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3.2 – OLHARES/REPRESENTAÇÕES “LIBERTADORES E CONSTRUTORES DO EU”

A.2 – UNIVERSO DE REFERÊNCIA

II. 3.2 – OLHARES/REPRESENTAÇÕES “LIBERTADORES E CONSTRUTORES DO EU”

II.3.2.1 - Olhar o(a) aluno(a) como construtor do seu próprio conhecimento

Na essência das teorias da maioria dos pedagogos defensores de uma educação livre e activa (JJ Rousseau, Rogers, Freinet, Montessori, Vigotsky, etc…), os defensores do educere, está a defesa do desabrochar do ser, este necessitando de liberdade para formar- se, na medida em que, segundo nomeadamente Rogers, como referido acima, a educação tradicional tende a formar indivíduos conformistas e estereotipados. Ora, para que os indivíduos se descubram e construam a pessoa que desejam ser, é necessário valorizar e permitir a criatividade. Apesar de numa das finalidades da actual Lei de Bases do Sistema de Educativo constar a necessidade de o(a) aluno(a) “aprender a ser pessoa”, ainda estão por definir os métodos que permitem atingir este objectivo.

II.3.2.2 - Olhar o(a) aluno(a) com respeito

É natural e comum que os mais velhos exijam serem respeitados pelos mais novos, mas o contrário é mais raro. A ausência de respeito dos adultos em relação aos mais novos, pode traduzir-se em abuso de poder e manipulações diversas172; o adulto tira proveito da diferença de idade, de altura, de força física, de conhecimento, de quantidade de “cultura”, etc… para dominar e até maltratar, atitude muito mais frequente que se pode pensar; a experiência leva a acreditar que a falta de respeito da criança em relação ao adulto, se deve a que este também não a respeita.

II.3.2.3. - O olhar que incentiva

O(a) aluno(a) é valorizado(a) e incentivado(a) a auto-valorizar-se; é ajudado(a) a desenvolver as suas potencialidades cognitivas, criativas e o equilíbrio emocional …; é incentivado a desenvolver a autonomia, ou seja a crescer de maneira plena e total. Assim,

172

Sobre esta questão, remete-se mais uma vez para Marcel Postic, in La Relation Educative, op. cit., nomeadamente o capítulo II (p.183-198) sobre a comunicação inconsciente. Aqui este autor analisa os mecanismos inconscientes que se processam na relação pedagógica, onde figuram obviamente: transferências e contra transferências, o desejo, a sedução… Esta problemática será retomada em O imaginário na relação pedagógica, op. cit. também no cap. II, p. 21.

neste tipo de olhar a aprendizagem provém do interesse e vontade de descoberta do aluno, sendo o professor um facilitador no processo da busca de conhecimento.

II.3.2.4. – Um “novo olhar”

Basicamente todos os tipos de “olhares libertadores” acabados de referir, são considerados “olhares novos” em comparação com os “olhares tradicionais” impeditivos de abertura. Todavia, nem todos os “novos olhares” contribuem para a abertura do eu. Apesar de entenderem a criança como um ser que possui um conhecimento e de contestarem a memorização e o pré-fabricado, a conversão do olhar recomendada por Pierre Bourdieu ainda está por se cumprir.

Efectivamente, para este sociólogo, o facto de o ensino tradicional não valorizar o saber próprio de cada um, faz com que se despreze a originalidade e que o ensino se baseie na repetição, no fabricado, no pré-construído cuja força está “em que, achando-se inscrito ao mesmo tempo nas coisas e nos cérebros173, ele se apresenta com as aparências da evidência, que passa despercebida porque é perfeitamente natural”174.

Então “a ruptura [com o pré-construído] é (…), uma conversão do olhar e pode-se dizer que [o ensino] deve em primeiro lugar “dar novos olhos” como dizem por vezes os filósofos iniciáticos. Trata-se de produzir, senão “um homem novo”, pelo menos, “um novo olhar” (…). E isso não é possível sem uma verdadeira conversão, uma metanoia175, uma revolução mental, uma mudança de toda a visão do mundo..”176.

173

Como vemos, Pierre Bourdieu emprega o conceito de “inscrição”, conceito também recorrente na obra de José Gil em Portugal, hoje, O medo de Existir; José Gil refere que a não inscrição provocou nos cérebros dos portugueses “um branco psíquico”, sendo este responsável pela apatia, pela incapacidade de sentir, pelo fechamento e o vazio dos corpos, pelo medo da exclusão, pelo terror de não estar à altura, etc… (p. 112 a 126)

174

Pierre Bourdieu, O Poder Simbólico, Memória e Sociedade, Lisboa, Difel, Difusão Editorial, Lda, 1989, p. 49

175

Uma mudança que, aliás, já tinha sido referida por Marcel Proust, quando este escritor considerou que “uma verdadeira viagem de descobrimento não é encontrar novas terras, mas ter um olhar novo”177. Sendo os portugueses especialistas em descobrimentos de terras novas, e estas já estando todas descobertas, é talvez a altura de, em vez de “viajar para fora, viajar cá dentro”, olhando-se e olhando-nos, para ver se descobrimos esse “olhar novo” e, já agora, equacionar a hipótese de se atingir “novas terras, sendo estas agora, provavelmente, imateriais”, na medida em que “o último continente desconhecido do homem, é o próprio homem, e o centro desse continente, o cérebro, que não só nos é desconhecido, mas também incompreensível”178

Se nos basearmos na obra de José Gil179, esse continente só poderá ser descoberto se houver, primeiro, “inscrição” do passado, do presente, do real, e se nos deixarmos existir, visto que, por enquanto, “Portugal não existe, Portugal é uma sociedade ainda fechada, cercada, uma fortaleza180 (…) É isso que faz com que se perpetue (…) uma espécie de força entrópica ou de buraco negro que suga a possibilidade de produzir sentido (..). Em Portugal nada se inscreve, quer dizer, nada acontece que marque o real, que o transforme e o abra. É o país por excelência da não-inscrição. (…)”.181

Esta reflexão sobre o “olhar”, e o efeito das Representações, assim como as implicações inerentes, ficaria incompleta sem uma referência ao outro verbo que lhe está, em geral, associado, a saber o verbo “ver” . Mesmo se se emprega o verbo olhar no sentido de “ter uma determinada opinião ou ideia sobre alguma coisa”, e não o facto de

dirigir a

176

P. Bourdieu, O poder simbólico, op. cit. p.49 Deduz-se que esta metenoina exigiria atingir planos de abrangência unicamente acessíveis àqueles que controlam toda a “atrelagem” acima referida.

177

citado por Morin, Edgar, in A cabeça bem-feita : repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, p.128

178

Morin, Edgar, O Paradigma Perdido: A Natureza Humana, opt. cit. p. 115 179

José Gil, op. cit. … 180

Esta fortaleza seria criada pelo “branco psíquico” ao qual já fizemos referência, responsável pelos corpos vazios, pelos corpos afectivos esvaziados.. Ibid. (p.121)

181

José Gil, op.cit. p. 42-43

vista, os olhos, para alguém ou para alguma coisa, ou o acto de “dirigir os olhos para um dado objecto”182, ainda assim, não se trata de “ver”, porque “o olhar não vê”183.

Efectivamente, ver é “ter a capacidade de percepcionar um objecto através da imagem que este produz na retina e que os nervos ópticos transmitem para o cérebro”184, acção que o olhar em si não realiza. Portanto, só se vê quando as imagens captadas passam dos olhos para o cérebro; este, de seguida, dispõe-se, ou não, a traduzi-las e, então, há (ou não) percepção, sendo esta a “representação mental de objectos ou acontecimentos exteriores com base numa ou em múltiplas impressões sensoriais”, inclusive no olhar.

É possível, então, avançar várias ilações:

1. o acto de olhar é puramente orgânico, mecânico, sensitivo

2. para ver tem de haver uma acção, uma intervenção do cérebro que percepciona, ou não, as imagens transmitidas pelo olhar

3. a percepção depende da capacidade do corpo para captar e experienciar as diversas impressões e vivências sensoriais

Assim, é eventualmente possível olhar e não ver, ou até, ver e não olhar …

Obviamente, toda esta problemática tem efeitos na interacção pedagógica. É possível que daí advenha o bem estar no espaço escola, o gostar de aprender, o entusiasmo para a descoberta, a vontade de vencer os desafios, a facilidade (ou não) na aprendizagem de novos saberes, enfim, a construção e o desenvolvimento (ou não) da pessoa que se é.

Todavia, acredita-se que “o olhar/representar” está relacionado com outros factores, apresentados ao longo da precedente análise, e estes podem interferir na interacção pedagógica, nomeadamente:

1. se se opta pelo educare ou pelo educere

182

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, Ed. Verbo, Lisboa, 2001

183

José Gil, A imagem-nua e as Pequenas Percepções, Estética e Metafenomenologia, Relógio d’Agua, Filosofia, Lisboa, 2005, p.55

184

2. se existe ou não facilidade e vontade de (des)envolver

3. se se permite ou não o desabrochar e a construção do si dos educandos

4. se existe (ou não) comunicação total (i.e. aceitação ou não do corpo total: pensar/sentir)

5. consciência da qualidade das representações (tipo de “olhares”)

Além disso, supõe-se também, que estas opções determinam a escolha do método pedagógico. Assim sendo, convém rever as implicações inerentes a este âmbito.

III - DIVERSIDADE DE METODOLOGIAS E SEUS NA RELAÇÃO PEDAGÓGICA

Segundo o conhecimento geral, as várias técnicas e métodos pedagógicos são reagrupados em dois tipos: