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Capítulo V: Metodologia e instrumentos de análi se

V.3. Amostra

V.3.5. Tratamento e análise de dados

Como referimos, o processo de recolha de dados iniciou-se com a realização de entrevistas exploratórias a 4 jovens com sucesso escolar (JSE). Por razões que explicaremos mais adiante estas entrevistas foram efetuadas em casa dos entrevistados, o mesmo acontecendo com as que se lhe seguiram. Da análise do seu conteúdo emergiu um conjunto de temas: o bom futuro; a boa escola; o papel da família; o papel da

escola no futuro dos jovens, entre outros. Com base nesses temas, foi elaborado um guião de entrevista destinado à recolha de testemunhos dos jovens e outro para os

175 respetivos encarregados de educação, adaptando-se a linguagem consoante os grupos da amostra (Anexos I e II).

Para além de notas coligidas ao longo da realização do trabalho de campo, o material resultante das entrevistas foi complementado, ainda, por dados demográficos respeitantes aos jovens e aos respetivos encarregados de educação; estes dados foram recolhidos através da realização de um questionário aos participantes no estudo, a anteceder cada entrevista, visando a caracterização da amostra em termos da ocupação dos pais, das idades e níveis de escolaridade dos agregados, da composição da estrutura familiar, do número de anos de permanência em Portugal, da nacionalidade e da naturalidade.

As características particulares da população deste estudo obrigaram a alguns cuidados provavelmente desnecessários noutros contextos. Os baixos níveis de escolaridade, principalmente dos encarregados de educação, exigiram uma adaptação na linguagem utilizada, adaptação que inclusivamente implicou, nalguns casos, a utilização de uma língua alternativa, o crioulo de Cabo Verde: crioulo de Santo Antão pelo investigador e de Santiago, do Fogo e de Santo Antão, no caso dos entrevistados. Confrontámo-nos nalgumas situações com a dificuldade de nos fazermos entender, de transmitir claramente as questões aos interlocutores e o recurso do crioulo acabou por ser facilitador. Tratou-se de um caso em que a proximidade do investigador à população estudada foi facilitadora do trabalho de campo, o que nem sempre acontece.

Apesar de algumas entrevistas serem realizadas em crioulo, optámos pela sua tradução para português no momento da transcrição, visando, assim, facilitar a organização das unidades de sentido aquando da análise de conteúdo das entrevistas; antevendo a utilização de um programa de tratamento informático de dados, pareceu-nos prudente utilizar a mesma língua em todas as entrevistas.

Para além da utilização do crioulo, confrontámo-nos com expressões tipicamente cabo-verdianas que procurámos traduzir na altura das transcrições, tentando não perder a essência do seu significado.

O efeito do contexto de realização da entrevista sobre as respostas do entrevistado é, do ponto de vista de Michael Wilson (1996), uma dimensão crítica da recolha de dados. Este autor considera que a taxa de respostas e a sua qualidade são

176 afetadas pelo contexto, o qual encerra vários aspetos: a forma como essa entrevista é agendada, a sua natureza, a perceção das características do entrevistador pelo entrevistado e a relação de poder entre interlocutores. Quanto ao primeiro aspeto, o facto de os jovens e os seus encarregados de educação se terem disponibilizado para realizar as entrevistas nas suas casas, deu-nos inicialmente uma indicação de que o trabalho realizado previamente foi profícuo no que respeita ao estabelecimento de um sentimento de confiança; a natureza da entrevista, a de uma investigação académica, não era, presumivelmente, passível de suscitar nos intervenientes a necessidade de manipular as suas respostas, pois não estava em jogo qualquer ganho/perda e, por uma razão ou outra, este seria um tema de interesse para as famílias em questão; as características mais visíveis do entrevistador e mais facilmente percebidas pelos entrevistados - cor da pele, língua(as) falada(as) nos primeiros contactos - eram, neste caso, favoráveis à obtenção de testemunhos mais próximos da representação do sentimento real dos interlocutores, tendo em conta que essas características eram comuns à maioria desses indivíduos. No entanto estamos conscientes de que há sempre a possibilidade de as mesmas respostas não coincidirem exatamente com o que pensam os interlocutores; procurámos ao longo das entrevistas assumir uma atitude que não provocasse qualquer dúvida em relação à nossa presença na casa das pessoas, mostrando que nos encontrávamos num processo de aprendizagem, tal como os filhos da maioria, e que a sua colaboração era fundamental para o sucesso do nosso trabalho, pretendendo com isso mostrar que na relação de poder a balança, se pendesse, seria para o seu lado.

A presidir à nossa opção e insistência para que as entrevistas fossem realizadas na residência dos participantes no estudo esteve a possibilidade de, com essa estratégia, podermos produzir um melhor conhecimento da vida real dessas famílias. De realçar o facto de as pessoas, na totalidade, terem respondido positivamente à nossa solicitação e de nos terem recebido sempre muito bem. Essa circunstância permitiu-nos ter uma perceção, ainda que superficial, de como vivem as famílias; nalguns agregados foi-nos possível perceber o tipo de relação estabelecida entre os seus membros; compreendemos a existência de dinâmicas familiares bastante diferentes entre si, do tipo de organização adotado por certas famílias e do papel desempenhado pelos diferentes membros das

177 mesmas. Essas observações fazem parte das notas de campo que integrarão o corpus de dados deste estudo.

No tratamento de dados das entrevistas, recorremos à técnica da análise de conteúdo qualitativa. Esta técnica ou “ conjunto de técnicas de análise de comunicações, visando obter procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/receção (variáveis inferidas) destas mensagens” (Bardin, 1988, p. 42) é aplicável na análise de qualquer tipo de comunicação gravada, segundo Mayring (2000). Tem como ponto forte o facto de permitir a realização de “inferências válidas e replicáveis, dos dados para o seu

contexto” (Vala, 1987, p. 103), sendo essa a intenção da análise de conteúdo (Bardin, 1988) e das investigações científicas (King et al., 1994).

A técnica de análise de conteúdo procura agrupar significados (Bardin, 1988; Vala, 1987; Mayring, 2000) e é concebida como uma prática de tratamento de dados que reduz a possibilidade de enviesamentos decorrentes da consciência dos indivíduos de que estão a ser observados e do constrangimento associado ao facto de serem entrevistados (Almeida e Pinto, 1990).

O objetivo da análise de conteúdo é o exame sistemático de material de comunicação sendo analisados tanto os aspetos formais como os latentes; a ideia da análise de conteúdo qualitativa é manter a sua natureza sistemática sem a preocupação imediata da quantificação. Do ponto de vista de Mayring (2004) a associação da análise de conteúdo à ideia de sistematicidade permite que a qualquer momento da análise se possam introduzir alterações no sistema de categorias e adaptá-las à informação disponibilizada pelos dados. O autor refere que “[t]he basic idea of a qualitative content analysis, then, consists of maintaining the systematic nature of content analysis for the various stages of qualitative analysis, without undertaking over-hasty quantifications” (Mayring, 2004, p. 266). Na análise de conteúdo qualitativa existe, portanto, um sistema de categorias que é revisto ao longo da análise, de forma sistemática e sem a preocupação da sua contabilidade.

178 Na análise de conteúdo das entrevistas recorreremos ao auxílio de um programa informático de análise de dados qualitativos, o Atlas.ti. Este instrumento permite ao utilizador realizar várias operações inerentes à análise qualitativa de conteúdo, designadamente a segmentação do texto, codificação de unidades de sentido, anotações e comentários.

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