• Nenhum resultado encontrado

U M PROCESSO EM EVOLUÇÃO

No documento Escolarização e deficiência (páginas 131-136)

Nos anos subsequentes a 1988 é possível observar no cenário brasileiro a intensiicação da responsabilidade dos municípios como instância gestora na oferta da escolarização na educação básica. Esse destaque aos sistemas municipais de ensino é um dos efeitos político-educacionais derivado da Constituição Federal de 1988 e suas normatizações para a área da educação (PRIETO, 2006).

A universalização do ensino fundamental, obrigatório e, em consequência, gratuito, irmado na atual Constituição, assim como a matrícula e a permanência nessa etapa da educação básica são igualmente reconhecidos como direitos inalienáveis e indisponíveis das pessoas com necessidades educacionais especiais (PRIETO, 2009).

A LDB nº 9394 de 1996, um documento que complementa a Constituição Federal de 1988, estabeleceu com mais clareza as atribuições dos municípios em relação à educação. Assim, cabe, predominantemente, às prefeituras a efetivação do atendimento educacional aos alunos com necessidades especiais. Porém, essa coniguração dos compromissos legais

das prefeituras com a educação infantil e o ensino fundamental, assim como a oferta de uma estrutura referente à educação especial, coloca as mesmas diante de situações novas, pouco conhecidas. Muitos municípios não tinham qualquer trabalho em educação especial estruturado (PRIETO, 2006).

A LDB de 1996 (BRASIL, 1996), em seu capítulo V, que trata especiicamente da educação especial, estabelece que a mesma é uma modalidade de educação escolar a ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para os alunos com necessidades especiais. O termo ‘preferencialmente’ tem gerado bastante discussão, sendo ainda um ponto de tensionamento tanto no plano legal quanto naquele da prática cotidiana nas instituições de ensino. Também é prevista a disponibilização de serviços de apoio especializado, quando necessário, e a oferta da educação especial é assumida como dever constitucional do Estado, tendo início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. É possível perceber nesse documento uma maior valorização da área e sintonia com a perspectiva inclusiva.

Mais adiante, a Resolução 02/2001 do CNE (BRASIL, 2001) estabelece as Diretrizes Nacionais para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais, na Educação Básica, em todas as suas etapas e modalidades. Esse documento orienta, entre outras coisas, que os sistemas de ensino devem constituir e fazer funcionar um setor responsável pela educação especial, dotado de recursos humanos, materiais e inanceiros, para viabilizar e dar sustentação ao processo de construção de uma educação inclusiva.

O artigo 8º, V, airma que devem ser previstos nas escolas de ensino regular serviços de apoio pedagógico especializado em salas de recursos, nas quais o professor especializado em educação especial realize a complementação ou suplementação curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e materiais especíicos (BRASIL, 2001).

Ao analisar a Resolução 02/2001, Freitas (2009) considera que esse documento amplia o caráter da educação especial para realizar o atendimento educacional especializado complementar ou suplementar à escolarização, sendo que, de forma alguma, a oferta de serviços como as salas de recursos substitui o processo de escolarização.

Em 2008 foi lançada a nova Política Nacional de Educação Especial, documento orientador que se situa em uma perspectiva inclusiva. O seu objetivo é:

Assegurar a inclusão escolar de alunos com deiciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior, oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais proissionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008a).

No que diz respeito ao atendimento educacional especializado, este pode acontecer em espaços como salas de recursos, centros de atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior, nas classes hospitalares e em ambientes domiciliares. É possível perceber, nas orientações e pelas ações implantadas por meio de programas propostos pelas autoridades educacionais (MEC/SEESP), que a sala de recursos é a alternativa privilegiada nesse momento. Como airma Baptista (2008, p.15), “a sala de recursos parece ganhar um status que já pertenceu à classe especial no passado”. Outro aspecto importante é que esse atendimento não substitui a escolarização do aluno, que deverá frequentar a sala de aula do ensino comum e, em outro turno, ir à sala de recursos. O trabalho ali desenvolvido não é um reforço de conteúdos escolares, mas, sim, propõe-se a “identiicar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades especíicas” (BRASIL, 2008a).

Ainda entre as ações desenvolvidas pelo MEC/SEESP está o apoio técnico e inanceiro aos sistemas públicos de ensino para a oferta e garantia de atendimento educacional especializado, complementar à escolarização, de acordo com o Decreto nº 6.571 (BRASIL, 2008b), de 17 de setembro de 2008, nas salas de recursos multifuncionais, posterior à aprovação e divulgação da Política Nacional de Educação Especial de janeiro de 2008.

Ao estabelecer o inanciamento junto ao FUNDEB para o atendimento educacional especializado para os alunos de rede pública, matriculados nas escolas de ensino comum, mais um passo signiicativo é dado para a consolidação da inclusão escolar em nosso país, respaldada pelas políticas educacionais.

Entretanto, para que se efetivem os princípios de uma educação que se propõe inclusiva, é preciso muito mais que a simples implantação do espaço e o início de seu funcionamento, como já foi mencionado anteriormente. A ação prevista para o proissional que atua nesse espaço é ampla e complexa, envolvendo não apenas o atendimento especíico com o aluno, mas também a articulação com a ação pedagógica na sala de aula, assessoria e formação aos professores do ensino comum, a construção de uma parceria com as famílias e a interlocução com outras instituições e serviços, como de saúde, trabalho e ação social.

Garcia (2008, p.21) alerta acertadamente:

Ainda que a implantação de serviços especializados nas redes de ensino signiique um ganho em termos de oferta educacional pública para alunos com deiciência, é necessário questionar qual o papel exercido por tais serviços e como estão relacionados ao trabalho pedagógico realizado na educação básica.

Ligada a esses aspectos emerge também outra questão de interesse, qual seja, a formação do proissional que atua nesse espaço, que hoje se depara com demandas, contextos e desaios bastante diversos daqueles do início dos anos 1990. Nos textos das políticas atuais referentes à educação inclusiva, esse assunto tem sido tratado de forma ampla e sem uma deinição clara.

Em relação a essa questão, Baptista (2008, p.13) observa que “a temática formação de professores tem sido uma das mais incertas, no sentido de um delineamento dos espaços e conigurações indicadas para a formação do professor habilitado ou especializado em educação especial” (grifo nosso).

Considerando-se todos os aspectos até aqui evidenciados, convém destacar ainda que é preciso muito cuidado para que a educação especial não ique reduzida ao atendimento educacional especializado e, mais ainda, ao

trabalho desenvolvido nas salas de recursos. Apesar das diretrizes e orientações das políticas educacionais, não há garantias quanto à maneira como esse processo se dará nos movimentos que ocorrem no cotidiano da escola.

Prieto (2009) chama a atenção para o fato de que há muitas questões a respeito das políticas públicas de atendimento escolar às pessoas com necessidades educacionais especiais que necessitam ser investigadas, mas a autora considera fundamental aquela referente à sua avaliação, com vistas a identiicar que formas de atendimento educacional especializado têm sido, efetivamente, capazes de produzir mudanças mais expressivas no sentido de favorecer o acesso e a permanência também desses alunos na escola de ensino comum.

A universidade, e, em especial, a universidade pública, precisa se fazer presente nesse processo complexo e muito promissor pelo qual a educação nacional está passando, contribuindo para a construção de um sistema educacional em uma perspectiva inclusiva.

Valho-me aqui das palavras de Jesus (2006, p.204), que muito bem explicita o papel da universidade nesse momento:

Parece-nos fundamental que a universidade, como agência formadora, assuma com os sistemas de ensino a responsabilidade de participar de uma rede de iniciativas que ofereça suporte aos proissionais da educação, de forma a contribuir no processo de inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino comum.

O diálogo permanente entre essas duas instâncias de construção de saberes pode contribuir para práticas pedagógicas que efetivem de fato uma educação mais inclusiva (JESUS, 2006). Essa parceria é de fundamental importância para o avanço em termos de produção de conhecimento, relativo não apenas ao ensino e à aprendizagem dos alunos com deiciências, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, mas da educação como um todo.

No documento Escolarização e deficiência (páginas 131-136)

Outline

Documentos relacionados