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Projetos de letramento: conceito e rede de componentes

CAPÍTULO II – Pressupostos teóricos

2.2 Projetos de letramento: conceito e rede de componentes

Trabalhar com letramento(s) implica dizer que as “práticas sociais” só podem ser compreendidas quando enxergadas em seus contextos sociais e históricos. Sendo assim, o profissional da educação que opta por trabalhar seguindo o viés dos Estudos do Letramento, deve, necessariamente, imergir na cultura local, uma vez que em uma comunidade as relações de poder, a construção e a troca de significados, sofrem influências ideológicas, econômicas, políticas e tecnológicas.

Como exemplo de mediador das práticas sociais e essencial para a comunicação humana, encontra-se os gêneros que, na visão da Nova retórica, é compreendido como uma ação social. Nesse sentido, podemos perceber que os gêneros orais e escritos estão inseridos no cotidiano de todos os indivíduos, como por exemplo, nas conversas informais, nos pedidos, nos agradecimentos, nos cumprimentos, nas orientações, nos elogios, nas explicações, nas despedidas, nos bilhetes, na bíblia, nas receitas culinárias etc.

O caráter social do gênero viabiliza a ressignificação das práticas pedagógicas, porém, muitas vezes, os professores se limitam ao ato de produzir textos, em que são trabalhados apenas os aspectos linguísticos. Conforme relata Oliveira (2008), muitas vezes, por serem recebidos prontos, os projetos são, sim, trabalhados em salas de aula, todavia o grande entrave para os docentes está no momento de textualização dele, já que este momento lhe causa insegurança, incerteza e medo.

Em contraponto a isto, a nossa proposta, voltada para os projetos de letramento, proporcionam ações de cunho social. Para tal, é fundamental entender que o ato de “textualizar projetos” serve para orientar-nos, uma maneira de sistematizar as ações que serão desenvolvidas, um norte, uma direção a ser concretizada. Nesse aspecto, os projetos de letramento nunca estão prontos, não podem ser vistos como algo estático, sua elaboração requer uma constante construção, uma vez que é concebido por um processo dialético, em que há a articulação entre passado/presente, presente/futuro, individual/coletivo, local/global, sujeito/objeto, interior/exterior, produto/processo, forma/conteúdo (OLIVEIRA, 2008).

Segundo Kleiman (2000, p. 238), um projeto de letramento apresenta-se como

[...] um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão lidos, em um trabalho coletivo de alunos e professor, cada um segundo sua capacidade. O projeto de letramento é uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita (a aprendizagem dos aspectos

formais apenas), transformando objetivos circulares como “escrever para aprender a escrever” e “ler para aprender a ler” em ler e escrever para compreender e aprender aquilo que for relevante para o desenvolvimento e a realização do projeto (KLEIMAN, 2000, p. 228).

Nessa continuidade, os projetos de letramento viabilizam a agência, no desenvolvimento do sujeito autônomo, com vistas a promoção de uma responsabilidade social. Não propomos, aqui, a mudar o currículo das escolas, mas a realização de um trabalho integrado, que considera uma aprendizagem situada, uma mobilização social, intersubjetividade, dialogismo e reflexividade. Um processo em que não existe hierarquia de saberes, mas uma troca, em que todos os agentes envolvidos ensinam e todos aprendem (OLIVEIRA, 2008, p. 115).

Desenvolver pesquisa com projetos de letramento, dispositivo didático com o qual trabalhamos neste estudo, significa redimensionar o processo de ensino/aprendizagem da língua, de modo a defender os princípios de “autonomia, liberdade, igualdade e democracia e buscando, sobretudo, processos de mudanças e emancipação social” (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2011, p. 12).

Vários são os elementos que podem interferir em um projeto, a escola, os colaboradores, a comunidade etc., seja negativamente, como a não adesão ao projeto, ou positivamente, garantindo sua agência, autonomia, mudança e emancipação social. Mas para se trabalhar com os projetos de letramento precisamos englobar uma rede de componentes que deve ser considerado para a realização deste dispositivo: a comunidade de aprendizagem, o ensino com os gêneros, a prática social, a resolução de problemas, o currículo dinâmico, os agentes de letramento, a aprendizagem situada e a abordagem colaborativa.

Abaixo, temos o esquema que melhor traduz a rede de componentes apresentado-a por Oliveira (2010).

Quadro 5: Componentes dos projetos de letramento

Fonte: Oliveira (2010)

Desse modo, os projetos de letramento partem de uma situação problema detectado na comunidade, e, a partir disso, busca-se maneiras de intervir na comunidade, com o intuito de colaborar para a solução de problemáticas. Essa maneira de conduzir o processo ensino aprendizagem exige do professor flexibilidade, ou seja, que esteja sempre disposto a ouvir os demais agentes envolvidos no projeto e a aceitar as várias mudanças que podem ocorrer no decorrer do trabalho, tonando o currículo dinâmico.

O processo de ensino/aprendizagem com os gêneros consiste na maneira de como fazemos uso dos gêneros discursivos para enfrentarmos os problemas sociais, por meio das práticas de leitura e de escrita vivenciadas no dia a dia. Consideramos este direcionamento às práticas sociais, a única maneira de intervir socialmente.

Para tanto, é necessário entender a comunidade de aprendizagem, explanada por Oliveira (2010) como

Uma organização de aprendizagem em que professores e alunos, na qualidade de agentes de mudança e num contínuo processo de construção do conhecimento, agem colaborativamente, potencializando recursos para compreender o mundo e alcançar resultados que verdadeiramente lhes interessem (OLIVEIRA, 2010, p. 130).

GÊNEROS TEXTUAIS E LETRAMENTO.

(OLIVEIRA, 2010. P. 341).

Isso significa que a construção do conhecimento é realizado continuamente, agindo de modo colaborativo, em um espaço de interação. Essa mudança parte de uma aprendizagem situada em que os agentes de letramento precisam conhecer e considerar o contexto em que estão.

Nos estudos do letramento, fala-se desse caráter agentivo das práticas de letramento, em que todos os atores envolvidos nas ações são agentes de letramento. De acordo com Bazerman (2006, p. 11), a agência “fornece-nos meios pelos quais alcançamos outros através do tempo e do espaço, para compartilhar nossos pensamentos, para interagir, para influenciar e cooperar”, vemos, nesse caso, que os autores são agentes, pessoas que através de suas escritas têm aumentado e mudado o pensamento e ação da comunidade. Esses compartilhamentos são feitos por meio dos gêneros discursivos.

Nesta concepção, tratamos o processo educativo como uma construção do conhecimento em que professor e aluno caminham lado a lado. O que muitos entendem como uma dicotomia, nós vemos como uma parceria em prol do conhecimento e de toda uma comunidade, sendo esta influenciadora e promotora dos saberes que daí serão desenvolvidos. Para tanto, construir uma relação entre o docente e o discente como construtora de saber e não de discórdia, é necessário que seja considerado as potencialidades, as experiências e os fundos de conhecimento de cada um. Este último foi definido por Oliveira, Tinoco e Santos (2011)

Essa noção baseia-se na premissa de que as pessoas são competentes e possuem conhecimento. Diferentemente daquele gerado na instituição escolar, esse conhecimento é construído pelo ser humano ao longo das suas experiências de vida, nos múltiplos contextos em que ele se insere fora da escola. Usar esse conhecimento, como ponto de partida para construir outros no contexto de ensino- aprendizagem escolar, apresenta-se como uma possibilidade de desenvolver ações pedagógicas positivas e, certamente, mais significativas (OLIVEIRA, TINOCO E SANTOS, 2011. p. 44).

Assim, nesse processo de “ensino- aprendizagem” não há uma relação de alguém que ensina e alguém que aprende, mas uma relação de complementariedade, em que ambos agentes ensinam e aprendem uns com os outros. Sendo este um elemento influenciador no caráter sociocultural e político de uma comunidade de aprendizagem.

Nesse sentido, depreendemos o conceito de que o conhecimento é situado, social e histórico, logo não podemos determinar quem tem mais conhecimento ou menos

conhecimento do que o outro, ambos, em uma relação, são sujeitos de saber e de saberes diferenciados.