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CAPÍTULO III – O letramento literário em Guanduba

3.5 Oficina de letramento 2: as práticas

3.5.1 Prática 1: Escrita dos contos

Conforme ilustra a figura 19, a segunda oficina de letramento diz respeito às práticas de escrita desenvolvida pelos alunos individualmente, ao longo do primeiro semestre de 2013, o momento de elaboração da primeira versão das narrativas. Analisaremos dois contos publicados no livro, mas na seção “Apêndice” está disponível o livro publicado pela turma.

Figura 19: Momento de produção dos contos

Fonte: Acervo do projeto “O habitus de estudar”

Nos quadros 10 e 11 analisaremos os contos retirados do livro Guanduba nas histórias de contos e crônicas, nelas analisaremos os aspectos temáticos, que refletem no processo de formação do leitor critico, do caráter humanizador do texto literário, da valorização cultural e do empoderamento.

A bicicleta maluca M. G.

Em um certo dia eu chamei Wesley para ir ao rio. Então pegamos a bicicleta que estava com a corrente amarrada na catraca e sem o freio, porém não sabíamos disso. E aí quando eu apertei o freio lembrei do que tinha feito e disse para Wesley: – Eu tirei o freio!

Wesley pulou da bike na mesa hora. Quando ele pulou eu tive muita sorte, pois no meio da ladeira tinha um pedaço de pau, a bicicleta bateu na madeira, eu perdi o controle e caí dentro do rio. Eu não sabia nadar, mas como no rio tinha muito mato, eu segurei em uma salsa e consegui sair. Quando fui buscar a bicicleta uma vaca tinha pisado no aro e tive que vir empurrando. Ao chegar em casa levei uma surra tão grande que nunca mais saí para o rio e o meu pai teve que gastar dinheiro para comprar outra bicicleta.

Quadro 10: Versão final do conto produzido por um dos colaboradores da pesquisa

O conto, um texto curto e aparentemente despretensioso, reflete o realismo local, e ao sair dos cadernos dos alunos para circular na mídia, ganha poder e legitimação. O gênero conto, nesse contexto de produção, é o elo existente entre o sujeito e o mundo, em que os modos de aprendizagem do ato de ler e de escrever exigem que o aluno aspire aos valores e crenças sociais, circunstâncias estas que levam a criança a participar do mundo adulto, intervindo e debatendo questões que antes a excluíam (ZILBERMAN, 1991).

Observando os sentidos que emergem neste texto, a voz do aluno está em evidência, nos trazendo, apesar de um fim trágico, uma situação engraçada. Revela-se nele a questão da violência doméstica, fato que merece destaque, pois evidencia o caráter autoral dos textos, o amadurecimento da visão crítica dos alunos sobre os acontecimentos (CANDIDO, 1989). Outro aspecto observado é o do resgate das brincadeiras que os sujeitos vivenciam na comunidade de Guanduba, esta marca revela as características do autor, quem ele é e de onde ele fala, aspecto viabilizado pelo gênero (OLIVEIRA, 2010).

Figura 20: Colaboradores produzindo seus contos

Fonte: Acervo do projeto “O habitus de estudar”

Na figura 20, conseguimos observar com clareza o cenário pedagógico que se estabeleceu. Trata-se de uma atividade solitária, inicialmente, mas necessária para que pudessem melhor vislumbrar seus textos, suas visões de mundo.

No contexto desta segunda escrita (quadro 11), percebemos que é retratada uma realidade de violência doméstica, As memórias do sujeito nela inserida estão imbuídas de um sentimento de decepção e tristeza. Diante deste quadro insistente, nota-se que esta prática é comum na comunidade, e que, por isso, precisa ser ouvida pelos pais e pelos moradores de Guanduba.

Além de vislumbrarmos o caráter cultural, critico e humanizador nas produções dos alunos, percebemos que estes textos se estabelecem como instrumentos de mudança social, resultando no empoderamento dos alunos, caracterizado por Czuma (1999) como um “poder compartilhador”, aquele que se desenvolve em prol do outro e por meio das relações com o outro.

Não aceitar as condições de opressão, e não deixar que estas se reproduzam é comprometer-se com a verdade, é transformar o mundo. Constatamos nestas produções, que a palavra ganhou uma nova significação, o texto não fala mais sozinho, mas adquiriu o valor de ação transformadora e humanizadora (FREIRE, 2011), o qual se reflete no ato de permitir que

A punição D. N.

No primeiro dia de aula um menino chamado Hércules, que tinha 3 anos, achou legal o primeiro dia de aula. Fez muitos amigos na escola e por isso não faltava, todo mundo gostava dele. Hércules e seu primo Alberto estudavam na mesma sala, porém eles não se gostavam. Esse primo era arengueiro e todo dia jogava uma bolinha de papel nele, e a professora Vanuza falou:

– Não faça isso com ele! O primo dele respondeu:

– Hércules é meu primo, eu não paro de jogar bolinha de papel nele.

Um dia a mãe de Alberto foi à escola e descobriu que ele estava bagunçando nas aulas. A mãe dele, então, deu uma surra nele, para que ele nunca mais arengasse.

Depois da surra o menino ficou muito doente, reclamava com dores no braço, quando foram ao hospital descobriu que Alberto estava com o braço deslocado. E a mãe disse:

– Eu nunca mais vou dar uma surra em você.

Hércules foi visitar seu primo e lá fizeram as pazes.

Quadro 11: Versão final de um dos colaboradores da pesquisa

tais problemáticas saiam de dentro de suas casas e da comunidade de Guanduba, para se tornarem temas de debate fora dela.

No quadro 12, podemos perceber, além da violência doméstica, o caso de alcoolismo, que acomete toda a família de L.S.

Apesar do conto de L.S. ter um final feliz, é a conclusão de uma história que ela gostaria que existisse.