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2.4 Procedimentos de pesquisa

2.4.1 A observação

2.4.1.1 Observando o recreio

Todos os dias que ia à escola para observar o recreio chegava alguns minutos antes de soar o sinal. Assim, pude perceber alguns acontecimentos que se deram antes do recreio e toda a preparação por parte dos funcionários para seu início.

No decorrer do processo de observação tentei resolver as situações que apareciam, como me colocar naquele espaço, as ações perante alunos, professores e outros profissionais e as formas de responder às crianças quando perguntavam o que eu fazia na escola.

Onde e como ficar, ou como me posicionar no recreio, eram indagações que estiveram presentes desde o início até o fim das observações. É interessante notar como um mesmo fenômeno pode ser observado de diferentes ângulos e, dependendo do lugar de onde ele é visto, pode-se perceber nuances e gestos que de outro ângulo não seriam vistos.

No recreio há vezes em que não se pode escolher de onde se vê, pois os fatos acontecem sem que possam ser previstos. Somente em algumas situações, como durante a formação das filas, foi possível prever e observar cada dia de um local diferente.

Devido à imprevisibilidade dos acontecimentos no recreio, eu ficava em dúvida se deveria transitar ou permanecer parada em pontos estratégicos do pátio. Percebi que permanecer num local durante todo o recreio era impossível, pois ele acontecia com centralizações diferentes no espaço, de acordo com o momento e as atividades realizadas pelas crianças. Tais momentos aconteciam com uma rotina que se seguia quase todos os dias: antes do recreio, algumas salas de aula formavam filas nos corredores e, quando soava o sinal, a maioria das crianças se dirigia para a parte do pátio que é coberta e onde é servido o lanche. Ao finalizarem

a refeição, os alunos espalhavam-se no pátio e se agrupavam, principalmente, na parte descoberta. Alguns minutos antes de soar o sinal para o término do recreio, as responsáveis recolhiam os brinquedos e os estudantes se encontravam novamente nos corredores para formar filas, entrando em seguida nas salas de aula.

Diante dessa intensa movimentação, tive que me deslocar de forma que pudesse ver aquilo que me chamasse a atenção e, dependendo do que acontecia, me dirigia até o local. Algumas vezes, demorava aparecer algo que considerava um dado interessante para a pesquisa, por isso procurava estar atenta, principalmente às ações que envolviam qualquer tipo de manifestação musical, aproximando-se de locais e pessoas de acordo com a necessidade.

O recreio, dessa forma, pode ser considerado um espaço dinâmico que não permite ao observador estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo (não se pode “ver tudo”). Algumas vezes até se pode ver paralelamente dois fenômenos acontecendo ao mesmo tempo, mas em outras não é possível, pois há locais onde não se vê todo o pátio. Portanto, tive que fazer opções no decorrer das observações. Algumas dessas escolhas foram instintivas, e outras por saber que havia manifestações musicais em determinado local. Houve momentos em que eu via algo interessante ao longe e, assim que chegava, aquele acontecimento já havia acabado.

Compartilho, porquanto, a descrição de Würdig (2007, p. 36-37) que ao observar o recreio escolar estudou os aspectos referentes às relações de organização das crianças. Esse autor menciona que, no início de suas observações, o recreio parecia um “turbilhão de acontecimentos” e, depois de algumas análises e do maior contato com as crianças, “mais sensível ficava em relação às falas, aos gestos, às combinações, às brincadeiras”. Além disso, com o decorrer das atividades, os alunos foram percebendo que ele não era um “espião”; logo, a aproximação e a cumplicidade dos estudantes foram maiores.

Assim sendo, não era só a questão de onde ficar e como ficar no recreio. Havia também a posição que eu ocupava naquele lugar, que não poderia ser vista ali como professora, nem como estagiária; por isso busquei mostrar simpatia com um sorriso no rosto, até mesmo para as “artes”18 que as crianças faziam, passando

um ar de cúmplice, pois assim percebiam que eu não era “uma tia” que iria dar

bronca pelo que faziam. Somente um dia a diretora pediu para “vigiar” os alunos porque havia poucos adultos responsáveis pelo recreio; com isso, minha perspectiva de pesquisadora se modificou, ao me preocupar com a movimentação das crianças e o bem-estar delas. Depois me arrependi de ter cedido a esse pedido, pois não era esse o olhar relacionado ao recreio que desejava; apesar disso, tal episódio mostrou claramente o quão importante é a maneira pela qual o recreio é observado e, dependendo do foco, os fatos são vistos de maneira diferente.

Algumas vezes as crianças interagiam comigo. Essa interação cresceu aos poucos e, após algumas semanas, elas sabiam que eu não era uma professora ou “uma tia”; era uma pessoa para a qual os alunos poderiam contar fatos de suas vidas, falar sobre a escola, o que gostavam e não gostavam nela, entre outros assuntos. A maioria das crianças sabia que eu não iria “delatá-las” e que não haveria problema em me falar sobre qualquer acontecimento ou brincar como quisessem na minha frente.

Uma das alternativas para que os alunos me vissem de tal forma foi procurar não intervir em situações de conflito entre eles. Sempre indicava alguma responsável quando era solicitada a solucionar algum problema. Procurava me sentar em locais como muretas, degraus e bancos de maneira, buscando uma postura “mais relaxada”: conversava com algumas crianças e tentava uma aproximação.

A minha presença gerou certa curiosidade por parte das crianças. Elas me questionaram praticamente todos os dias sobre o que fazia no recreio; algumas achavam que eu era uma professora nova e outros diziam que eu era estagiária. A cada dia, um novo grupo questionava – algumas vezes os alunos já sabiam, mas queriam confirmar. Houve alguns estudantes que não se aproximavam, mas ficavam cochichando e olhando, nitidamente estavam conversando sobre mim. Sempre que isso acontecia eu procurava me aproximar e deixar que me questionassem. Outras crianças mais tímidas esperavam que o colega se aproximasse para fazer perguntas.

Quando as crianças faziam tais perguntas, eu dizia que era da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e que fazia uma pesquisa sobre brincadeiras no recreio. Disse que estudava música e não entrei em muitos detalhes sobre o que estava sendo feito, para que elas não modificassem os modos de agir e/ou brincar com a música. Numa das últimas observações, uma menina me perguntou se estava

estudando para ministrar aulas e se era de Educação Física. Expliquei rapidamente que não e que daria aulas de Música. Ela ficou entusiasmada com a notícia no momento, mas não me procurou – também não foram observadas mudanças no comportamento da menina. Acredito que ela não associou o fato de eu estudar música e estar no recreio.

Nas primeiras observações, principalmente, as crianças também demonstraram curiosidade sobre o que era anotado. Algumas achavam que os nomes de quem fazia bagunça ou corria no recreio eram escritos no caderno. Explicava-lhes, então, o motivo das anotações que, por sua vez, eram mostradas aos alunos.

Dessa forma, conversei várias vezes com as crianças. Com essas conversas tencionava, geralmente, esclarecer algo que não era entendido apenas com a observação. Já por parte delas havia questionamentos sobre quem eu era e o que fazia no recreio – isso se estendia a diversos assuntos como contar histórias, conversar sobre algum assunto do recreio, falar de algum colega, entre outros. Nos últimos dias de observação, algumas crianças do 5º ano pediram que suas camisetas fossem assinadas por mim, uma vez que elas estavam se despedindo da escola e queriam a lembrança de todos. Tal aspecto foi interessante, pois elas já me consideravam como fazendo parte da escola.

Não só a curiosidade das crianças foi despertada, mas também de secretárias, professoras, funcionárias da limpeza e merendeiras que, nos primeiros dias, perguntavam sobre o que eu fazia na escola, isso porque a diretora apresentou-me somente à supervisora. A todos os outros funcionários e alunos fui, aos poucos, esclarecendo os motivos da minha presença na escola.

Assim, sempre que questionada pelas professoras e funcionárias da escola, me apresentava como aluna do Curso de Mestrado em Artes da UFU, com ênfase em música e que a pesquisa consistia em observar as relações que as crianças estabeleciam com a música no recreio escolar. As professoras e funcionárias, em geral, me receberam muito bem e, quando comentava sobre a realização da minha pesquisa, elas se dispunham a ajudar. Algumas não entendiam a proposta, já outras a entendiam e se mostraram bastante interessadas. O relacionamento sempre foi bom com as funcionárias: elas dialogavam, contavam algumas histórias e, inclusive, faziam questão que eu comesse a merenda diariamente.

Algumas funcionárias da escola, a princípio, não compreenderam a proposta de ter uma pesquisadora no recreio. Elas queriam que eu as ajudasse na vigilância do recreio, a “pegar esses meninos”, como me foi dito uma vez. Acredito que, como têm a função de “manter a ordem”, elas tiveram dificuldade para entender a função de um adulto que entra na escola para observar o recreio, sem desempenhar nenhum papel relacionado ao “controle da bagunça”.

Procurei, durante as observações, ater-me às brincadeiras e práticas musicais presentes no recreio. Não foi possível ignorar a presença de outros fatos que aconteciam no recreio, como a organização e as regras que estavam presentes.

Tenho consciência que ser uma pessoa estranha e observar um local interfere nas ações das crianças, mas isso acontece em qualquer processo de observação. Ficou claro que essa interferência ocorria quando os alunos percebiam a minha presença e, ao se sentirem observados, alguns modificavam o que estavam fazendo. Havia aqueles que se envergonhavam e ficavam parados, e outros que começavam a brincar pelo fato de perceber que eu estava atenta às suas ações. No início das observações esses episódios eram mais constantes, mas com o decorrer da coleta de dados, as crianças foram se aproximando e se acostumando com a minha presença. Pode-se dizer que as crianças, na maioria das vezes, não se importavam se estavam (ou não) sendo observadas no recreio. Assim, dançavam, cantavam, faziam alguma brincadeira, encenavam, ou seja, expressavam-se de diversas maneiras. Isso era ainda mais latente nos alunos menores que se expressavam com maior frequência do que os mais velhos, principalmente os do 5º ano, que já demonstravam ter mais vergonha, sendo mais contidos ao se expressarem.