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CAPÍTULO

1.1. P ONTO DA S ITUAÇÃO G LOBAL

Desde há mais de dois séculos que se reconhece e se estuda a diversidade geológica da superfície da Terra e as suas consequentes potencialidades económicas. Contudo, só muito recentemente se deu atenção à variabilidade química da superfície terrestre e às suas implicações. A concentração dos elementos químicos nos diversos meios da superfície terrestre tem implicações directas na agricultura, na fertilidade dos solos, na silvicultura, na qualidade das águas, nas potencialidades de exploração mineral, na saúde animal e humana, na poluição industrial, no estabelecimento de normas ambientais, etc.

Um Atlas Geoquímico, mostrando a distribuição geográfica dos elementos nos diversos meios à superfície da crusta (solos, sedimentos de corrente, água, etc.), será um modo eficaz de sumariar esta informação (Salminen et al., 2005). Um Atlas Geoquímico realizado a uma escala global poderá também evidenciar assinaturas químicas com significado geológico até então desapercebidas (Salminen et al., 2005).

Os primeiros trabalhos realizados a uma escala global (elaboração de um mapa geológico da Terra) tiveram início na década de 30 (Burenkov et al., 1999). Também a partir desta década, o desenvolvimento das técnicas analíticas (como por exemplo, a espectroscopia óptica de emissão, a análise colorimétrica, etc.) promoveu a era da prospecção geoquímica. Esta começou por ter como objectivo a prospecção mineral, praticada a uma escala local, prospectando apenas elementos de elevado interesse económico (Thornton & Howarth, 1986), sendo os estudos elaborados com metodologias de amostragem e análise muito diversas, de país para país.

Os primeiros programas nacionais de recolha sistemática de dados geoquímicos multi-elementares iniciaram-se na década de 60 (Webb et al., 1973, 1978; Thornton 1993). Contudo, foi a partir da década de 70 que a cartografia geoquímica multi-elementar (inicialmente cerca de 12-15 elementos, sendo o urânio o elemento de maior interesse) teve o seu desenvolvimento em diversos países, como EUA, Canadá, Irlanda, Uganda (Webb et al., 1973, 1978; Reedman, 1973; Ferreira 2000). Estes Atlas Geoquímicos não ultrapassavam as fronteiras dos respectivos países, e na maior parte das vezes eram feitos apenas em pequenas áreas de cada país, essencialmente com a finalidade principal de pesquisa e exploração mineira.

Em meados dos anos 80, o reconhecimento da importância das questões ambientais levou a um aumento do número de elementos a analisar e à preocupação da utilização de métodos analíticos com limites de detecção significativamente abaixo do intervalo normal dos níveis de abundância dos elementos. Diversos países criaram bases de dados multi-

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elementares, elaboradas a partir de metodologias padronizadas e recorrendo a diferentes meios amostrais (Reimann, 1988; Appleton & Gregally, 1992; Xie Xuejing & Binchaun, 1993; BGS 1993, 1996; Edén & Björkkund, 1994; Lahermo et al., 1995; Lis et al., 1997; Salminen & Tarvainen, 1997; Sluys et al., 1997; Vrana et al., 1997; Xie Xuejing et al., 1997; Gregorauskiene & Kadunas, 1997; Lombard et al., 1999; Burenkov et al., 1999; Rapant et al., 1999; Lahdenperä et al., 2001; Reimann et al., 2001b; Cannon et al., 2004).

Em 1986, Bølviken et al. publicaram o Atlas Geoquímico da Fenoscândia do Norte, o primeiro a extrapolar fronteiras, que abrangeu áreas do Norte da Suécia, Noruega e Finlândia, e cujo modo de apresentação dos dados permitiu a sua aplicação a questões de poluição mineira e industrial.

Estes trabalhos de escala continental ou mesmo global exigem uma sistematização dos dados, o estabelecimento de critérios de comparação e de compatibilidade e a padronização das metodologias. Apesar disso, na maioria das vezes, cada país tinha a sua metodologia de trabalho (meio amostral, método de amostragem, tratamento pré-analítico, granolometria escolhida para efectuar a análise química, técnicas de extracção analítica, total ou parcial, técnicas de análise químicas, elementos analisados, níveis de controlo de qualidade, etc.) e forma de apresentação dos dados geoquímicos, o que tornava muito difícil a comparação dos resultados (Ferreira, 2000; Inácio Ferreira, 2004).

Nesse sentido tornou-se prioritária a padronização dos processos envolvidos no mapeamento geoquímico. Em 1986, uma proposta para a realização de um Projecto Internacional de Mapeamento Geoquímico foi apresentada ao Programa de Correlação Geológica (IGCP), uma criação da UNESCO e da União Internacional das Ciências Geológicas. Depois de alguma hesitação, por causa dos seus objectivos ambiciosos, o Projecto foi aceite e em 1988 nasceu o projecto “International Geochemical Mapping” (IGM), com o objectivo de estabelecer critérios para a obtenção de um conjunto universal de dados quantitativos de qualidade, a partir do qual seria possível a elaboração de um atlas geoquímico do globo (Darnley et al., 1995).

Este projecto teve várias etapas. A primeira, o IGCP 259 - International Geological

Correlation Programme, teve como finalidade identificar problemas e discutir soluções e

recomendações quanto às metodologias e materiais usados na produção de mapas geoquímicos regionais e nacionais; fez-se uma revisão dos dados e métodos existentes. As concentrações de base poderão variar, num mesmo local, com factores tão variados como a profundidade de colheita, fracção escolhida para análise, método de dissolução da amostra (total ou parcial), método analítico escolhido, etc. O segundo estádio, o projecto IGCP 360 -

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global de materiais, criado segundo métodos sistemáticos predefinidos e analisados em determinados laboratórios de análise química. Foi publicado um manual de campo estabelecendo locais e métodos de amostragem para dar início ao programa de amostragem da Europa (Salminen e tal., 1998), recorrendo a uma densidade muito baixa.

Ficaram assim definidas as recomendações para a elaboração de uma base de dados global de geoquímica (Global Geochemical Database). Criou-se a Rede Global de Referência (GRN), onde se estabeleceram as condições para a elaboração de um mapa geoquímico do Globo, baseada em cerca de 5000 células de 160x160 km cada. As amostras colhidas em cada uma das células serviriam como materiais de referência analítica (Darnley et al., 1995). Definiram-se, assim, as metodologias de amostragem, o tipo de materiais a colher, a quantidade de material colhido e respectivas fracções granulométricas, as áreas representativas de cada local de amostragem, o tipo de determinações que devem ser feitas “in situ” e em laboratório (cerca de 78 elementos químicos), a selecção das técnicas analíticas e dos laboratórios de análise internacionais referenciados, tipo de controlo da qualidade analítica, etc. (Darnley et al., 1995; Salminen et al., 2005). Do mesmo modo formalizaram-se as recomendações para a elaboração de cartografia geoquímica a uma escala regional/nacional, de maneira a que dados de diferentes escalas de detalhe sejam compatíveis, bem como se torne possível comparar dados de diferentes países/regiões (Salminen et al., 2005).

A implementação das recomendações do relatório foi delegada para uma série de comissões regionais, sob a orientação geral do Comité de Direcção do Grupo de Trabalho. Cada Comissão regional representou um grupo de países, por exemplo, Europa, América do Norte, ou um único país, se grande, por exemplo, China, Rússia, Brasil e Índia. Na Europa, o Fórum Europeu de Pesquisas Geológicas (FOREGS) tem servido como o foco de uma comissão regional.

O Atlas Geoquímico da Europa, FOREGS, (Salminen et al., 2005) é o produto dos membros europeus do IGCP 360 (Global Geochemical Baselines). Foi o primeiro Atlas multi- elemento, feito em diversos meios amostrais, publicado como um contributo para o projecto Global Geochemical Baselines. O Atlas geoquímico de solos em Portugal está a ser ultimado e os primeiros resultados foram já publicados por Inácio et al. (2008).

Até ao final da década 50 os solos eram o meio amostral preferido para a elaboração de mapas geoquímicos, pois permitiam cobrir áreas maiores com um menor número de amostras do que rochas. Os solos reflectem essencialmente a variação da composição geogénica das camadas mais superficiais da crusta (Salminen et al., 2005). O rególito serviu como meio amostral para um levantamento geoquímico dos EUA de densidade ultra-baixa

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(Shacklette et al., 1971; Shacklette & Boerngen, 1984), serviu também para fazer um mapa geoquímico da China (Xie & Yin, 1993), um levantamento de reconhecimento cobrindo uma

área de 850 000 km2 do Canadá e parte dos EUA. Amostras de húmus podem ser usadas

na elaboração de Altas Geoquímicos, essencialmente para determinar os “input” atmosféricos (contribuição antropogénica) dos elementos no ecossistema (Salminen et al., 2005).

Actualmente, os sedimentos de corrente ou rochas tornaram-se mais frequentemente usados nos programas de cartografia geoquímica (Jordan et al., 1997; Ferreira, 2000; Navas & Machín, 2002), e deverão ser o primeiro meio de amostragem a utilizar sempre que tal seja possível (Ferreira, 2000). De acordo com Ferreira (2000), estudos demonstram que os sedimentos de corrente apresentam, com bom grau de segurança, os padrões geoquímicos obtidos com amostragem de alta densidade de solos (Appleton & Greally, 1992). Sempre que seja possível devem colher-se amostras de solo em conjugação com os sedimentos de corrente (Ferreira, 2000). Mapas geoquímicos produzidos com base nos sedimentos de corrente constituem uma boa referência para cartografia geológica, prospecção mineira, estudos metalogénicos, agricultura, florestação, planeamento do uso da terra e ciências ambientais em geral (Darnley & Garrett, 1990). Contudo, o “till” (moreia) é o meio amostral usado nas regiões da Finlândia, Suécia, Rússia e América do Norte, dada a sua ocorrência generalizada (Tarvainen 1996). Os musgos são também utilizados na elaboração de mapas geoquímicos (Ruhling, 1994; Äyras & Kashulina, 2000; Caritat et al., 2001; Reimann et al., 2001). Água colhida em linhas de água reflecte a interacção entre a hidrosfera/geosfera e a poluição, e tem sido utilizada também como um dos meios a analisar na elaboração de Atlas geoquímicos (Salminen et al., 2005). Independentemente do tipo de material amostrado, um Atlas Geoquímico reflecte a geoquímica do ambiente superficial numa dada época.

A composição química do ambiente superficial está em constante mudança, provocada quer por processos naturais (erupções vulcânicas, flutuações globais da temperatura e do clima, por exemplo) quer pelas actividades humanas (urbanização, industrialização, agricultura, actividade mineira, etc.). Este tipo de mudanças pode variar desde uma escala local até uma escala global. A quantificação precisa, e mesmo o simples reconhecimento, das alterações geoquímicas no ambiente torna-se impossível sem que seja estabelecida uma referência de base sólida, para os parâmetros em questão, antes que ocorra a actividade humana ou natural causadora da “mudança”.

A abundância natural dos elementos nos diversos meios amostrais da superfície terrestre pode variar até 6 ordens de grandeza, no caso de amostras colhidas em depósitos minerais, sendo esta variação de teores produto de processos naturais, sejam eles geológicos, ambientais e pedológicos. Contudo, as alterações químicas no ambiente

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induzidas pelo Homem sobrepõem-se ao “background” geoquímico natural, podendo o conteúdo dos elementos químicos variar várias ordens de grandeza em pequenas distâncias. Consequentemente, a compreensão do contributo da interacção humana com o ambiente superficial é extremamente difícil.

A cartografia geoquímica de base “Geochemical Baseline” constitui o suporte para

uma política ambiental globalizante, fornecendo uma visão actual das concentrações de base dos elementos químicos nos vários compartimentos da biosfera e geoesfera (Inácio Ferreira, 2004). A identificação e quantificação da poluição antropogénica requer um completo conhecimento dos valores do fundo geoquímico natural ou “background” natural (Ferreira, 2000), que representa a variabilidade regional e é uma função do tempo (Matschullat et al., 2000). Casos em que não foi atendida a variação natural levaram a que se considerassem como contaminados elementos cujas concentrações naturais excedem, em extensas regiões, os valores estabelecidos pelas próprias legislações para a avaliação de locais contaminados (Salminen & Tarvainen, 1997; Tarvainen & Kalio, 2002; Salminen et al., 2005). Também a aplicação de legislações de um dado país a outros pode revelar-se desajustada.

À medida que foram surgindo mapas geoquímicos cobrindo grandes áreas, fizeram-se associações empíricas entre uma série de fenómenos bioquímicos e os teores em elementos traço (Thornton, 1983, 1993). O aparecimento de técnicas analíticas cada vez mais sensíveis levou à descoberta de cada vez mais elementos com importância bioquímica, verificando-se uma relação entre factores ambientais e distribuição geográfica de problemas patológicos e nutricionais na saúde humana e animal (Låg, 1983; Wappelhorst et al., 2000).

A aplicação de bases de dados geoquímicos em estudos ambientais, agricultura, urbanização, geomedicina encontra-se bem documentada (Mcmillan et al., 1990; Appleton and Ridgway, 1993; Simpson, 1996; Tarvainem, 1996; Xuejing et al., 1997; Zatta et al., 2003; Komatina, 2004; Elsner & Spangler, 2005; Erikson et al., 2005; Schneider et al., 2006). A relação entre a geoquímica ambiental e a saúde tem sido muito discutida (Zatta et al., 2003; Komatina, 2004; Selinus, 2004; Elsner & Spangler, 2005; Erikson et al., 2005; Finkleman, 2006; Schneider et al., 2006), e afecta principalmente os países em desenvolvimento, devido à falta de recursos, à pobreza e subnutrição. O excesso ou deficiência em determinados elementos pode constituir um risco para a saúde humana e animal.

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