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O Arco e a Flecha do Caçador

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Academic year: 2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA

LUCAS DE OLIVEIRA PEREIRA

O Arco e a Flecha do Caçador

A DANÇA DE OXÓSSI NO CANDOMBLÉ DE KÊTU DO ILÊ OLORUM

Natal (RN) 2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA

LUCAS DE OLIVEIRA PEREIRA

O ARCO E A FLECHA DO CAÇADOR: A DANÇA DE OXÓSSI NO CANDOMBLÉ DE KÊTU DO ILÊ OLORUM

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Dança, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do grau de Licenciado em Dança.

Orientação:

Prof.ª Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques

Natal (RN) 2022

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART

Pereira, Lucas de Oliveira.

O arco e a flecha do caçador : a dança de Oxóssi no candomblé de Kêtu do Ilê Olorum / Lucas de Oliveira Pereira. - 2022.

64 f.: il.

TCC (Licenciatura em Dança) - Departamento de Artes.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2022.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques.

1. Dança. 2. Coreografia. 3. Candomblé (Dança). 4. Orixás na arte. 5. Oxóssi (Orixá). 6. Agueré (Dança). I. Marques, Larissa Kelly de Oliveira. II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 793.3

Elaborado por Ively Barros Almeida - CRB-15/482

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PEREIRA, Lucas de Oliveira. O Arco e a Flecha do Caçador: a Dança de Oxóssi no Candomblé de Kêtu do Ilê Olorum. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em Dança. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Orientação: Prof.ª Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques. Natal (RN), 2022.

R

ESUMO

O presente trabalho busca desenvolver um estudo descritivo-reflexivo acerca do Agueré de Oxóssi, um específico formato de dança que acontece na tradição do candomblé de Kêtu, no terreiro de candomblé da Ialorixá Isa de Nanã – Ilê Olorum (Parnamirim/RN). Para isso, utiliza- se da descrição desse movimento a partir da auto-observação e do reconhecimento da presença de fatores de movimento nessa dança, em uma abordagem dos estudos coreológicos propostos por Rudolf Laban (LABAN, 1978), a partir das seguintes referências: TIBÚRCIO (2010; 2014) e RENGEL (2001; 2006; 2008). No percurso do texto, discute-se a questão da dança de orixás e de povos negros, para isso, utiliza-se os apontamentos de MARTINS (2008); OLIVEIRA (2006;

2014) e SANFILIPPO (2016). Como escopo metodológico, tomamos como referência a descrição coreográfica, com base em observação participante e nas reflexões pessoais, seguindo os preceitos de aprendizados, dessa e de outras danças, no terreiro de candomblé. Objetiva-se com esse estudo a realização de uma leitura do Agueré de modo a destacar dele a presença de um imaginário criativo e ancestral, propulsor de reflexões sobre essa dança e a vida, a partir da tradição. Conhecer o Agueré de Oxóssi é uma atitude significativa em uma Licenciatura em Dança, como reconhecimento da relevância dos estudos das motrizes africanas na nossa cultura, na nossa arte e na nossa vida.

Palavras-chaves: Dança. Fatores do Movimento. Candomblé. Dança dos Orixás. Oxóssi. Agueré.

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PEREIRA, Lucas de Oliveira. The Hunter’s Bow and Arrow: Oxóssi’s Dance in Ilê Olorum’s Kêtu Candomblé. Graduation Course Work in Dance. Center for Human Sciences, Letters and Arts. Federal University of Rio Grande do Norte (UFRN). Orientation: Prof.ª Dr.ª. Larissa Kelly de Oliveira Marques. Natal (RN), 2022.

A

BSTRACT

The present work seeks to develop a descriptive-reflective study about “Agueré de Oxóssi”, a specific dance format that happens in the tradition of Kêtu candomblé, in the candomblé yard of Ialorixá Isa de Nanã - Ilê Olorum (Parnamirim / RN). For this, it uses the description of this movement based on self-observation and the recognition of the presence of movement factors in this dance, in an approach of the chorological studies proposed by Rudolf Laban (LABAN, 1978), based on the following references: TIBÚRCIO (2010; 2014) and RENGEL (2001; 2006; 2008).

During the text, the question of the dance of orixás and black people is discussed, for this, the readings of MARTINS (2008); OLIVEIRA (2006; 2014) and SANFILIPPO (2016) are used. As a methodological scope, we take the choreographic description as a reference, based on participant observation and personal reflections, following the precepts of learning, of this and other dances, in the candomblé yard. The aim of this study is to carry out a reading of Agueré to highlight the presence of a creative and ancestral imaginary, propelling reflections on this dance and life, based on tradition. Knowing “Agueré de Oxóssi” is a significant attitude in a Degree in Dance, as a recognition of the relevance of studies of African driving in our culture, in our art and in our life.

Keywords: Dance. Movement Factors. Candomblé. Dance of the Orixás. Oxóssi. Agueré.

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D

EDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meu Babá Oxóssi, o rei de Kêtu, caçador de cultura e fartura, senhor do meu caminho, motivo da graça do meu corpo em movimento;

Dedico aos ancestrais de minha cultura, representados na vida dos povos de motriz africana e indígenas, nos povos das matas, das águas, das terras, dos ares, do fogo, das sabedorias das folhas e da natureza sagrada;

Dedico à minha mãe, Marleide Conceição de Oliveira, que me deu vida e teve a coragem, desde o momento que eu nasci, de lutar para curar os meus pés e eu pudesse caminhar, na estrada da vida e da dança;

Dedico à minha avó Gonçala Conceição da Silva Oliveira e ao meu avô José de Oliveira, por serem imagem de referência de fé e luta, para tudo o que construí até aqui;

Dedico à minha mãe e senhora da minha cabeça, Isa de Nanã, ialorixá do Ilê Olorum, que cuidou de mim e dos meus caminhos, para o encontro abençoado com o meu Babá Oxóssi;

Dedico ao meu amor, Makarios Maia Barbosa, por ser a alegria de minha vida, meu parceiro e meu suporte para essa existência;

Dedico ao futuro, na figura de minhas sobrinhas e sobrinhos, Evellin Raysla, Gabriela Beatriz, Emily Sofhia, Rita de Cássia, Madson Ryan, Mariana Eloá, Maria Luiza, Rhavena Mariah e Bella Maria, na esperança de que dancem muito.

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A

GRADECIMENTOS

Agradeço a Olorum, pelos caminhos, pela vida, pela sabedoria que emana sobre o mundo, por tudo e, ainda mais, pela dança; ao meu Babá Oxóssi, por tudo!

Agradeço ao povo do terreiro Ilê Olorum, especialmente a mãe Isa de Nanã (minha Ialorixá); Mãe Lizi de Oxumarê (Ia Roncó), minha Iakekerê; Mãe Herisa (Ia Kekerê do Ilê); aos meus irmãos de barco; aos meus Babás Ogãs e às minhas Ias Ekedes; às minhas irmãs e irmãos de casa; a todos e todas que me ensinaram a dançar para louvar os orixás e ser feliz, pelos caminhos da vida;

Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA); ao Departamento de Artes (DEART); e ao Pessoal Terceirizado que trabalha ali;

Agradeço ao Curso de Licenciatura em Dança, através de suas professoras e professores e aos seus servidores, especialmente, à professora Larissa Marques, minha “ídola” (risos), minha orientadora, que me acolheu com carinho e competência, desde o primeiro dia, e me favoreceu no aprendizado dessa pesquisa e de toda a graduação;

Agradeço com alegria e respeito à banca examinadora deste trabalho:

a professora Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques - minha orientadora -, o prof. Dr.

Marcílio de Souza Vieira - convidado interno - e o prof. Ms. Sebastião de Sales Silva - nosso convidado externo (que de externo não tem nada! - rsrsrs);

Agradeço, por fim, a toda a minha turma (2017.1), amigos e colegas de curso, especialmente, a Ingrid Gabrielle, Luan Sales, Raniele Almeida, Sara Gabriella, Thaís Gilles e a Mariama Mota.

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LUCAS DE OLIVEIRA PEREIRA

O Arco e a Flecha do Caçador: a Dança de Oxóssi no Candomblé de Kêtu do Ilê Olorum.

Trabalho de Conclusão de Curso. Licenciatura em Dança. Departamento de Artes. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques

(Examinadora – Orientadora – DEART/UFRN)

Prof. Dr. Marcílio de Souza Vieira

(Examinador Interno – DEART/UFRN)

Prof. Ms. Sebastião de Sales Silva (Examinador Externa – SME/SGA 1)

Natal (RN) 2022

1 Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Gonçalo do Amarante (Rio Grande do Norte).

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Oxóssi

É o grande caçador e considerado um dos orixás essenciais à continuidade da vida pois ajuda e permite que o homem leve o alimento para casa. Kileuy e Oxaguiã (2014, p. 236) explicam que “foi um dos primeiros orixás trazidos para o Brasil pelos escravos, e seu culto tornou-se tão enraizado e conhecido que mesmo aqueles que não são seus iniciados o reverenciam. Isto é explicado pelo fato de estar muito relacionado com a fartura e a alimentação. Mas também, e principalmente, com sua principal característica, a liberdade, objetivo central dos negros africanos escravizados”.

2

2 Crome e definição do Orixá Oxóssi, postado no site do Ilê Olorum. (Cf.: http://ileolorum.org/orixas/).

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S

UMÁRIO

1. Introdução ... 10

1.1. O DESPERTAR DO ABIÃ (A ESCOLHA DO TEMA) ... 16

1.2. UMA CAVALGADA PELAS MATAS (BASE METODOLÓGICA) ... 22

2. A Caçada na Floresta (Campos Referenciais) ... 25

2.1. O ARCO DE CAÇA (BASE CONCEITUAL) ... 25

2.1.1. Agueré: corpo, movimento, educação ... 26

2.1.2. O Agueré de Oxóssi ... 28

2.2. A FLECHA CERTEIRA (OS FATORES DO MOVIMENTO) ... 30

2.2.1. Fator do Movimento: Fluência ... 31

2.2.2. Fator do Movimento: Espaço ... 31

2.2.3. Fator do Movimento: Peso ... 32

2.2.4. Fator do Movimento: Tempo ... 33

3. O Agueré de Oxóssi no Candomblé do Ilê Olorum ... 35

3.1. ODÉ COMORODÉ (DESCRIÇÃO DO AGUERÉ DE OXÓSSI) ... 38

3.1.1. Primeira partitura: O Cavaleiro de Aruanda ... 39

3.1.2. Segunda partitura: O Caçador Conquista sua Caça ... 40

3.1.3. Terceira partitura: O Caçador Guarda sua Caça ... 43

3.1.4. Quarta partitura: O Caçador Traz Fartura Para a Aldeia ... 46

3.1.5. Quinta partitura: O Gincá do Caçador ... 47

4. Leitura Reflexiva do Agueré de Oxóssi ... 49

5. Considerações Finais ... 59

Referências ... 63

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1. I NTRODUÇÃO

Figura 01: Fotografia da fachada do Ilê Olorum, com parte dos dirigentes, filhos e filhas de santo.

Imagem do Acervo da Instituição – Colhida em http://ileolorum.org/2019/10/27/festa-de-eres-2019/).

O Candomblé é uma manifestação cultural de variadas formas, que tem na sua dimensão espiritual a sua principal vertente. Segundo a professora, pesquisadora e dançarina Suzana Martins (2008), o candomblé de motrizes negro-africanas é

[...] composta de um sistema de crenças, obrigações religiosas e de práticas rituais/ sagrados de divindades ancestrais (tais divindades são conhecidas como Orixás). O Candomblé se estabeleceu na Bahia através de diversos grupos étnicos de negros africanos que migraram à força para o Brasil, durante o período escravagista brasileiro. (MARTINS, 2008, p. 6).

Optamos pelo uso da palavra “motriz” no lugar da palavra “matriz”, que é mais usada no universo acadêmico, ao nos referirmos à tradição cultural ioruba, que se firmou no Brasil a partir da diáspora do povo negro 3. Conforme o professor, pesquisador e performer Zeca Ligiéro, em seu artigo “O conceito de ‘motrizes culturais”’ aplicado às práticas performativas afro-brasileiras” (LIGIÉRO, 2011, p. 130),

3 Seguimos a indicação do professor Sebastião de Sales Silva, que nos indicou os estudos do professor, pesquisador e performer Zeca Ligiéro.

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[...] a definição de matriz cultural, válida para muitas áreas e contextos, tem se mostrado insuficiente para conceituar a complexidade dos processos inter- étnicos e transitórios verificados nas práticas performativas ou performances culturais. Aqui, em vez de “matriz”, proponho uma definição/conceito e utilizado no plural “motrizes” para conceituar a complexidade das dinâmicas das performances culturais afro-brasileiras.

Nosso trabalho almeja desenvolver um estudo descritivo-reflexivo acerca do Agueré de Oxóssi, uma diversidade de dança que pode ser reconhecida como de motriz africana e na forma cultural da tradição do candomblé de Kêtu, como tem ocorrido no terreiro Ilê Olorum, de Mãe Isa de Nanã, que se localiza em Parnamirim (RN). 4

A nação de Kêtu, herança africana de onde nasce o candomblé que estudamos no Ilê Olorum, de mãe Isa de Nanã, possui características muito específicas da ancestralidade do povo africano escravizado.

De acordo com BARRETI FILHO (2010, p.259-264), a origem da expressão Kêtu é a marca dos escravizados que vieram da cidade (estado) de Kêtu, na Nigéria (África), que teve, mais ou menos pelo final do século dezesseis, mais da metade de seu território e população anexadas ao território ao Dahomé (atual Benin), como espólio de guerra.

Segundo o autor, os principais cultos do candomblé brasileiro vieram de regiões Yorùbás, como Òyó, Ègbá, Ilesá, Ifón, Abeokutá, Irê, Ìfé e Kêtu.

Neste sentido, os povos yorùbás (iorubas), ou seja, que falavam essa língua e cultuavam uma religião tradicional que tinha nessa oralidade sua principal forma, em sua maioria, eram oriundos de Kétu e o candomblé brasileiro teria forte motriz dessa herança, sendo o orixá Oxóssi o seu principal representante, cultuado como “o Rei de Kétu”.

Assim, para o desenvolvimento dessa pesquisa e para escrever esse trabalho, nos inspiramos em duas correntes de pensamento. A primeira, de motriz ancestral, busca os conhecimentos vividos, experienciados nas práticas de terreiro, na forma como acontecem no Ilê Olorum; a segunda, de motriz acadêmica, se sustenta nos aprendizados vividos na Licenciatura em Dança da UFRN.

Compreendemos que a ancestralidade é matéria. É a força das tradições vividas por seres humanos nas diversas existências que, partindo da África, mesmo em condições de escravatura, povoaram imaginários e culturas, sobretudo, religiosas, no Brasil e no

4 O Ilê Olorum é uma organização religiosa, com o CNPJ: 00.334.852/0001-15, que iniciou suas atividades em 05 de dezembro de 1994, regido pelo carisma e sabedoria da Ialorixá Isa de Nanã. A principal atividade dessa organização é atividade religiosa e filosófica, de matriz do pensamento ancestral africanos. Seu endereço é: Avenida Perimetral Vida Nova, 52 - Vida Nova - Parnamirim – RN. CEP 59147-190. Seus contatos podem ser pelos telefones: (84) 9120-2324 / (84) 9658-8171 e pelo E-mail: calassia@hotmail.com.

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mundo. E, como matéria, precisa ser entendida, abordada, reconhecida, na forma como encontramos no livro do professor Agenor Miranda Rocha (2000), As Nações Kêtu:

Origens, Ritos e Crenças – Os candomblés antigos do Rio de Janeiro, no prefácio de sua segunda edição, escrito pelo Obá Aré do Ilê Axé Opô Afonjá, Antonio Olinto, que nos diz:

Diga-se que há uma sabedoria que só a religião consegue captar e guardar. É a que se baseia na busca do autoconhecimento e na união, tão profunda quanto possível, entre cada ser humano e o universo circundante, habitado por múltiplas formas da natureza e por outros seres humanos, seus semelhantes. O grude que junta ser com ser ganha, na religião, uma força inesperada, capaz de ligar, de religar, de tornar inconsúteis os tecidos de que as pessoas são feitas.

(OLINTO apud ROCHA, 2000, p. 14).

Da mesma maneira, esse estudo aproveita a nossa formação na Licenciatura em Dança (UFRN) para abordar a dança da tradição do candomblé de Kêtu, no culto ao orixá Oxóssi; estuda a percepção que o pesquisador tem dessa dança, quando a realizada (no ensaio no terreiro e no culto ao sagrado); e, depois, na reflexão sistematizada que faz dela, ao descrever a coreografia (danças) do Agueré de Oxóssi.

O Agueré é ao mesmo tempo um estilo de música (cantiga), um estilo de dança de terreiro dedicado ao orixá Oxóssi e uma chave simbólica da motriz africana que se mantém na cultura do candomblé.

Oxóssi é “[...] o orixá da vida na mata, que tem o ofá arco e flecha como símbolo, aquele que, na ordem social, pelo sucesso das descobertas que se operam pela existência”, segundo a dançarina, pesquisadora e professora Nadir Nóbrega. (OLIVEIRA, 2006, p.

19). E tem grande importância para o candomblé e as religiões e culturas africanas, por sua dimensão histórico-cultural.

Conforme contam as lendas sobre esse santo, Oxóssi é o rei de Queto, o que faz com que a emissão de seu toque tenha um significado eloquente na função de convocar as divindades africanas a estarem na terra, por intermédio da possessão. (CARDOSO apud SANFILIPPO, 2016, p. 36).

A importância de Oxóssi na estruturação da cultura iorubá e afrodescendente, acima de tudo, no candomblé brasileiro,

[...] deve-se a diversos motivos. O primeiro é de ordem material, pois é Ososi quem torna as caçadas frutuosas e, em consequência, garante a comida em abundância.

O segundo é de ordem médica, pois os caçadores, estando frequentemente na floresta, estabelecem contato com Osanyin, divindade das folhas medicinais e litúrgicas. Em Kétou um Olosanyin, entendido das folhas e talismãs, é quem é o guardião de Ososi.

O terceiro é de ordem social, pois é quase sempre um caçador quem descobre, sob a proteção de Ososi, por ocasião de suas incursões à procura de caça, um

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lugar favorável de uma nova roça ou de uma futura aldeia onde ele vem instalar-se com sua família. Ele se torna o primeiro ocupante do lugar e dono da terra, á[sic] frente daqueles que virão instalar-se depois dele. (VERGER apud SANFILIPPO, 2016, p. 42-43). 5

Compreendemos que a coreografia do Agueré é capaz de reunir na partitura corporal do agente dançante a tradição oral do povo negro, os simbolismos cultivados no orixá da caça, rei de Kêtu, com também toda sua figuração simbólica e corporal.

Acreditamos que a presença do orixá Oxóssi seja uma manifestação singular da cultura de motriz africana que ocorre na cultura tradicional brasileira. Ainda mais, o seu modo de dançar que, como entendemos, transcende o espaço religioso do terreiro de candomblé (o sagrado) e migra como saber, para outros espaços da cultura. Como nos mostra o pequeno exemplo, a seguir, do uso recorrente das imagens desse orixá, no dia a dia da cultura brasileira.

Podemos observar a herança das imagens de Oxóssi como o caçador, o caboclo do arco e flecha, o guerreiro, entre outras, que ilustram o imaginário indianista e da brasilidade da nossa cultura, conforme vemos nas figuras a seguir.

Figuras 02 e 03: Oxóssi retratado na estatuária do culto dos caboclos (Cf.: https://definicao.net/oxossi/) e no imaginário do povo de santo (Cf.: https://www.cademeusanto.com.br/oxossi/).

Ou nas figuras 04 e 05, em que podemos observar esse imaginário sobre o orixá Oxóssi retratado em uma história em quadrinhos, assim como no gestual de um jogador de futebol.

5 A forma como o etnógrafo Pierre Verger grafa o nome dos orixás é antiga, com forte influência dos idiomas africanos. Sendo assim, na grafia “Ososi”, leia-se Oxóssi; “Osanyin”, leia-se Ossain; “Kétou”, leia- se Ketu.

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Figuras 04 e 05: Oxóssi retratado em HQ de Hugo Canuto — Foto: Hugo Canuto/Reprodução; Gesto simbólico do jogador Paulinho, da seleção brasileira, na hora do gol, nas Olimpíadas de Tóquio 2021 (Cf.: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/07/22/saiba-o-que-e-a-flecha-de-oxossi-citada-

em-comemoracao-de-gol-do-brasil-na-olimpiada.ghtml).

Compreendemos que há uma possibilidade da dança de Oxóssi ser caminho para a construção de uma pedagogia da dança, partindo desde a forma como acontece na tradição do Ilê Olorum (no treino e no rito a Oxóssi); da mesma forma como aprendemos a refletir a dança ocidental nas aulas do Curso de Licenciatura em Dança, a partir do modelo estruturado na lógica e na teoria.

Como se sabe, a formação em nível de graduação em uma licenciatura em dança deve considerar não apenas a construção dos diversos saberes artísticos, como acontecem no mundo, mas que também saiba favorecer a aprendizagem da dança no ensino escolar.

Deve, ainda, manter sempre o diálogo ativo entre sujeitos que aprendem coletivamente, pois a dança é também um saber da tradição e da cultura.

Neste sentido, respeitar o lugar cultural onde se localiza qualquer manifestação da dança, que se queira estudar, é de fundamental importância. Isso garante a montagem de

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uma base pedagógica de abordagem da dança como área de conhecimento e como valor civilizacional.

Acreditamos que o uso dos estudos da dança pode ser significativo na produção de conhecimento nessa área. E foi nessa direção que buscamos realizar uma observação sistematizada da dança do Agueré de Oxóssi do terreiro Ilê Olorum, na tentativa de identificar a presença de marcas coreográficas sobre as quais pudéssemos avaliar as qualidades de movimento, nos moldes do que foi proposto por Rudolf Laban (1978).

Nossa intenção é favorecer possibilidades de estudo desse universo da dança de motriz africana, com valor simbólico da cultura tradicional dos povos ditos “de santo” 6, em futuras aulas de dança, tanto no espaço escolar, quanto fora dele. Destacamos que a dança de anto ensinada na escola teria caráter didático-pedagógico, diferindo da dança de terreiro, que se manifesta em contexto religioso, de culto e antropologia.

Investigamos, para além dos traços identitários dessa coreografia, como se dá o aprendizado dessa dança no terreiro e como podemos estudar a composição de uma dança oriunda do candomblé. Essas e outras questões nos obrigam a uma reflexão qualificada, como a que nos propomos neste escrito.

6 Neste trabalho, usamos a expressão “de santo” para nos referirmos às pessoas de terreiros, do jeito que fazem no senso comum para se referir aos frequentadores do candomblé.

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1.1. O DESPERTAR DO ABIÃ (A ESCOLHA DO TEMA)

Figura 06: Lucas, abiã no Ilê Olorum, em 2017. (Acervo Pessoa; fotografia Makarios Maia).

O candomblé é uma cultura que obedece muito às hierarquias. Abaixo das mães de santo e dos pais de santo, existe toda uma família a quem obedecer.

O respeito à hierarquia também parte de um dos preceitos do candomblé acerca do processo de iniciação. Aprender no candomblé é vivenciar inicialmente um desconhecimento ritual e também a performance da submissão no cotidiano da comunidade religiosa (Rabelo, 2014). Segundo essa mesma autora, o iniciado deve “sujeitar-se” a regras e procedimentos rituais, a fim de que possa ir aprendendo não apenas em termos da aquisição de conhecimentos, mas também da possibilidade de manejar energias e aspectos que apenas o tempo e a realização de rituais orientados por membros mais experientes podem proporcionar (CAMARGO; SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2020, p. 10).

Nesse universo, o abiã é uma pessoa que ainda não foi iniciada, mas que está no terreiro para aprender e para se preparar para a iniciação. Por isso, realiza serviços gerais na casa, no terreiro, que não são dos fundamentos religiosos. A aprendizagem do abiã é fundamental, para quando chegar o seu momento de iniciação.

Quando cheguei no Ilê Olorum, era para assistir a um evento do Dia da Consciência Negra. Naquele espaço que é tão maltratado pelo preconceito que sofre, por parte de algumas pessoas da cidade, vivenciei um dia de encanto e saberes. E as primeiras coisas que vi lá pareciam diferente de tudo o que se vê numa festa de outras religiões. Na figura 06, podemos ver a minha chegada e meu encantamento pelo que presenciava no universo do terreiro, que, a meu ver, aquele dia ia para além do dia da consciência negra, mas que marcaria minha vida como filho de Oxóssi.

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O que achei mais interessante foram as pessoas vestidas com roupas brancas, com os pés descalços, em contato com o chão do barracão, organizadas em uma grande roda.

Me chamava a atenção a simplicidade dos “Iaôs”, que eram os iniciados, e a beleza das indumentárias, ainda mais, das Ialorixás (mães de santos) e dos babalorixás (pais de santos) e dos ebomis (No Ilê Olorum, usualmente, chamamos “ebamis” as irmãs ou os irmãos mais velhos).

Iaôs é o nome que recebem, no candomblé, os “filhos de santo”, ou seja, as pessoas que estão em preceito, isto é, cumprindo os deveres e encargos do curso de iniciação ou recém iniciados. (CASCUDO, 1988, p. 377). Ialorixás e babalorixás são sacerdotisas e sacerdotes do candomblé, responsáveis pela iniciação das iaôs e pela manutenção das casas, dos terreiros (CASCUDO, 1988, p. 455).

Depois daquele dia, passei a me interessar pelo candomblé, como uma coisa presente na minha ancestralidade. Queria conviver mais com a tradição africana, dos povos negros, que formam meu corpo e minha vida. Passei a frequentar o terreiro.

Foi quando assisti a um primeiro xirê. Era um domingo e a festa era dedicada para o orixá Ogum. Xirê é uma expressão utilizada para definir a sequência na qual os orixás são invocados, se manifestarem e são cultuados na roda de dança do candomblé. A palavra é mais uma herança africana de onde se tira o significado de brincar, dançar, festejar o candomblé. O xirê organiza-se em uma sequência coreológica da hierarquia de manifestação de santos, por assim dizer.

Segundo Câmara Cascudo (1988, p. 804-805),

[...] é a ordem de precedência em que os santos são nomeados, evocados, cantados, nos rituais iniciadores das cerimônias. No xirê, duas ordens são usadas para apresentar orixás: o padê (a primeira ordem), que começa pela apresentação dos orixás masculinos (os agãs): Exu, Ogum, Oxóssi, Ossain, Oxumaré, Omolu, Xangô, Irôko e Logun Edé; seguidos pela apresentação dos orixás com evidências femininas (as aiabás): Iansã, Oxum, Iemanjá, Nanã, Ewá e Obá. Nessa ordem, no padê, as iaôs dançam “acordados”, isto é, são as pessoas, mesmas, não são os orixás que se manifestam no transe. O xirê, propriamente dito (a segunda ordem), é quando os filhos de santos estão manifestados com os orixás. E começa pelo orixá “dono da festa”, ou seja, o orixá que tem seu filho (iaô) iniciando-se no candomblé, um orixá que está sendo iniciado na formação de um ou mais iaôs. A apresentação de orixás, no xirê, não obedece a ordem do padê, segue a sequência de uma hierarquia, onde os orixás de iaôs iniciados há mais tempo (os “mais velhos”) vêm primeiro que as iaôs que são recentemente “feitos” (os “mais novos”) iniciados. Segundo Cascudo (1988), “Os atabaques são os tambores primários, feito com peles de animais, distendidas sobre um pau oco, que são utilizadas para marcar o ritmo das danças religiosas e produzem o contacto com as divindades” (CASCUDO, 1988, p. 83).

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Mas para quem é de candomblé, os tambores são muito mais que instrumentos de percussão, são uma divindade. E, no dia que assisti ao meu primeiro xirê, logo no começo do padê, me encantei com a dança. Era uma dança em roda (gira), muito interessante, com pessoas cantando e dançando, mexendo seus corpos, ao som dos atabaques.

O barracão do terreiro, em dias normais, é organizado como uma casa simples, onde os filhos da casa fazem suas obrigações do dia a dia: limpeza, arrumação, cuidados com as ferramentas, as plantas, os utensílios, as comidas, enfim, cuidados domésticos, afinal, “Ilê” é o mesmo que “casa”, segundo a tradução literal do termo, do ioruba. “Ilê Olorum” pode ser lido, assim literalmente, como a “casa de Deus”. Já em dias de festa, quer seja de iniciação ou qualquer outra celebração de santo, o barracão passa por uma ornamentação diferente, celebrativa, onde são destacadas as cores, as formas, as simbologias dos orixás celebrados.

Os orixás que mais se destacaram na primeira festa que fui, no terreiro de Mãe Isa, na minha observação, foram Ogum e Oxóssi, pela dança (em que as pessoas se agitavam muito), e as Aiabás (orixás femininos), pela elegância, pelo brilho e a suavidade dos movimentos e Oxalá, pela calmaria nos seus passos.

As danças dos orixás variam de acordo com o som do atabaque e com a melodia que está sendo cantada. Os passos variam do mais rápido ao mais suave, de acordo com o som do atabaque. O que eu pude observar nas danças dos orixás foi que cada orixá tem seu ritmo, sua velocidade e tempo de dançar, alguns mais calmos e outros mais rápidos, de acordo com o som do atabaque.

Os elementos que faziam a harmonia das danças dos orixás eram as palmas, atabaques, a canção e a energia que cada pessoa que estava lá passava. No meu primeiro contato com a dança dos orixás, fiz várias observações, nas festas que fui como espectador, até me tornar abiã e começar a frequentar os primeiros ensaios (como também chamamos os encontros de treino para a dança das festas de candomblé, no Ilê Olorum).

Foi como abiã que comecei a trabalhar as repetições dos passos, com a ajuda de algum irmão mais velho, da casa auxiliando e dizendo qual a intenção dos movimentos das danças que cada orixá tem.

Os primeiros ensaios foram para observar e tentar reproduzir os movimentos da dança, de cada um dos orixás. Pensamos que, porque já dançamos, será fácil. Talvez seja mais difícil, por causa de vícios corporais que já se encontram no nosso corpo. Então temos que desconstruir, para poder construir esses movimentos delicados desses orixás.

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Os vícios corporais são as ideias “certas” do que nós achamos que é dança em nossos corpos. E são construídos no mergulho que fazemos em nossas práticas culturais, nos hábitos que vivemos sem perceber.

Desconstruir, eliminando, ao máximo possível, toda essa “ideia” de uma dança já dançada, para trazer ao seu corpo os movimentos de uma outra dança, para fazer seu corpo despertar e encontrar-se com elementos primordiais, essências de postura e movimento, de sua origem ancestralidade. Assim como, também, para se apresentar, no fazer da dança, percebendo como se dá essa movimentação que está descobrindo.

Existe diferença entre as danças populares mais comuns e a dança dos orixás.

Muitas dessas diferenças são de ordem material, física; outras, de ordem cultural. Por exemplo, no candomblé é comum achar uma diferença de ordem corporal quando nas danças populares busca-se estimular o uso dos quadris em grande expressividade. Na dança dos orixás os quadris são a parte do corpo que é menos usada, para dançar os santos, usa-se muito mais os ombros e os joelhos, sem mexer muito os quadris.

Além das leituras na pesquisa, nos estudos de observação da dança de Oxóssi, pude notar que transparece, simbolicamente, que ele é o orixá da caça e dos caçadores, um dos mais antigos e famosos no candomblé.

Figura 07: Imagem símbolo do Ofá de Oxóssi.

Oxóssi usa como ferramenta o Ofá (Figura 07), objeto sagrado em forma de um arco e uma flecha, que é venerado pelos que praticam o candomblé como ferramenta de Oxóssi e, como símbolo de brasilidade, em muitos espaços simbólicos da nossa cultura.

O Ofá é um símbolo muito significante, na tradição afrodescendente. O Ofá de Oxóssi dialoga com sua energia, sua matriz simbólica e sua dança. Essa matriz simbólica é uma extensão do poder do orixá, no culto da fé.

Segundo a filósofa e professora Marilena Chauí (2000),

A figuração do sagrado se faz por emblemas: assim, por exemplo, o emblema da deusa Fortuna era uma roda, uma vela enfunada e uma cornucópia; o da

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deusa Atena, o capacete e a espada; o de Hermes, a serpente e as botas aladas;

o de Oxossi, as sete flechas espalhadas pelo corpo; o de Iemanjá, o vestido branco, as águas do mar e os cabelos ao vento; o de Jesus, a cruz, a coroa de espinhos, o corpo glorioso em ascensão. (Idem, 2000, p. 383).

Esse símbolo, assim como outros da cultura do candomblé também são representados na pintura, a exemplo da pintura modernista do pintor Abdias do Nascimento.

Figura 08: Okê Oxóssi, de 1970, tela de pintura modernista, marco simbólico da persistência cultural da motriz afrodescendente, criação do advogado, ator, pintor, deputado e diplomata Abdias do Nascimento.

(Cf: https://www.quatrocincoum.com.br/br/resenhas/arte/invisibilidade-oceanica).

Orixá, como sabemos, é um tipo de força que herdamos da ancestralidade da religião iorubana (na África), que se localiza simbolicamente entre os devotos e a suprema divindade, inacessível às súplicas humanas. Simbolizam forças naturais e possuem atribuições na vida e nas práticas religiosas de seus fiéis.

Minha opção pelo trabalho por ser esse um estudo que diz respeito não apenas à luta dos povos negros e indígenas, da tradição cultural brasileira, mas por ser essa dança de Oxóssi um lugar de fala da minha própria existência pessoal. Em paralelo ao que sinto

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e penso, devemos considerar que se faz necessário vivenciar a cultura constitutiva da nossa etnia para, inclusive, conhecer os saberes locais, os modos diversos em que cada povo dança, cultua, festeja e celebra seus rituais, possibilitando a luta contra o racismo e contra os preconceitos, além de propor estratégias de ensino dessas danças no âmbito escolar.

Optei por realizar esse trabalho por ser um negro, descendente dos povos de África, que também é do candomblé de Kêtu e, ainda mais, filho iniciado do orixá Oxóssi.

Assim, como negro do candomblé, iniciado no Ilê Olorum, também sou dançarino de danças populares brasileiras, tendo me dedicado a essa temática durante todo a minha vida e, ainda mais, na graduação na UFRN, no Curso de Licenciatura em Dança.

Por isso, o trajeto metodológico que buscamos visa atender ao objeto de estudo e não aos desdobramentos de discursos de ódio ou de preconceitos. A dança de Oxóssi é cultural na mesma medida que é um saber corporal, uma construção estética, um fenômeno artístico, um rito sagrado, uma manifestação estética, um conhecimento passível de entrar na escola e ajudar a formar pessoas.

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1.2. UMA CAVALGADA PELAS MATAS (BASE METODOLÓGICA)

No trajeto metodológico, me concentro em dividir o trabalho em três partes. Na primeira, que diz respeito ao contexto, identifico o Agueré como uma dança de Oxóssi, localizando-a no espaço do sagrado, que é o terreiro de santo onde a aprendi e onde realizo minhas devoções.

Importante entender, nessa arte, que o terreiro não é só um lugar de festa sagrada, mas um lugar de aprendizagem, onde se ouve as reflexões das mães e pais de axé, dos irmãos e irmãs de religião. Aquele lugar é onde a gente se abre à ancestralidade, que vem da África, de muito antes de nós, do antes próprio Brasil; que vem também dos povos das matas, dos nossos indígenas.

Para entender isso é preciso saber dialogar com as culturas. Os saberes contemporâneos, como bem a gente aprende nas aulas da Licenciatura em Dança da UFRN, sistematizam de maneira científica e teórica experiências vividas na nossa existência. A dança que fazemos é material para essa sistematização. Bem como, pode ser matéria para o futuro das crianças, jovens, idosos, enfim, para quem vier ter acesso a ela, (em idade escolar ou não), mas que queria aprender.

Numa segunda parte do trabalho, do ponto de vista dos aportes teórico metodológicos, me organizei em dois níveis de fundamento: a parte descritiva, produzida a partir da técnica da observação participante e da descrição sistematizada do Agueré de Oxóssi; e da análise do movimento, apoiada nos estudos dos “fatores do movimento” de abordagens da dança.

A partir da descrição da dança (na forma como se pode assisti-lo e na forma como me sinto ao dançar), organizei um quadro analítico, elaborado em uma metodologia de investigação, subdividida em três fases, independente e complementares: 1) a definição do modo de descrever a dança; 2) a aplicação da leitura conjuntural, a partir dos “fatores de movimento” (LABAN, 1978); 3) a leitura sistematizada em uma síntese reflexiva.

A pesquisa adequa-se ao modelo explicativo, para atender as necessidades do objeto de estudo, um tipo específico de dança dos orixás, sobre a qual não encontrei bibliografia especializada. A pesquisa explicativa serve, exatamente, para esses casos.

Segundo GIL (2007, p. 43), “Este tipo de pesquisa preocupa-se em identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”.

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Ou seja, é um tipo de pesquisa que explica o porquê das coisas e demonstra, através de descrição detalhada, os processos de como esses fenômenos ocorrem e os seus resultados. Ainda, segundo GIL (Idem), uma pesquisa explicativa pode ser a continuação de outra descritiva, posto que a identificação de fatores que determinam um fenômeno exige que este esteja suficientemente descrito e detalhado.

Esse modelo de pesquisa me possibilitou, ao mesmo tempo, um entendimento distanciado do meu objeto de estudo (a dança do Agueré de Oxóssi), compreendendo sua realidade e como poderia investigar suas partes; e uma aproximação com o processo de dançar o Agueré, pois compreendi que esse é um objeto permanentemente inacabado.

Assim, as estratégias que formaram essa Metodologia foram:

a. observação participante do modo como eu danço o Agueré;

b. anotação detalhada da percepção de tudo o que eu sentia e sabia dessa dança, com preocupação para os dois tipos de registros que eu podia fazer:

• registro da percepção interna – sentimento e memória;

• registro da percepção externa – conhecimento e localização;

c. análise das ações corporais e dos movimentos que formam dessa dança, a partir de toda uma simbologia que envolve a manifestação do orixá Oxóssi.

Para fundamentar o trabalho, no tocante aos estudos da dança e seus contextos, do ponto de vista dos fundamentos teórico-metodológicos por nós utilizados, pretendemos iniciar com uma abordagem labaniana e dos estudos coreológicos, a partir da referência de LABAN (1978).

Segundo a professora e pesquisadora Larissa Marques,

[...] podemos ressaltar que o estudo da coreologia é extremamente relevante para o ensino da dança, oferecendo um rico leque de saberes que extrapolam uma relação de ensino-aprendizagem ainda pautada em grande parte por uma mera decodificação de passos. As idéias(sic) de Laban oferecem muitas entradas para pesquisar, experimentar e apreciar os incontáveis desenhos que o corpo pode realizar quando dança. Cabe ao professor(a) inserir esse conhecimento nas suas aulas, mas sem esquecer de contextualizá-lo, estabelecendo relações entre esse conhecimento produzido no século XX e os interesses, o contexto sócio-cultural(sic) em que estão imersos seus alunos e os saberes prévios que eles trazem, para que o ensino-aprendizagem da dança possa efetivamente contribuir para uma participação mais crítica, reflexiva e criativa no mundo social em que vivemos (TIBÚRCIO, 2010, p. 185).

Não foi tratado no trabalho um aprofundamento dos estudos coreológicos. Nos dedicamos a abordagem dos “fatores do movimento” como mediadores de uma

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compreensão da dança como linguagem universal, na forma como pode ser encontrado nos estudos da professora Dr.ª Larissa Marques (TIBÚRCIO, 2010; 2014), complementados pelos estudos do mesmo tema, encontrados nas pesquisas da professora Dr.ª Lenira Rengel (RENGEL, 2001; 2006; 2008).

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2. A C AÇADA NA F LORESTA (C AMPOS R EFERENCIAIS )

2.1. O ARCO DE CAÇA (BASE CONCEITUAL)

O meu corpo está em movimento no espaço/tempo, ainda que eu seja um observador dessa dança, desse movimento, dessa tradição simbólica carregada de força de uma herança ética, da própria mística do fenômeno do orixá. Mas tudo isso é, para mim, a aprendizagem cultural da dança.

No decorrer do trabalho, tanto na fase de preparação, quanto na sua execução, precisei fazer uma revisão conceitual para compreender os fundamentos dessa pesquisa.

E dois elementos conceituais se apresentaram como base para o trabalho: o corpo em movimento e o Agueré de Oxóssi.

Figura 09: Caçador africano. Fotografia de Pierre Verger. (Afrique) Bénin: 23 photographies d’hommes et femmes (1935). (Cf.: https://br.pinterest.com/pin/134122895133608598/).

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Na figura acima, podemos reconhecer os traços do simbolismo do guerreiro caçador nos povos africanos, segundo a fotografia de Pierre Verger. Nela, vemos os principais elementos que migraram da prática usual, da técnica corporal e dos utensílios de caça; bem como da extensão do movimento no corpo, em ação complexa de uma totalidade de sentidos e significados que transitam do real (uso cultural) para o simbólico (artístico).

Segundo a professora Lenira Rengel (2001, p. 20), “Laban ressalta que atitude, esforço e movimento se dão simultaneamente e que o termo corporal reúne os aspectos intelectuais, espirituais, emocionais e físicos, ou seja, o corpo é uma totalidade complexa”.

Do corpo deriva o movimento, ou seja, a condição que gera a ação, o fator da mudança de tudo. Creio que o movimento é a própria essência da dança. Como elemento da ação e da significação, representa o que o corpo faz no lugar e no tempo, mas também, demonstra partes importantes da motriz cultural desse corpo, quer seja social ou de sua herança ancestral.

2.1.1 Agueré: corpo, movimento, educação

Tudo começa a partir do corpo. O corpo é volume que ocupa espaço, que se move, anda e dança. É vocábulo e instrumento de trabalho do ator, do bailarino, de todos. A dança é a linguagem que aproxima e mobiliza pessoas, capaz de incluir até os mais inibidos dos seres humanos. (ANDRADE, 2017, p. 239).

O corpo é na vida ou a vida é no corpo? O que é o corpo? O quanto precisamos nos orientar a conhecer o próprio corpo? Nós “somos” um corpo ou “possuímos” um corpo?

Para Marcel Mauss (2003), sociólogo e antropólogo francês, responsável pela primeira produção sociológica acerca das “técnicas corporais”,

[...] O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Ou, mais exatamente, sem falar de instrumento: o primeiro e o mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico, do homem, é seu corpo. (MAUSS, 2003, p. 407).

Sendo assim, precisamos aceitar que corpo é um conceito complexo, que envolve diversas áreas de conhecimento. Dessas áreas e dessas bases, podemos detectar que o conceito de corpo, como o lemos na dança, implicava em domínio de outros conceitos, como o de percepção, espaço, tempo, cultura etc.

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A corporificação da dança do Agueré de Oxóssi, embora ligada à presença do sagrado nos rituais do candomblé do Ilê Olorum, aqui é compreendida como a união de diversos fatores, entre eles: a festa e a fé; a música e a coreografia; a ancestralidade como escola e a tradição como prática artística; o xirê como expressão artística e ritual espiritual, da forma como a professora Suzana Martins (2008, p. 01) nos apresenta,

[...] Os gestos e os movimentos inscritos no corpo num processo intenso e extenso de aprendizagem, que são internalizados de acordo com os dogmas, os fundamentos religiosos e o arquétipo dos Orixás, sendo transmitidos pelos religiosos mais velhos da comunidade do Candomblé. No processo de corporificação, tanto a dança quanto a música estão intrinsecamente unidas e diretamente integradas ao fenômeno religioso propriamente dito ─ nos rituais e nas cerimônias ─, sendo que essas expressões artísticas são essenciais para evocar os Orixás. Assim, a dança e a música interagem entre si no sentido de que o ritmo se desenvolva em função dos movimentos e gestos, os quais possuem relação direta com a musicalidade da dança do Orixá.

O imaginário ancestral da dança de Oxóssi é um imaginário de caçador. O Agueré é uma estratégia de caçar, de esconder a presença do caçador, no meio da mata, para ofuscar a percepção de sua caça. Neste sentido, a dança é um modo de ação carregado de intenções. Aprender essa dança faz do aprendiz de candomblé um ser atento às possibilidades instantâneas de sobrevivência e vitória em seus intentos.

A dança de Oxóssi é, por si, educativa para a formação de religiosos na nação de Kêtu. No terreiro, fica bem delimitado esse aparato pedagógico, nas práticas cotidianas do abiã e da yaô.

Pensando na possibilidade de elaboração de material educacional para a dança, a partir dos estudos de Agueré de Oxóssi, em sua motriz afrodescendente, uma problemática que nos atravessa seria:

1) de que modo o Agueré de Oxóssi pode servir no processo educacional em dança, como matriz pedagógica?

2) Que contribuição teria a figura de Oxóssi, como divindade mestiça, meio africana, meio ameríndia, na formação de imaginários (religiosos e culturais), possíveis de serem reconhecidos como matéria educacional da dança?

3) Que estruturas de movimento podem ser identificadas no transcurso dos estudos pedagógicos da dança de Oxóssi e como aplicar tais estruturas em estratégias curriculares voltadas à Educação Básica?

4) É possível uma ressignificação da motriz africana do corpo dançante de Oxóssi para um corpo usual, no cotidiano da escola?

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Compreendemos, portanto, a necessidade de uma pedagogia, que se venha a desenvolver, que acate o “caçar”, na dança de Oxóssi, não de modo individual, mas como um saber que deve ser pensado no coletivo. E esse coletivo não é apenas da aldeia, mas da mata, com todas as formas de vida que ali se organizam. Assim, o rito da caça significa fartura e renovação. A dança como gesto de aceitação e respeito. O sagrado que nos habita, também habita a caça e os que têm fome.

No sentido de compreender uma pedagogia da dança do Agueré, que não se faz presente neste trabalho, mas que desponta como possibilidade para uma continuidade desta pesquisa, em outros níveis, acatamos a simbologia de Oxóssi como uma esperança na aprendizagem. O corpo que manifesta o caçador, na tradição do candomblé, é também o trajeto de um aprendiz de ancestralidades.

2.1.2. O Agueré de Oxóssi

Pé direito para a frente, para trás e para frente de novo. O corpo se movimenta, balança. Vira para o outro lado, repentinamente, e, desta vez, pé esquerdo para frente, para trás e para frente, seguindo o ritmo do atabaque. O Agueré do grande Caçador Oxóssi, dançado, cantado, tocado, festejado nos salões dos candomblés, é encantador e despertou em mim o desejo de percorrer os caminhos do rei pelas matas do conhecimento. (SANFILIPPO, 2016, p. 9).

O Agueré, como aprendemos nos ensinamentos orais que vivenciamos no terreiro, pode ser executado em uma cadência de batida do atabaque, conhecido como “quebra- pratos”, com duas variações: 1) uma dedicada ao orixá feminino Oyá ou Iansã, a senhora das nuvens escuras, dos raios e das tempestades; e outra, 2) dedicada ao orixá masculino Odé ou Oxóssi, senhor das florestas, da caça, da fartura e da troca cultural.

Da mesma forma, o Agueré pode ser visto como uma dança atribuída a Oxóssi, o caçador, que tem o ritmo do Agueré, quando a entidade dança fazendo uma demonstração coreográfica de uma caçada, nela, o orixá se move como se estivesse atrás de sua caça.

Para isso, na representação simbólica dessa dança, o agente deve construir no corpo movimentos que ambientem sua ação no meio da mata. E mover-se sem fazer ruídos para não ser percebido, utilizam-se de movimentos precisos, com coreografia perfeita dentro do ritmo. Para desenhar, com seus movimentos, ações de vigiar, como a perceber o seu entorno; esconder-se, deslisar por entre as folhas; caçar, espreitar a presa;

atacar, mirar seu ofá (arco e flecha) e atirar, atingir a presa. Em seguida, guardar a presa, recolhê-la em seu bornal e seguir sua jornada, de volta à aldeia, ao seu mundo.

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Para compreender o valor significativo do Agueré, faço minhas as palavras do pesquisador Lucio Bernard Sanfilippo (2016), quando diz que é

[...] um complexo cultural. Pelo seu caráter polivalente e polifônico despertado pela pesquisa, tomei a liberdade de tratá-lo ora como ritmo, ora como dança, ora como festa, sem que percamos, entretanto, o entendimento de sua complexidade cultural e educativa. Aproveito para justificar o uso de letra maiúscula na palavra Agueré e em outras manifestações culturais populares como Jongo, Maracatu, Ciranda e Coco, por considerá-las complexos culturais ricos e por acreditar que, assim, possa fazer saltar aos olhos sua importância.

(SANFFILIPO, 2016, p. 10).

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2.2. A FLECHA CERTEIRA (OS FATORES DO MOVIMENTO)

Partindo de pesquisa da professora e pesquisadora Lenira Rengel (2001), que reúne um compêndio de conceituações de movimento, desenvolvida por Rudolf Laban 7, o mestre dos estudos da dança e do movimento, apresentamos os “fatores do movimento”, instrumental necessário, como base coreológica, à análise da dança de Oxóssi, que apresentamos na Parte 3, desse trabalho, “O Agueré de Oxóssi no Candomblé do Ilê Olorum”, na página 35.

O trabalho da professora Lenira Rengel (2001), inserido na área das Práticas Interpretativas, organiza alguns dos variados conceitos da terminologia estabelecida e utilizada pelo professor Rudolf Laban, segundo os quais os “fatores de movimento”

devem ser compreendidos como componentes necessários a qualquer análise da dança.

Esses fatores foram identificados por Laban como parte de uma rede de significados que se referem como “domínio do movimento”. Segundo ele, os fatores do movimento são: FLUÊNCIA, ESPAÇO, PESO e TEMPO. (RENGEL, 2001, p. 70).

[...] “Fatores de movimento” estão em acontecimento na vida, ou seja, durante o nosso existir na natureza e que não temos consciência deles ao agir naturalmente, fazer um recorte e poder analisá-los como modo de apreensão da qualidade do movimento é essencial e, portanto, exige uma metodologia protocolar de análise. (Idem).

Neste sentido, utilizaremos os Fatores, na forma como a professora Lenira Rengel (2001) nos apresenta, para detectar a qualidade do movimento da dança Agueré de Oxóssi, descrevendo como eles se relacionam em sua integralidade. Esta relação é aparente no movimento e se estrutura por meio da capacidade mental emocional racional e física, de forma consciente ou não.

7 Rudolf Laban, de acordo com sua biografia, escrita para o International Dictionary of Modern Dance, é o nome artístico de Rezső Keresztelő Szent János Attila Lábán, um mestre húngaro dos estudos modernos da dança, que nasceu em Poszony (atual Bratislava), em 15 de dezembro de 1879 e morreu em Weybridge (Inglaterra), no dia primeiro de Julho de 1958. Desde jovem, preocupado com o desenvolvimento de uma base para estudos da dança, Laban foi dançarino, coreógrafo, teatrólogo, musicólogo, intérprete, considerado, pela maioria dos críticos, como o maior teórico da dança do séc. XX e como o “pai da Dança- Teatro”. Fundador de escola e diretor de companhia de dança, Laban foi escritor e teórico da Arte do Movimento, tendo estudado na Faculdade de Arquitetura da Escola Nacional Superior de Belas Artes de Paris (França).

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2.2.1. Fator do Movimento: Fluência

O fator de movimento Fluência é o primeiro fator observado no desenvolvimento do agente, segundo a pesquisadora Lenira Rengel (2001), em sua dissertação de mestrado.

[...] A tarefa do fator Fluência é a integração (tarefa refere-se ao aspecto que o fator de movimento auxilia a desenvolver). A integração do movimento traz sensação de unidade entre as partes do corpo. A atitude relacionada à Fluência é a progressão do movimento, que pode ser livre ou contida, informando (informando refere-se ao aspecto de participação de atitude interna no movimento) o “como” do movimento: mais ou menos integrado (liberado) ou mais ou menos fragmentado (contido). A Fluência apoia a manifestação da emoção pelo movimento, pois os extremos e/ou as gradações entre um alto grau de abandono do controle ou uma atitude de extremo controle, manifestam no movimento os aspectos da personalidade que envolvem a emoção.

(RENGEL, 2001, p. 71-72 – Grifos da autora).

Segundo a autora, o domínio do fator fluência demonstra, qualidade de expansão, abandono, extroversão, entrega, projeção de sentimentos. Para ela,

[...] O controle da Fluência demonstra, por exemplo, cuidado, restrição, contenção, retrair-se. O conceito de Fluência tem duas formas qualitativas básicas de ser experienciado, assim denominadas: 1. livre e/ ou liberada; 2.

controlada e/ou contida e/ou limitada. É possível descrever a qualidade de esforço em relação a Fluência em um movimento, bem como na sucessão de um movimento para outro. (Idem).

A autora enfatiza que a fluência é alimentadora dos outros fatores (Espaço, Peso e Tempo) e, por vezes, é a única qualidade que muda, enquanto os outros fatores têm suas qualidades cristalizadas. Nesse sentido, a autora organiza duas condições para a fluência:

1) A qualidade livre (de Fluência), descrita como fluente, abandonada, continuada, expandida;

2) A qualidade controlada (de Fluência), descrita como cuidadosa, restrita, contida, cortada, limitada.

Para ela, “[...] nem sempre em um movimento é possível discernir características de Fluência, isso se deve ao fato de outras qualidades ou considerações estarem mais imprimidas ao movimento”. (Idem).

Corroborando com o pensamento de RENGEL (2001) ousamos dizer que todo movimento é fluente, quer na qualidade livre ou na qualidade controlada.

2.2.2. Fator do Movimento: Espaço

O segundo fator de movimento, segundo a professora Lenira Rengel (2001), é o Espaço.

[...] A tarefa do fator espaço é a comunicação. A comunicação que faz o agente se relacionar com o outro, o mundo à sua volta. A atitude relacionada ao espaço

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é a atenção, afeta o foco do movimento, informando sobre o onde do movimento. Características do fator Espaço trazem ao movimento um aspecto mais intelectual da personalidade, pois localizações no espaço são complexas. Estas localizações requerem atenção tanto num único foco como em dois - atenção bidimensional - ou atenção em mais focos ao mesmo tempo, gerando uma configuração no espaço nas três dimensões simultaneamente. [...]

Em geral movimentos flexíveis demonstram mais adaptabilidade, atenção multifocada, menos rigidez. Em geral movimentos retos podem revelar tanto objetividade como convencionalismo. (RENGEL, 2001, p. 73-74 – Grifos da autora).

As qualidades do Espaço se relacionam com o esforço que se realiza em relação à dimensão espacial. Nelas, que são do tipo de concentração (ou foco) ou de trajetória (movimento pelo espaço), destacam-se aspectos da forma do movimento, por onde se podem focar e visualizar o corpo agente.

Segundo Rangel (2001, p. 73), quanto ao uso experiencial do Espaço como conceito, podem ser verificadas duas formas qualitativas básicas: 1. Direta – quando se percebe um contínuo de linhas diretas e lineares que formam o movimento; e 2. Flexível – quando se percebem linhas torcidas e polineares (ou plásticas), com quebras significativas na linearidade geométrica do movimento.

2.2.3. Fator do Movimento: Peso

O fator de movimento Peso, terceiro na ordem observada, segundo RENGEL (2001, p. 75), auxilia no desenvolvimento do agente na conquista da verticalidade. Suas qualidades de esforço são a leveza e a firmeza, com variáveis possíveis de situações entre esses dois polos. Sua tarefa é auxiliar na assertividade, ou seja, tornar preciso o movimento, dando-lhe estabilidade, proporcionando segurança às formas construídas.

[...] A atitude relacionada ao peso e a intenção, a sensação. O peso informa sobre o o que do movimento. Peso traz ao movimento um aspecto mais físico da personalidade. O fator peso auxilia o desenvolvimento do domínio de si próprio, ao transportar o corpo sem ajuda do outro, daí ele gerar a afirmação da vontade. Movimentos leves são mais fáceis para cima, revelam suavidade, bondade, e em outro polo, superficialidade. Movimentos firmes são mais fáceis para baixo, demonstram firmeza, tenacidade, resistência ou também poder.

(Idem).

Segundo a autora, são observáveis no conceito Peso quatro fatos consideráveis:

1 - força de gravidade – para que o corpo se mantenha na posição vertical é necessário que se exerça uma força em direção para cima e igualmente em direção para baixo. A força de gravidade pode ser superada de forma leve ou firme, com todas as gradações possíveis entre ambos os extremos;

2 - força cinética – a força (ou energia) que é necessária para mover o corpo no espaço. O corpo ou partes do corpo pode ser movido de forma leve ou firme, com todas as gradações possíveis entre ambos os extremos;

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3 - força estática – a força (ou energia) que é exercida quando uma posição é mantida em um estado de ativa tensão muscular. Esta força não é para mover o corpo e sim mantida no corpo. Esta força é sentida como se uma resistência interna está sendo acrescentada ao movimento. Resistencia interna pode acontecer de modo leve ou firme, com todas as gradações possíveis entre ambos os extremos;

4 - resistência externa – a resistência oferecida por objetos ou pessoas. Um parceiro, um móvel podem resistir ao corpo ou também suportar o corpo.

Resistencia externa e suporte podem acontecer de modo leve ou firme, com todas as gradações possíveis entre ambos os extremos. (RENGEL, 2001, p. 75-76).

2.2.4. Fator do Movimento: Tempo

A noção de tempo que temos na percepção na vida, através das ações que realizamos no cotidiano, não nos dá um paralelo exato para a compreensão do tempo enquanto fator de movimento. De acordo com a concepção de Laban, conforme nos apresenta a professora Lenira Rengel (2001, p. 78-79). Segundo a pesquisadora, o que percebemos como tempo, no movimento, é um aspecto mais intuitivo da personalidade, ou seja, algo que faz com que o movimento seja único na execução específica de um agente, com identidade e carga subjetiva.

E se a tarefa do fator tempo é auxiliar na operacionalidade, isto é, a disponibilização de elementos que facilitam a execução do movimento, a atitude tempo é decisão, ou seja, o quando do movimento. O que implica na flexibilidade da percepção dos limites, pois as atitudes internas, o treino e o domínio do movimento, na perspectiva do tempo, auxiliam numa maior mobilidade e tolerância. A própria condição de ensaio, repetição, experimentação, condiciona o tempo como matéria elementar do movimento.

O fator tempo possui qualidades de esforço definidas como: sustentada e súbita, indo de uma à outra, na escala de execução do movimento.

[...] importante ressaltar, que se usa também lento e rápido para referir-se a tempo sustentado ou tempo súbito. Laban preferia sustentado e súbito por achar que rápido e lento são termos quantitativos, enquanto sustentado e súbito requerem uma atitude interna de sustentação do tempo ou de aceleração do tempo, gerando deste modo, aspectos qualitativos. (RENGEL, 2001, p. 78).

A duração (curta ou muito curta / longa ou muito longa) de um movimento, vivida em um contínuo de tempo, é um fato a ser observado, assim como, a própria velocidade (rápida ou muito rápida / lenta ou muito lenta) com que esse movimento é realizado num contínuo de muito rápido a muito lento. Considerando-se que além desses dois fatos (duração e velocidade) é necessário compreender que no fator tempo a velocidade não é

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constante no movimento. Durante o processo, sempre haverá momentos de aceleração e desaceleração.

Assim, Laban apresenta as qualidades súbita e sustentada e os três fatos relevantes quanto ao tempo como fator de movimento (duração, velocidade e alteração de velocidade) na seguinte enumeração:

1) qualidade súbita é percebida em movimento(s) rápido(s) de curta duração;

2) qualidade súbita é percebida em aceleração de curta duração;

3) qualidade sustentada é percebida em movimento(s) lento(s) de longa duração;

4) qualidade sustentada é percebida em desaceleração de longa duração;

5) movimentos rápidos de longa duração;

6) aceleração de longa duração;

7) curtos movimentos lentos;

8) desaceleração curta.

(36)

3. O A GUERÉ DE O XÓSSI NO C ANDOMBLÉ DO I LÊ O LORUM

Aceito que candomblé é o “[...] nome da religião de motriz africana reformulada nas terras brasileiras que reúne diferentes formas de cultuar as divindades ancestrais africanas”. (OLIVEIRA; ALMIRANTE, 2014, p. 168).

O candomblé pode ser entendido como religião, mas é muito mais que isso.

Segundo Rosamaria Bárbara (2002, p. 14) o candomblé é uma religião

[...] fundamentada no corpo e nas suas percepções, assim como na construção de um conhecimento que se dá ao longo de um processo ritual, que por sua vez, pressupõe uma experiência corporal que abre novas perspectivas de vida, oferecendo novas orientações. Podemos pensar, então, que a experiência corporal compartilhada [...] pode ser usada por elas como base para a solidariedade e para a continuação de seus valores.

As formas que simbolizam sentimentos e saberes humanos estão desenhadas nas cantigas, nos batuques e nas danças de transe como processos de significação mística coletiva, que se equiparam às rezas cristãs. No entanto, não são processos meramente cerebrais, mentais, metafísicos; são fenomenológicos. O corpo é a chave da crença e da experiência no candomblé. Dançar é rezar, compartilhar, alegrar, celebrar, reverenciar, amar, ensinar, aprender, ser.

Na dança de candomblé há um lado visível, que as pessoas que não são daquele meio cultural podem até achar que é só arte, só pela beleza e qualidade corporal e musical que os movimentos apresentam. Mas para quem conhece os códigos iniciáticos da religião, a dança é como uma oração que se inscreve e escreve no corpo do dançante, um

“texto” para ser lido por toda aquela comunidade, uma celebração. Esse é o lado invisível da dança “de santo”, o mistério.

Nesse sentido, o orixá é o corpo que se transforma em templo, em código, em memória de uma cultura descendente da África, que não podia existir no Brasil da escravidão, mas que manteve os padrões de significação e comportamento guardados nas tradições de terreiro, que fazem daquela dança um universo profundo.

A dança é a mãe das artes. Música e poesia determinam-se no tempo, as artes figurativas e arquitetura no espaço; a dança vive igualmente no tempo e no espaço. Nela, criador e criação, obra e artista, são um todo único, movimento rítmico em uma sucessão espaço-temporal, senso plástico do espaço, viva representação de uma realidade visível e fantástica (SACHS apud BÁRBARA, 2002, p. 21).

Referências

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