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O autor deu início em Junho de 2003 a um estudo comparado de prevalências de má-oclusão dentária e de disfunção têmporo-mandibular entre dois grupos de crianças, dum universo de 626, de ambos os sexos, em idades escolar e pré-escolar, em diferentes fases de dentição, objecto de escolha de conveniência, todavia com características comprovadamente semelhantes. O grupo hospitalar (de 250 crianças que recorreram à Consulta de Estomatologia Pediátrica do Hospital de Santa Maria em Lisboa) e o grupo escolar (de 376 crianças que constituíam o somatório das que frequentavam no ano lectivo de 2003/2004 o Infantário Público de Benfica, a Escola Básica do 1.º Ciclo Parque Silva Porto em Benfica e a Escola Básica n.º 1 do 2.º e 3.º Ciclos de Telheiras, todas sitas em Lisboa). Estudou também a evolução da prevalência de DTM durante o seguimento de dois anos na Consulta Hospitalar. Incluiu ainda como dados acessórios ao seu trabalho de investigação referências inéditas de características anatómicas oro-maxilares e dentárias relativas às populações estudadas.

Procurava saber a razão pela qual há resultados de prevalência das más-oclusões dentárias e disfunções têmporo-mandibulares tão díspares entre os Investigadores.

Elaborou um protocolo único que permitisse contemplar a identificação e quantificação dos diferentes graus de abrangência de protocolos, tanto na detecção de más-oclusões dentárias (resultados das relações oclusais de Angle ou de Baume, face aos obtidos pela aplicação do protocolo da OMS e também pela utilização dum protocolo mais abrangente, que preconizou), como nas disfunções têmporo-mandibulares (resultados do protocolo elaborado, em relação aos da OMS). Na detecção de más-oclusões dentárias, introduziu a referência dos valores médios de trespasse vertical e horizontal (VMRT) para cada grupo de crianças-alvo do estudo. Utilizou o material instrumental recomendado pela OMS para a realização de inquéritos epidemiológicos de saúde oral que melhor se adequavam às exigências requeridas e em quantidade necessária e suficiente.

Realizou exames em duplicado em uma de cada dez crianças observadas, por ordem sequencial, tendo obtido um grau de reprodutibilidade acima de 95% para as variáveis indiscretas (trepasses) e superior a 99% para as variáveis discretas (todas as outras). Consoante a abrangência do protocolo, obteve uma variação de prevalências entre 31,82% e 94,28% para as más-oclusões dentárias e desde valores residuais (1,72% e 1,92%), verificados respectivamente à observação inicial das crianças no grupo escolar e hospitalar na fase de dentição decídua, até 27,78% na dentição permanente, no seguimento de dois anos na Consulta de Estomatologia Pediátrica, para as disfunções têmporo-mandibulares.

Utilizou o teste estatístico de Mann-Whitney para os trespasses e em todas as outras situações o teste de McNemar ou o de qui-quadrado, quando não foram observadas as condições para a aplicação

Ivo da Piedade Álvares Furtado

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deste último recorreu à simulação de Monte Carlo ou à prova exacta de Fisher. Considerou haver evidência estatística quando o resultado indicou um valor de p inferior a 0,05.

Demonstrou ser possível obter resultados convergentes e comparáveis através da utilização dum protocolo único que preconiza, tanto para a aplicação em clínica como em epidemiologia, para o que, segundo o autor, basta que na sua concepção haja uma procura de convergência nos objectivos comuns a atingir.

Confirmou que a discrepância dos resultados de prevalência de má-oclusão dentária e de disfunção têmporo-mandibular encontrada nas crianças estudadas, foi devida à ausência de uniformidade de utilização de protocolos e, nomeadamente, do grau de abrangência dos mesmos, incluindo os meios e os parâmetros de referência de maior ou menor amplitude de variação; de diferenças na interpretação dos critérios a utilizar, factores sócio-económicos e variações anatómicas associadas à raça. Não se confirmou a possibilidade de diferenças de género, tanto na má-oclusão dentária como na disfunção têmporo-mandibular, embora esta seja referida por alguns investigadores. Verificou haver em ambos os casos, aumento da prevalência com o avanço na idade. Comprovou que, no caso da DTM, apenas 8% das crianças, numa prevalência média de 20,4%, tinha queixas constantes durante os dois anos de seguimento e que as variações detectadas constituem factores promotores das diferenças encontradas entre os resultados de publicações relativas a estudos transversais e estudos longitudinais.

Comprovou que a prevalência de má-oclusão dentária fica sobrevalorizada pela utilização como referência de valores “ideais” e que alguns casos considerados como sendo de más-oclusões dentárias, são tão-somente variantes anatómicas do padrão da população infantil alvo do estudo, que assim foram identificados e eliminados pela introdução dos VMRT. A redução obtida foi de 3,84% a 22,73%. Demonstrou haver aumento até 7,7% da acuidade diagnóstica das disfunções têmporo- -mandibulares pela utilização do protocolo que elaborou face ao da OMS, com acréscimo de prevalência em ambos pelo seguimento das crianças durante dois anos, constituindo espaço privilegiado de acções preventiva e terapêutica.

O autor apresenta as evidências paramétricas de anatomia oral da população que estudou, em que se incluem o predomínio do plano terminal recto na dentição decídua, a alta prevalência relativa de Classe II em todas as fases de dentição, a existência dum valor médio de referência de trespasses vertical e horizontal a considerar, a elevada ocorrência de casos de aumento do trespasse horizontal, a grande frequência de diastemas, a alta prevalência de espaços primata, a presença elevada de espaços entre dentes definitivos do sector anterior, a presença moderada de apinhamentos de dentes definitivos e o elevado número de mordidas abertas anteriores na fase de dentição decídua. A miscige- nação é a razão apontada para o facto de as características anatómicas encontradas não se enquadrarem num único padrão racial, apresentando traços comuns às raças caucasiana e negra.

Considera igualmente importante a recolha de dados específicos de cada uma das áreas envolvidas (clínica ou epidemiológica), para o que propõe a sua anotação em protocolos complementares.

Concluiu sobre a necessidade de uniformização de protocolos, que permitam definir com precisão, detectar e quantificar as entidades morfo-clínicas que possam carecer de tratamentos, e tendo em conta o conhecimento profundo das populações-alvo, procurar evitar as formas mais graves, que quando existam, se tornem socialmente aceitáveis e economicamente sustentáveis.

Finalmente, a proposta duma efectiva parceria entre as acções clínica e de saúde pública oral, por uma boa saúde oral para as crianças portuguesas!