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ODÉ COMORODÉ (DESCRIÇÃO DO AGUERÉ DE OXÓSSI)

No documento O Arco e a Flecha do Caçador (páginas 39-50)

3. O Agueré de Oxóssi no Candomblé do Ilê Olorum

3.1. ODÉ COMORODÉ (DESCRIÇÃO DO AGUERÉ DE OXÓSSI)

Diante da dificuldade de transformar em texto as observações e vivências da experiência com a dança de Oxóssi, aliás, dos orixás de um terreiro de Kêtu, vou fazer uso de uma comparação para demonstrar a nossa pesquisa. Essa comparação servirá como organização teórica do trabalho, por onde os fundamentos serão apresentados e discutidos.

Faço isso para ser fiel aos ensinamentos da tradição dos terreiros de candomblé de motrizes africanas, onde se aprende as coisas, os saberes, os valores, a partir da observação e da repetição.

De acordo com os pesquisadores Amurabi Oliveira e Kleverton Arthur de Almirante (2014), no candomblé o conhecimento, tudo se aprende fazendo, pois há uma cultura de imitação: “Viu, repetiu, aprendeu”. E ainda citam outros autores que tratam do mesmo tema.

Saber é um sinal de iniciação e “este que sabe” é alguém já integrado ao grupo e à cultura. O segredo significa a sua pertença ao grupo. Ser iniciado é ter acesso ao segredo e fazer parte do grupo. É mais, é passar a pertencer a uma nova família, a “família de santo”. (CAPUTO; PASSOS apud OLIVEIRA;

ALMRANTE, 2014, p. 158).

Os pesquisadores afirmam ainda que os processos educativos no terreiro são modos de entender a educação e a aprendizagem de maneira mais ligadas aos saberes essenciais e à consciência do corpo e da natureza. Segundo eles, aprender na “escola do axé” é antes de tudo aprender a respeitar os tempos e as formas de aprendizagem individual e coletivas, pois cada um aprende do seu modo. Assim, a imitação aparece como um procedimento metodológico fundamental.

[...] Dessa forma, vão expressando na prática e gradativamente a assimilação que fazem do sentido das linguagens dos rituais e do transe através da imitação dele e das danças. [...] Algumas tensões observadas no âmbito da aprendizagem dizem respeito à disseminação dos conhecimentos sobre o axé por meios digitais e são práticas rapidamente censuradas pelos zeladores dos cultos de candomblé quando dizem “candomblé se aprende no terreiro e não na internet”. (OLIVEIRA; ALMRANTE, 2014, p. 155).

8 “Odé Comorodé” é uma expressão usada em cantigas de candomblé, na louvação ao orixá Oxóssi, que significa, em livre tradução usual no terreiro, “O caçador é rei”, designando que Oxóssi é, de fato, o rei do povo Ketu.

No Brasil, tem sido dessa forma que a tradição dos terreiros de candomblé se firma, fazendo uso de um modelo de aprendizagem baseado na imitação. A imitação se traduz como uma metodologia que se baseia na observação.

Usualmente, crianças e pessoas que aprendem a tradição de candomblé entram em contato com os saberes do povo “de santo” e passam a observar as coisas que são feitas nos terreiros (a maneira como essas coisas são feitas em rituais) de modo que se apropriam daqueles saberes e fazeres pela vivência e observação.

Ao lado da observação, a experiência é um outro modo de aprender nos terreiros.

Uma pessoa que se inicia no candomblé depois de observar um acontecimento, uma prática, naturalmente, será chamada a fazer o que observou, passando a experimentar no seu corpo aquela sabedoria.

No mesmo conjunto dessa aprendizagem pela cultura, em que a imitação e a observação estão presentes cotidianamente, podemos destacar todo o conjunto de manifestações das danças folclóricas brasileiras, em que o aprendizado (todos os saberes e fazeres) é passado de geração a geração pela visualidade e pela oralidade.

3.2.1. Primeira partitura: O Cavaleiro de Aruanda

O Agueré, uma das danças realizadas em celebração ao orixá Oxóssi, se inicia com o corpo na posição de base, com os dois pés fixos no chão, em paralelo, os braços ao longo do corpo, a cabeça equilibrada sobre os ombros, olhando para frente. Ao som do atabaque (tambor), o agente deve mover o tronco do corpo, que vai se virando para o lado esquerdo. Conforme o corpo vai virando, junto vai se unindo braços e pernas a esse movimento.

Figuras 10, 11, 12 e 13: O agente Lucas dança a primeira partitura do Agueré de Oxóssi.

Movimentos: 1) Inicia-se na base; 2) O corpo move-se para a esquerda; 3) Retorna à base; 4) Volta-se para a direita. A partitura se repete, durante a cantiga.

(Acervo pessoal. Fotografias: Makarios Maia, 2021).

Os movimentos que aos membros inferiores fazem, no Agueré de Oxóssi, quando o tronco se vira para o lado, é o de alternar a posição das pernas: uma fica na base, enquanto a outra faz o movimento de suspender o pé e o deslocar para frente e para trás.

O pé que está na base deve sofrer uma pequena elevação, à altura do calcanhar, quando a perna que está em movimento for para frente. Em seguida, quando o pé que foi à frente volta-se para trás, o pé que está na base fica totalmente pousado no chão. Assim, repete-se num contínuo essa cadeia de movimentos, alternando os pés.

Nisso, os membros superiores, fazem movimentos diferentes, mas ao mesmo tempo. Os braços são elevados, deixando os cotovelos curvados, as mãos fechadas, à altura da cintura, e a movimentação surge a partir dos ombros e, consequentemente, chega até os braços e mãos. Essa postura de movimento desenha no ar uma simbologia que representa uma cavalgada.

Quando o pé que está se movimentando (ou seja, que não está na base) vai para frente, os braços sofrem mudança de eixo e se deslocam para o mesmo lado em que está a perna de base; quando a perna de movimento se desloca para trás, os braços retornam para o lado da perna que está se movimentando. E assim sucessivamente, alternando pernas e braços.

O Agueré é dançado para as laterais (direita e esquerda). Quando a perna que está se movimentando se volta para o lado esquerdo, o corpo faz um pequeno giro para o lado direito. A perna que estava se movimentando, agora, passa a ser a base do movimento e a que estava na base passa a se movimentar para frente e para trás. Percebe-se que nesta partitura o fator de movimento Espaço tem destaque e a Fluência é totalmente consequência da ocupação da área física pelo corpo em movimento.

Essa é a partitura de iniciação do Agueré, que representa o orixá como um caçador cavaleiro, que viaja em seu cavalo com nobreza e autonomia. A partir dessa base, se constroem as variações de intensidade que dão identidade ao movimento.

3.2.2. Segunda partitura: O Caçador Conquista sua Caça

A segunda partitura do Agueré lhe aproxima de outra simbologia de um momento da caçada. A dança se inicia na posição de base, com os braços estendidos em paralelo ao sentido longitudinal do corpo, com os pés fixos no chão. A partir da base e ao som do atabaque (tambor), os pés iniciam um movimento da dança de caça, alternando-se em deslocar-se para frente e para trás.

Figuras 14, 15, 16, 17 e 18: O agente Lucas dança a segunda partitura do Agueré de Oxóssi.

Movimentos: 1) Base; 2) Para trás; 3) Para Frente; 4) Inicia-se o agachamento; 5) Realiza o agachamento.

(Acervo pessoal. Fotografias: Makarios Maia, 2021).

Figuras 19, 20, 21, 22 e 23: O agente na segunda partitura do Agueré de Oxóssi. Movimentos: 1) Mergulho à frente; 2) Inicia-se o giro para direita; 3) Giro completo para a direita; 4) Retorno à base; 5)

Giro completo para esquerda. (Acervo pessoal. Fotografias: Makarios Maia, 2021).

Figuras 24. 25, 26, 27 e 28: O agente na segunda partitura do Agueré de Oxóssi. Movimentos: 1) Retorno à posição vertical; 2, 3 e 4) Composição do triângulo, símbolo do arco e da flecha; 5) Retorno ao início do

movimento. (Acervo pessoal. Fotografias: Makarios Maia, 2021).

Nesse movimento, podemos reconhecer o uso distinto das partes do pé: o calcanhar é deslocado da base para ser usado como ponto de impulso da força que gera o movimento; a sola do pé (parte anterior aos dedos) é usada para deslocar o corpo em ligeiras direções laterais. Reconhecemos a Fluência como fator preponderante nesse movimento.

Da mesma forma, o Tempo (outro fator de movimento) tem profundo sentido de uso, uma vez que o é arrastado e o movimento é efetuado numa cadência de 3/2, em sintonia com a mesma pulsação rítmica feita pelo tambor. Por três vezes, o corpo se desloca em movimentos para frente; em continuidade, por mais três vezes, para trás. Uma pequena variação do corpo, feita com as pontas dos dedos dos pés, em pequenos contratempos, geram movimentos de impulso que dão sentido à condição de busca, de caça. Numa simbologia das condições corporais de ataque e recuo que todo caçador precisa ter quando persegue sua caça.

As pernas e o tórax do agente, em sintonia com pescoço e cabeça, refletem (ecoam) esse movimento. No contínuo, os ombros sofrem alterações de leve elevação, acompanhados pelos cotovelos, que são curvados, suavemente. As mãos, no entanto, sofrem a maior alteração simbólica. As palmas se fecham e os dedos do agente passam a formar uma representação de um arco-flecha (ou ofá, símbolo do orixá Oxóssi). O ofá moldado pelas mãos, tem o formato de duas letras “L” (uma em cada mão), feitas pelo uso dos dedos polegar e indicador abertos, sempre esticados e apontando para frente.

No movimento, percebe-se que quando o corpo se desloca para frente, as mãos se elevam, ganhando horizontalidade, à altura da pélvis; do mesmo modo, à medida em que o corpo desliza para trás, as mãos se abaixam, produzindo uma leve variação, inclinando-se à altura média da coxa. Essa variação repreinclinando-senta, na carga simbólica da ação, o ataque (a mira, a certeza e o encontro com a presa) quando o corpo vai para frente; e o recuo (o repouso, a busca, a ausência de presa) quando o corpo vai para trás.

Numa variação do movimento, pode-se perceber que quando o orixá Oxóssi está com seu alvo na mira de seu ofá (arco-flecha), os joelhos do agente vão se flexionando, ao ritmo do tambor, até tocar o chão. Na construção coreográfica, podemos reconhecer que o caçador, nesse momento, faz movimentos de camuflagem, escondendo-se em meio à folhagem da floresta, à espera do momento exato do tiro de sua flecha, única e certeira.

Com o corpo curvado e de joelhos, o agente vive coreograficamente o momento em que o orixá Oxóssi vai transitando do nível médio para o nível baixo e do nível baixo para o nível médio, repetidamente, até se camuflar. Quando está com a caça em mira, o orixá Oxóssi se joga no chão, com o corpo esticado, os braços lançados para frente, mantendo o ofá feito com as mãos, apontando, também, para frente. Assim, com o corpo completamente estendido em horizontalidade, o agente faz rolamentos: três para o lado direito e três para o esquerdo.

Com esse gesto, Oxóssi simboliza que atirou sua flecha e acertou seu alvo. Por isso ele é o “Oxotocanxoxo”, de acordo com as lendas africanas, ou seja, o caçador de uma única flecha, que não erra seu tiro.

Em seguida, depois do que seria o momento simbólico em que o orixá Oxóssi acerta sua presa, ele faz o caminho inverso, recolhendo o corpo até chegar à posição anterior ao mergulho. E vai subindo do nível baixo para o nível médio; do médio ao alto, sempre gingando, mantendo as mãos em estado de prontidão, até chegar à condição de completa verticalidade.

Finaliza-se o movimento com o corpo ereto no nível alto, fazendo demonstração da potência e eficiência do seu ofá (arco-flecha), elevando os braços semiflexionados e os deslocando para os lados (direita e esquerda) e para cima, formando, assim, um grande triângulo.

3.2.3. Terceira partitura: O Caçador Guarda sua Caça

Figuras 29, 30 e 31: O agente Lucas dança a terceira partitura do Agueré de Oxóssi. Movimentos: 1) Retorno à Base; 2) Atira os braços à frente; 3) Puxa os braços, deixando-os se “escorregarem” ao longo

do corpo, primeiro para a esquerda.

(Acervo pessoal. Fotografias: Makarios Maia, 2021).

Figuras 32, 33 e 34: 4) Depois, para direita; 5) Repete o movimento girando sobre o eixo; 6) Segue girando por todo o espaço.

(Acervo pessoal. Fotografias: Makarios Maia, 2021).

Dando continuidade ao movimento anterior, depois que o caçador faz as honrarias ao seu ofá vitorioso, ele inicia uma terceira partitura, que se inicia na mesma posição de base, com os dois pés paralelos e os braços estendidos ao longo do corpo.

A partir de uma mudança no toque do atabaque (tambor), o agente flexiona os joelhos, ao tempo em que os braços e as mãos são atirados para frente, esticados como se estivesse apanhando a caça; em seguida, o agente encolhe os braços, puxando-os, trazendo-os até o lado do tórax; em continuidade, faz movimentos com as mãos, deslizando-as pela pélvis, de um lado e do outro, simbolizando que o caçador guarda a caça nos seus bornais (duas bolsas que compõem a vestimenta do orixá, com alças longas que se dependuram, cruzando pelo corpo do “rodante” 9).

Nesse movimento de guardar a caça em seus bornais, suas pernas e pés deslocam o corpo para o lado direito e esquerdo, repetidamente, ao som do tambor. Nisso, quando os braços esticam e são arremessados para frente e as mãos retornam ao corpo, com inclinação para o lado direito, por exemplo, o pé esquerdo se desloca para trás, enquanto o pé direito ocupa o centro de equilíbrio do corpo sobre o chão.

Destacamos o fator de movimento Peso como determinante para a sequência em que o caçador guarda sua caça. Em contínuo, no movimento, ocorre sempre a mesma

9 Diz-se “rodante”, no candomblé, da condição mística de transe de cada agente que manifesta o orixá em seu corpo, nele crê, o cultiva e o vive como acontecimento de sua energia vital, no ritual sagrado do Xirê (festa dos orixás).

situação: quando os braços são arremessados para frente e as mãos retornam ao corpo, com inclinação para o lado esquerdo, o pé direito se desloca para trás, fazendo o pé esquerdo ocupar o centro de equilíbrio do corpo. E assim, sucessivamente.

Outra variação que se pode notar nessa coreografia, na troca dos lados do corpo, é a posição dos pés no chão, que sempre se juntam, no meio do vão do corpo, em equivalência cruzada, fazendo com que a ponta dos pés que recuam para trás fique alinhada ao calcanhar dos pés que se põem na posição de garantir o equilíbrio do corpo (e vice-versa).

Quanto ao retorno das mãos e braços do agente, estes são deslocados em direção inversa à que tomam os pés e pernas. O movimento é rápido e cadenciado pelas batidas do tambor. Também, podemos notar que as mãos, ao chegarem no corpo à altura da pélvis, fazem um movimento ondular vertical, ou seja, as mãos que antes estavam vazias e estiradas, quando arremessadas para frente, retornam fazendo uma leve curva, em forma de concha, como que trazendo algo, nas palmas, para ser depositado nos bornais.

No fluxo desse movimento, podemos perceber que a Fluência é marcada pelo uso do Peso, pois, no instante do recuo, as mãos quase se fecham e, em seguida, se abrem, deslizando pela lateral do corpo, até chegar à altura do entroncamento coxofemoral, onde encontram-se os bornais. Ali, elas se abrem completamente, se alongam, fazendo uma representação de que depositam a caça. Em seguida, estiradas, são novamente arremessadas para frente, em direção oposta àquela que veio.

Essa coreografia simboliza o instante em que orixá Oxóssi, depois de procurar, achar, caçar e pegar sua presa, guarda sua caça. A dança ocorre em deslocamento por todo o “barracão” (comumente, área usual dos terreiros de candomblé, onde ocorrem os Xirês), como se o caçador estivesse andando por toda a mata, juntando o alimento para trazer para sua tribo.

Durante um dado momento da coreografia, que se chama “quebrada do atabaque”, as batidas no tambor se alteram, tornando-se mais agitadas, duplicando o compasso dos ataques no couro do instrumento, mas mantendo o ritmo. Nesse instante, o agente que manifesta o orixá fará três giros consecutivos com o corpo inteiro, escolhendo um dos lados do corpo, virará em direção às costas, mantendo a coreografia de arremessar as mãos para frente, em seguida, guardar a caça. Depois dos três giros, o agente volta à condição de regularidade da coreografia.

A equivalência desses movimentos de pés, pernas, braços e corpo, em deslocamentos cruzados (horizontal e verticalmente), produz um balanço corporal

gingado, ao mesmo tempo estável e instável, formando um desenho coreográfico que evidencia a condição de exuberância da dança. Assim, pode-se notar que o corpo do agente mantém sua cabeça em quase total equilíbrio, como ponto de sustentação do próprio equilíbrio, enquanto o corpo todo se desloca. Outro ponto que chama a atenção nessa partitura é a marca de um “X” invisível que o corpo marca no chão, quando dança.

3.2.4. Quarta partitura: O Caçador Traz Fartura Para a Aldeia

Figuras 29, 30, 31 e 32: O agente dançando a quarta partitura do Agueré de Oxóssi. Movimentos: 1) Base; 2) Cavaleiro retorna à aldeia; 3) Traz a caça no bornal; 4) Celebra sua conquista.

(Acervo pessoal. Fotografias: Makarios Maia, 2021).

Os passos dos movimentos que o agente utiliza para representar o retorno do orixá Oxóssi para casa (aldeia) com sua caça é um movimento de cavalgada, com gestos de segurar as rédeas e conduzir a jornada de um cavalo.

A dança começa na posição de base e, ao som do atabaque (tambor), iniciam-se movimentos circulares dos membros superiores do agente. São movimentos em que os braços ficam posicionados com leve curvatura dos cotovelos, oscilando em verticalidade, desde a altura da cintura até a altura dos ombros, subindo e descendo; e em horizontalidade, para frente e para trás, como se segurassem as rédeas de um cavalo e as sacudisse para frente, para dar velocidade ao animal, voltando a puxá-las e, assim, manter o domínio sobre o animal, continuamente. Em complemento, as mãos fechadas, fazem movimentos de rotação, girando no eixo da palma.

Os membros inferiores, enquanto isso, fazem movimentos de deslocamento laterais, similares aos da terceira partitura, com variação em 180 graus, contados em quatro tempos, formando um “X” invisível, sob o corpo do agente. É como se, a partir da base, o corpo fosse virando para o lado esquerdo, por exemplo, contando três passos, em

que o pé direito se move, mantendo o pé esquerdo fixo ao chão. Então, ao se deslocar para frente, o pé direito toca o chão com a ponta dos dedos e, ao se deslocar para frente, toca o chão com o calcanhar. Em seguida, o movimento se repete, para o lado inverso.

A dança é dançada em direção às laterais do corpo, em constante locomoção, por todo o espaço do barracão. E o movimento é feito em contratempos, com leve elevação dos calcanhares dos pés que se movem.

Notadamente, a ginga que nasce desse movimento é de grande simbolismo, na constituição ritual e cultural do corpo do “rodante” que manifesta o orixá Oxóssi. Da mesma forma, podemos notar o fator de movimento Fluência derivando da ocupação do Espaço, outro fator determinante.

3.2.5. Quinta partitura: O Gincá do Caçador

Figuras 33, 34, 35, 36 e 37: O agente Lucas dança na quinta partitura do Agueré de Oxóssi. Partindo da base, o movimento ganha força nos braços, o corpo gira, os braços abrem e fecham, os ombros comandam

a movimentação. (Acervo pessoal. Fotografias: Makarios Maia, 2021).

Dançada pelo orixá Oxóssi, o Gincá é considerado a dança que o orixá utiliza para descansar, quando chega de sua caçada. Reza a lenda de que, depois que cavalga, caça e traz comida para a aldeia, o caçador reflete. Refletir, para o candomblé, assim como orar (rezar) é com o corpo. Tudo é corpo, para as culturas mitológicas e religiosas afroameríndias. É nesse instante que surge o Gincá, um movimento de estilo de dança realizado para relaxar e refletir.

Segundo MACHADO (2018, p. 179), o Gincá é uma reverência feita pelo orixá no candomblé quando este chega ao aiyê (plano terrestre – plano da existência humana) no corpo da iaô,

[...] quando se dirige ao centro do barracão para tomar rum, quando sai do barracão (sempre de costas para a porta) ou quando se dirige a alguém para abraçar. O movimento basicamente consiste em descer o tronco com os punhos em direção aos joelhos flexionados, onde eles se apoiarão, enquanto os ombros tremem. [...] os ombros é que “levam” o movimento, isto é, deles que vem o impulso primeiro que vai levar as costas ligeiramente para trás e fazer descer o tronco.

A coreografia do movimento do Gincá é básica, perpassa o Agueré da cavalgada e da identidade dos orixás Kêtu. Concentra-se em fazer o corpo oscilar, em equilíbrio, enquanto movimentam-se ombros, braços, cotovelos, antebraços, mãos, tórax, coxas, joelhos, pernas, tornozelos e pés. Muito usual no candomblé, tem ênfase nos ombros, de onde emerge o impulso do movimento.

O Gincá manifesta a forte presença do fator de movimento Tempo. Há uma mudança potente na condução dessa sequência. Os movimentos da dança de Gincá são calmos e não utilizam muitas variações de direções. A coreografia começa estando o agente na posição de base, com os pés paralelos a braços e ombros, por toda a longitude do corpo. A partir do soar do atabaque (tambor), os membros superiores se flexionam, deixando os cotovelos levemente curvados, mantendo-se em paralelo às linhas do corpo (pés, joelhos, quadris e ombros).

Assim, os ombros se elevam, em movimentos leves e circulares, elevando também todas as partes dos membros superiores. Quando os ombros fazem a descida, o braço esquerdo faz uma abertura para o lado, conduzindo o cotovelo para trás. No mesmo instante, a perna esquerda acompanha o movimento do braço esquerdo, que já deve estar retornando para o meio do corpo.

Assim, os ombros se elevam, em movimentos leves e circulares, elevando também todas as partes dos membros superiores. Quando os ombros fazem a descida, o braço esquerdo faz uma abertura para o lado, conduzindo o cotovelo para trás. No mesmo instante, a perna esquerda acompanha o movimento do braço esquerdo, que já deve estar retornando para o meio do corpo.

No documento O Arco e a Flecha do Caçador (páginas 39-50)

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