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Capítulo V: Metodologia e instrumentos de análi se

V.2. Opções metodológicas

A captação da natureza das estratégias educativas familiares exige uma intromissão no espaço familiar, ao qual nem sempre é fácil aceder o que coloca, por consequência, dificuldades acrescidas ao processo de investigação; exige uma pesquisa de proximidade ao mais privado reduto das sociedades, a esfera familiar que - legitimamente – teima em preservar a sua intimidade.

As estratégias desenvolvidas pelas famílias para influenciar os percursos escolares dos seus membros juvenis nem sempre são explícitas e de fácil apreensão o que dificulta a sua compreensão e potencia a subjetividade. O seu conhecimento pode ser obtido através da observação direta dos comportamentos das famílias ou, então, através da análise do discurso dos próprios indivíduos; o primeiro recurso raramente é exequível, entre outras razões pela necessidade das próprias famílias manterem na esfera privada as suas dinâmicas; ao investigador resta quase sempre a segunda possibilidade.

A metodologia de investigação utilizada no presente estudo enquadra-se na tipologia dos estudos qualitativos. A utilização de metodologias qualitativas no estudo de fenómenos sociais justifica-se pela possibilidade de apreensão das especificidades, das particularidades e detalhes desses fenómenos em profundidade (Bogdan & Biklen, 1994). No estudo de percursos escolares de grupos específicos e com número reduzido de indivíduos, como é o caso, esta metodologia permite uma abordagem mais aproximada a processos familiares considerados fundamentais na sua compreensão; permite estudar percursos escolares conducentes a um mesmo resultado, neste caso, o sucesso escolar destes alunos, na procura da identificação da diversidade de fatores causais que o determina (Ragin, 2000).

Esta diversidade é frequentemente mascarada ou ignorada pelas estatísticas dos grandes números, as quais se centram mais nos resultados e raramente na forma como são produzidos os fenómenos (Lahire, 2008). Este autor argumenta que os cientistas, quando interessados por uma determinada problemática, tendem a generalizar e a tornar verdades absolutas os conhecimentos parciais que detêm, mas quando confrontados com

159 casos particulares considerados na sua complexidade, as mesmas verdades tornam-se deficitárias de sustentação.

O estudo de pequenos grupos em vez de grandes populações constitui uma tentativa de “dar conta das esferas microscópicas da realidade social [e de construção] de uma sociologia de cotidianos” (Nogueira, 2005, p. 567) que podem permitir identificar interdependências entre várias hipotéticas realidades (Lahire, 2008); de outra forma estas interdependências são ignoradas, porque encobertas pela realidade mais evidente. Ao focar a investigação num número reduzido de indivíduos, o investigador cria condições para poder estudar a complexidade do fenómeno. Estas metodologias permitem abordar os casos de forma aprofundada, conceber cada caso como um todo interpretável, com o objetivo de perceber como é que os diferentes aspetos da vida do indivíduo concorrem para o todo que constitui o próprio indivíduo para depois comparar esse “todo” com os diferentes “todos”, isto é, esse indivíduo com outros indivíduos (Ragin, 2000).

As abordagens qualitativas, também denominadas de intensivas, possibilitam que os próprios indivíduos tenham um papel ativo na estruturação da problemática (Ferreira, 1987), na medida em que não são impostas ou limitadas as possibilidades de resposta a questões formuladas a esses indivíduos; permitem dar voz às experiências individuais e, dessa forma, entender em que condições este fenómeno ocorre e que significado ou significados os interlocutores atribuem ao mesmo; esta via potencia mais a revelação da complexidade do que limitar-se a testar hipóteses sobre o fenómeno, nomeadamente neste caso, o de sucesso escolar improvável (Setton, 2005).

Segundo Bogdan e Biklen, “ainda que existam diversas formas de investigação qualitativa, todas elas partilham, até certo ponto, o objetivo de compreender os sujeitos com base nos seus pontos de vista” (Bogdan & Biklen, 1994, pp. 53-54). Os mesmos autores consideram que, não sendo perfeita, as abordagens fenomenológicas - aquelas através das quais os investigadores procuram compreender o valor e o significado atribuído aos fenómenos e às interações pelos indivíduos, isto é, compreender o seu ponto de vista - são as que melhor podem fazer a representação da experiência do sujeito. No presente trabalho, esperamos identificar uma diversidade de “sucessos escolares” e não apenas um modelo.

160 As abordagens intensivas são vistas por Ragin (2000) como uma extensão do simples estudo de caso a um número mais alargado de casos, em que o foco está apontado para a captação das configurações, das similaridades e diferenças dos seus atributos. O reduzido número de casos normalmente abrangido por estudos que fazem uso destas metodologias permite a análise simultânea de várias características dos indivíduos ou objetos, de forma bastante intensiva e, como produto, permitem generalizações muito limitadas, as quais podem ser ou não relevantes; o grau de confiança é assegurado pela profundidade com que o objeto é estudado.

A opção pelo desenvolvimento de um estudo qualitativo implica algum risco por parte do investigador, na medida em que o sucesso deste tipo de investigação depende muito das qualidades e competências do próprio (honestidade, ética, preservação da privacidade dos participantes no estudo, rigor, domínio das técnicas de recolha e tratamento de informação), ao nível da recolha dos dados, da sua análise, discussão e reflexão. O risco decorre do facto de estas competências só poderem ser desenvolvidas “in the context of a live experience of being a qualitative researcher” (Cassell, Bishop, Symon et.al. 2009, p. 526). Cientes das nossas limitações, procurámos ser o mais rigorosos possível ao longo da realização desta investigação.

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