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P OLÍTICAS DE I NCLUSÃO E S UJEITOS DA E DUCAÇÃO E SPECIAL : IMPRECISÕES TERMINOLÓGICAS E CONCEITUAIS

No documento Escolarização e deficiência (páginas 96-101)

De que maneira a concepção de deiciência mental, seus critérios diagnósticos e de classiicação invadem o texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e as práticas pedagógicas desenvolvidas no contexto das escolas e das redes de ensino?

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), enquanto documento orientador delega à Educação Especial o desenvolvimento do Atendimento Educacional Especializado no espaço escolar, devendo integrar a proposta pedagógica da escola regular e se desenvolver de forma articulada com o ensino comum.

O Atendimento Educacional Especializado tem como função identiicar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades especíicas. As atividades desenvolvidas no Atendimento Educacional Especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008, p.10).

Observa-se o caráter previsto do Atendimento Educacional Especializado com destaque para sua função complementar e/ou suplementar e para as diferenciações quanto à natureza do trabalho realizado por esse atendimento em relação ao trabalho desenvolvido no contexto da sala de aula comum. Como função do AEE e do professor que atua nesse serviço, tem-se a identiicação, a elaboração e a organização de recursos pedagógicos e de acessibilidade que possibilitem a plena participação dos alunos.

Ao professor do Atendimento Educacional Especializado cabe o desenvolvimento do trabalho com o aluno já identiicado, e não a participação no processo de identiicação dos alunos que devem fazer parte desse atendimento. É pertinente, então, o questionamento sobre como vêm ocorrendo os processos de identiicação no ambiente escolar. Além disso, o cômputo duplo de matrículas para os alunos que frequentam o Atendimento Educacional Especializado matriculados no sistema comum de ensino tem trazido implicações e efeitos nos processos de identiicação e deinição dos alunos da Educação Especial, pois:

Admitir-se-á, a partir de 1o de janeiro de 2010, para efeito da

distribuição dos recursos do FUNDEB, o cômputo das matrículas dos alunos da educação regular da rede pública que recebem Atendimento Educacional Especializado, sem prejuízo do cômputo dessas matrículas na educação básica regular (BRASIL, 2008, p.1).

No contexto das redes de ensino tem-se observado um tensionamento para a “comprovação” das diferentes especiicidades que os sujeitos possam apresentar, a im de que se ateste sua tipologia mediante apresentação de diagnóstico clínico e se justiique sua frequência no Atendimento Educacional Especializado, bem como a dupla contabilização da matrícula no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Proissionais da Educação (FUNDEB). Nesse sentido, a ausência de diagnósticos no contexto escolar parece estar se conigurando como um problema, uma questão para os gestores da Educação Especial nas redes de ensino.

A necessidade diagnóstica clínica pautada em concepções organicistas de deiciência traduz um modelo tradicional de Educação Especial, levantando um aspecto histórico e reiterado desse campo da

educação. Desse modo, é recente a preocupação com os aspectos de ordem pedagógica e escolar, bem como a consideração destes ao se deinirem os espaços educacionais que os alunos devem frequentar e os percursos escolares possíveis de serem construídos e realizados. As deinições ligadas às dimensões pedagógicas e escolares deveriam envolver o saber pedagógico do professor e o contexto escolar, responsáveis pelo processo de escolarização do sujeito.

As diiculdades de deinição educacional pautada nas dimensões pedagógica e escolar aliam-se às diiculdades de deinição sobre os sujeitos que compõem o universo de alunos da Educação Especial. Na Resolução n° 2, de 2001, em seu artigo quinto, é apresentada a seguinte deinição:

Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional, apresentarem: I) Diiculdades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que diicultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos:

a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica especíica;

b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deiciências;

II) Diiculdades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis. III) Altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes (BRASIL, 2001, p.2).

O conceito de necessidades educacionais especiais permitiu uma ampliação dos sujeitos da educação especial ao contemplar as necessidades de caráter permanente ou temporário e ao fundamentar-se no pressuposto de que todos os sujeitos manifestariam, em determinados momentos da sua vida escolar, necessidades educacionais especiais, devendo a Educação Especial estar a serviço de todos aqueles que dela necessitassem (CARVALHO, 2000).

O conceito mencionado acima, de necessidades educacionais especiais, incluiu um signiicativo contingente de crianças com diiculdades de aprendizagem. Grande parte dessas diiculdades é produzida pelas práticas pedagógicas e escolares, como demonstram os estudos de Patto

(1990) e Moysés (2008). A pouca relexão e revisão destas práticas no contexto escolar acaba por atribuir ao aluno e aos aspectos orgânicos a justiicativa pelo não aprender. Nesse sentido, tornou-se mais cômodo realizar um encaminhamento para a Educação Especial, que passou a se ocupar também da aprendizagem dessas crianças.

No texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), bem como nos demais documentos normativos que o sucederam, são apresentadas redeinições no campo da Educação Especial que incluem o público-alvo a ser atendido pelo Atendimento Educacional Especializado e o abandono do uso da terminologia necessidades educacionais especiais. O público-alvo da Educação Especial passa a ser constituído prioritariamente por três grandes categorias: alunos com deiciências, alunos com transtornos globais do desenvolvimento e alunos com altas habilidades/superdotação.

Tal contingente é apresentado de forma mais detalhada no texto da Resolução n° 4, de 2009, que Institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial, e que em seu quarto artigo apresenta o público-alvo do Atendimento Educacional Especializado, sendo eles:

I) Alunos com deiciência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial.

II) Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação, estereotipias motoras. Incluem-se nessa deinição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especiicação.

III) Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade (BRASIL, 2009, p.1).

Apesar da necessária deinição do público-alvo da Educação Especial, no texto da Política tem-se a ressalva de que “as deinições e uso de classiicações devem ser contextualizadas, não se esgotando na mera

especiicação ou categorização atribuída a um quadro de deiciência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão” (BRASIL, 2008, p.9). Os textos normativos, porém, não trazem maiores esclarecimentos sobre como este processo de deinição deve ser realizado e sob a responsabilidade de quais proissionais icam os processos de identiicação desses alunos no contexto escolar.

Nas orientações para o preenchimento do Censo Escolar disponível no sítio do Educacenso (BRASIL, 2010) observa-se a necessidade do laudo médico (diagnóstico clínico) para informar sobre os alunos com deiciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação, quando esta condição não estiver explícita.

Outro aspecto que diiculta a apreensão do contingente de alunos com deiciência mental refere-se à imprecisão terminológica e conceitual dos termos utilizados para referendar tal categoria. Nos manuais diagnósticos observamos a utilização da expressão retardo mental. No texto da Política Nacional de Educação Especial, bem como na Resolução n° 4, observamos a utilização dos termos deiciência mental e deiciência intelectual2. A

utilização dos dois termos permite inferir que são compreendidos como quadros distintos, porém não são apresentadas as deinições sobre o que implicaria cada uma das terminologias.

E ainda, nas orientações para o preenchimento do Censo Escolar, quando refere às formas de categorizar os alunos da Educação Especial, temos: “para os alunos com déicit cognitivo e da independência e déicit intelectual, deve ser avaliado se o aluno apresenta deiciência mental. Neste caso deve ser classiicado como aluno com deiciência mental” (BRASIL, 2010, p.4). Cabe ressaltar que nessas orientações também não são oferecidas as deinições de déicit cognitivo, déicit intelectual e deiciência mental. A apresentação textual remete a uma diferença conceitual entre os termos, e, ainda conforme o texto, a deiciência mental, de alguma forma, englobaria o déicit cognitivo e o déicit intelectual. A confusão terminológica e

2 A introdução e a utilização do termo deiciência intelectual ocorre a partir da Declaração de Montreal sobre

Deiciência Intelectual (Montreal Declaration on Intellectual Disability) (OMS, 1993; OPAS, 2004). Tal

declaração é resultante de um evento – com a participação do Brasil – promovido pela Organização Pan- Americana de Saúde e pela Organização Mundial de Saúde, ocorrido em Montreal, no Canadá, em 2004.

conceitual produz efeitos signiicativos sobre quem são estes sujeitos e sobre os processos de identiicação no contexto escolar.

APROXIMAÇÕES SOBRE OS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO NO

No documento Escolarização e deficiência (páginas 96-101)

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