertação da condição passiva; melhor seria, efetivamente, reforçá- la enquanto tal - registros partilhados de aventuras intelectuais no interior do enquadramento da representação, para onde os quais os homens lançam novos olhares e/ou ações de forma livre, cada um constituindo seu próprio aprendizado. Em suma, a configuração de uma comunidade de narradores.

O atravessamento das fronteiras e a confusão de papéis não deveriam levar a uma espécie de “hiperteatro”, transformando a condição (passiva) do espectador em atividade ao transformar a representação em presença. Pelo contrário, o teatro deveria questionar o privilégio da presença viva e trazer o palco novamente para um nível de igualdade com o ato de contar uma história ou de escrever e ler um livro. Ele deveria ser a instituição de um novo estágio de igualdade, onde os diferentes tipos de espetáculo se traduziriam uns nos outros. Em todos estes espetáculos, na verdade, a questão deveria ser ligar o que uma pessoa sabe com o que ela não sabe; deveria se tratar, ao mesmo tempo, de atores que apresentam suas habilidades e espectadores que estão tentando encontrar o que aquelas habilidades poderiam produzir em um novo contexto, entre pessoas desconhecidas.18

Uma comunidade de contadores de história e tradutores - essa seria uma verdadeira comunidade emancipada. Portanto, não negar o “enquadramento” da arte, mas assumi-lo como tal - de maneira sólida; porém, através do qual ocorrem trocas e traduções. E é essa consciência sólida melhor se exprime quando se sabe quer

tudo isso [a reflexão que acabara de escrever] deve soar como palavras, meras palavras. Mas eu não levaria isto como um insulto. (...) Mesmo hoje em dia, apesar do chamado ceticismo pós-moderno quanto a mudar nossa forma de viver, pode- se ver tantos shows que posam como mistérios religiosos que talvez não seja tão escandaloso ouvir, para variar, que palavras são apenas palavras. Romper com os fantasmas da Palavra transformada em carne e do espectador transformado em ator, saber que palavras são apenas palavras e que espetáculos são apenas espetáculos talvez nos ajude a entender melhor como palavras, histórias e espetáculos podem nos ajudar a mudar alguma coisa no mundo em que vivemos.

Fiando-se na consciência essencial, enfim, sólida da dimensão teatral, artística, pode-se compreender, efetivamente, qual é o verdadeiro poder emancipatório da arte, sua função de sempre, sua política de sempre:

O poder comum é o poder da igualdade de inteligências. Este poder une os indivíduos na mesma medida em que os mantém separados uns dos outros; é o poder que cada um de nós possui na mesma proporção para abrirmos nosso próprio caminho no mundo. O que tem que ser colocado à prova pelas nossas performances – seja ensinar ou atuar, falar, escrever, fazer arte, etc. – não é a capacidade de agregação de um coletivo, mas a capacidade do anônimo, a capacidade que faz qualquer um

igual a todo mundo.19