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Por vezes as sociedades sofrem mudanças estruturais com consequências jurídicas relevantes. É o caso das operações societárias que compreendem a transformação, a incorporação, a fusão e a cisão.

O tema é tratado tanto no Código Civil quanto na Lei das SA (Lei n° 6.404/76). Para confirmar as competências dos diplomas legais, o Conselho de Justiça Federal (CJF) publicou o Enunciado 70 que diz:

As disposições sobre incorporação, fusão e cisão previstas no Código Civil não se aplicam às sociedades anônimas. As disposições da Lei n. 6.404/76 sobre essa matéria aplicam-se, por analogia, às demais sociedades naquilo em que o Código Civil for omisso.

Vamos então tentar apresentar como os dois diplomas legais tratam do assunto.

Transformação

A transformação é uma mudança no tipo societário.

O CC trata do assunto nos artigos 1.113 a 1.115:

Art. 1.113. O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se.

Art. 1.114. A transformação depende do consentimento de todos os sócios, salvo se prevista no ato constitutivo, caso em que o dissidente poderá retirar-se da sociedade, aplicando-se, no silêncio do estatuto ou do contrato social, o disposto no art. 1.031.

Art. 1.115. A transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores.

Na Lei das SA temos os artigos 220 a 222 tratando do assunto. As disposições são muito semelhantes, então vamos nos ater à leitura do Código Civil.

Primeiro ponto interessante é que a transformação não extingue a sociedade nem cria uma nova. Como dissemos, é uma mera alteração do tipo societário.

A deliberação pela transformação exige votação unânime, exceto se o contrato ou estatuto previr de forma diversa. Caso o contrato ou estatuto preveja a transformação da sociedade, os sócios dissidentes têm o direito de se retirarem. O artigo 1.031, que trata da resolução da sociedade com relação a um sócio, será melhor estudado mais adiante.

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Em relação à Lei das S.A., destacamos um dispositivo legal que julgamos interessante, o parágrafo único do artigo 221:

Parágrafo único. Os sócios podem renunciar, no contrato social, ao direito de retirada no caso de transformação em companhia.

Veja que o sócio poderá renunciar, no contrato social, ao direito de retirada quando a sociedade for transformada em companhia. Ou seja, de antemão, o sócio abdica do direito de retirada.

No caso de falência, nosso Código diz no parágrafo único do artigo 1.115:

Parágrafo único. A falência da sociedade transformada somente produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam sujeitos, se o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, e somente a estes beneficiará.

Ou seja, para os credores anteriores à transformação, aplicam-se as regras do tipo societário anterior, aí incluído eventual responsabilidade ilimitada e/ou solidária dos sócios. Vamos a um exemplo.

Imagine que Abel e Muricy tenham constituído a Abel & Muricy como uma sociedade em nome coletivo (cuja responsabilidade dos sócios é ilimitada e solidária). Enquanto sociedade em nome coletivo, Abel & Muricy realizou transações no mercado com a sociedade GCS LTDA, por exemplo. Em certo momento, os sócios da Abel & Muricy resolvem mudar o tipo societário (ou seja, realizar uma transformação) para LTDA, passando a se chamar Abel & Muricy LTDA, a qual oferece maior segurança patrimonial aos sócios. Caso Abel & Muricy (mesmo já como LTDA) venha a falir, a sociedade GCS LTDA tem o direito de cobrar a dívida, se for o caso, dos sócios Abel e Muricy, pois GCS LTDA adquiriu a posição de credora da sociedade Abel & Muricy quando esta ainda era uma sociedade em nome coletivo.

Por fim, temos dois dispositivos que podem causar confusão:

Art. 968

§ 3º Caso venha a admitir sócios, o empresário individual poderá solicitar ao Registro Público de Empresas Mercantis a transformação de seu registro de empresário para registro de sociedade empresária, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.

Art. 1.033

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.

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Veja que o termo usado pelo legislador foi “transformação de registro”. Esses seriam casos de operação societária, regida pelas regras que estudamos? Veja o entendimento do CJF:

Enunciado 464. A "transformação de registro" prevista no art. 968, § 3º, e no art. 1.033, parágrafo único, do Código Civil não se confunde com a figura da transformação de pessoa jurídica.

Atenção !!

O instituto da transformação de registro previsto no art. 968, § 3º, e no art.

1.033, parágrafo único não é operação societária!

Incorporação

Incorporação é a absorção de uma ou mais sociedades por outra.

O CC trata do assunto nos artigos 1.116 a 1.118:

Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.

Art. 1.117. A deliberação dos sócios da sociedade incorporada deverá aprovar as bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo.

§ 1o A sociedade que houver de ser incorporada tomará conhecimento desse ato, e, se o aprovar, autorizará os administradores a praticar o necessário à incorporação, inclusive a subscrição em bens pelo valor da diferença que se verificar entre o ativo e o passivo.

§ 2o A deliberação dos sócios da sociedade incorporadora compreenderá a nomeação dos peritos para a avaliação do patrimônio líquido da sociedade, que tenha de ser incorporada.

Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio.

Atenção !!

A avaliação da sociedade incorporada será feita por peritos nomeados pelos sócios da incorporadora. Ou seja, os sócios da incorporadora não fazem a avaliação do patrimônio líquido da incorporada.

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Importante ressaltar que esse tipo de operação terá como consequência a extinção da(s) sociedade(s) incorporadas. Contudo, não teremos o surgimento de uma nova sociedade, pois tudo será repassado para a sociedade incorporadora, que já existia.

Fusão

Operação tratada nos artigos 1.119 a 1.121. Fusão é a união de duas sociedades em uma nova.

Art. 1.119. A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações.

Art. 1.120. A fusão será decidida, na forma estabelecida para os respectivos tipos, pelas sociedades que pretendam unir-se.

§ 1o Em reunião ou assembléia dos sócios de cada sociedade, deliberada a fusão e aprovado o projeto do ato constitutivo da nova sociedade, bem como o plano de distribuição do capital social, serão nomeados os peritos para a avaliação do patrimônio da sociedade.

§ 2o Apresentados os laudos, os administradores convocarão reunião ou assembléia dos sócios para tomar conhecimento deles, decidindo sobre a constituição definitiva da nova sociedade.

§ 3o É vedado aos sócios votar o laudo de avaliação do patrimônio da sociedade de que façam parte.

Art. 1.121. Constituída a nova sociedade, aos administradores incumbe fazer inscrever, no registro próprio da sede, os atos relativos à fusão.

Observe que no caso de fusão temos a extinção das sociedades que se fundem e o surgimento de uma nova.

Atenção !!

A avaliação patrimonial das sociedades fundidas será feita por peritos nomeados pelas sociedades.

Na assembleia (ou reunião) de constituição, os sócios não podem votar o laudo de avaliação referente ao patrimônio da sociedade que faz parte.

Cisão

Cisão é a transferência de patrimônio de uma sociedade para outra. Essa transferência pode ser total ou parcial. Se tivermos uma transferência total, isso importará na extinção da sociedade cindida.

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A cisão é tratada na Lei das SA, principalmente no artigo 229:

Art. 229. A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

§ 1º Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados.

§ 2º Na cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade nova, a operação será deliberada pela assembléia-geral da companhia à vista de justificação que incluirá as informações de que tratam os números do artigo 224; a assembléia, se a aprovar, nomeará os peritos que avaliarão a parcela do patrimônio a ser transferida, e funcionará como assembléia de constituição da nova companhia.

§ 3º A cisão com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente obedecerá às disposições sobre incorporação (artigo 227).

§ 4º Efetivada a cisão com extinção da companhia cindida, caberá aos administradores das sociedades que tiverem absorvido parcelas do seu patrimônio promover o arquivamento e publicação dos atos da operação; na cisão com versão parcial do patrimônio, esse dever caberá aos administradores da companhia cindida e da que absorver parcela do seu patrimônio.

§ 5º As ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia cindida serão atribuídas a seus titulares, em substituição às extintas, na proporção das que possuíam; a atribuição em proporção diferente requer aprovação de todos os titulares, inclusive das ações sem direito a voto.

Relevante ressaltar os direitos e responsabilidades das sociedades que recebem o patrimônio da sociedade cindida. No caso de extinção da cindida, as sociedades que recebem o patrimônio respondem na proporção do patrimônio recebido. No caso de transferência parcial, elas respondem de acordo com o previsto no ato de cisão.

Abaixo, extraímos 0 Enunciado 227 da III Jornada de Direito Civil, o qual estabelece quórum de deliberação da cisão de sociedade limitada

Enunciado 227. O quórum mínimo para a deliberação da cisão da sociedade limitada é de três quartos do capital social.

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Considerações finais

Por fim, o Código Civil estabelece um prazo máximo de 90 dias para que os credores porventura prejudicados pela incorporação, fusão ou cisão promovam a devida ação judicial.

Art. 1.122. Até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles.

§ 1o A consignação em pagamento prejudicará a anulação pleiteada.

§ 2o Sendo ilíquida a dívida, a sociedade poderá garantir-lhe a execução, suspendendo-se o processo de anulação.

§ 3o Ocorrendo, no prazo deste artigo, a falência da sociedade incorporadora, da sociedade nova ou da cindida, qualquer credor anterior terá direito a pedir a separação dos patrimônios, para o fim de serem os créditos pagos pelos bens das respectivas massas.

O artigo 137 da Lei das SA diz:

Art. 137. A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do art. 136 [aí inclusas a cisão, transformação e a cisão] dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), observadas as seguintes normas:

(CESPE. Procurador do MP – TCU. 2015)

Assinale a opção correta acerca de operações societárias, dissolução, liquidação e extinção de sociedades.

a) Caso ocorra falência da sociedade transformada, seus efeitos poderão excepcionalmente ser estendidos aos sócios do tipo anterior em benefício de credores do tipo atual.

b) Compete aos sócios votar o laudo de avaliação do patrimônio da sociedade de que façam parte a fim de viabilizar a fusão desta com outra sociedade à qual tenha pretensão de fundir-se.

c) Compete à sociedade incorporada, após serem aprovados os atos de incorporação, declarar a sua própria extinção e promover a respectiva averbação no registro próprio.

d) Ocorrerá a dissolução total da sociedade seguradora que tiver sido apenada pelo BCB com cassação de sua autorização para funcionar. [assunto de Direito Econômico. Assertiva errada. Pode pular esta alternativa]

e) A conversão de uma companhia em subsidiária integral de outra companhia brasileira mediante incorporação de todas as ações será submetida à deliberação da assembleia geral de ambas.

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RESOLUÇÃO:

Letra A. Na transformação, a sociedade muda de tipo societário. Porém isso não poderá prejudicar os credores do tipo anterior (pense na boa fé contratual e segurança jurídica). Contudo, os credores do tipo atual não podem reclamar direitos que competiam aos credores do tipo anterior. Assertiva errada.

Exemplo: uma sociedade em nome coletivo se transforma em uma sociedade limitada. Vimos que a responsabilidade dos sócios em uma sociedade em nome coletivo é ilimitada e solidária. Já numa sociedade limitada obviamente é limitada e somente solidária quanto ao capital não integralizado. Ora, se a agora sociedade limitada vier a falir, os credores que contrataram com a então sociedade em nome coletivo têm o direito de reclamarem da sociedade as prerrogativas de alcance das dívidas sobre os bens patrimoniais dos sócios. Mas os credores novos já contrataram com uma sociedade limitada, estando, portanto, sujeitos às limitações desse tipo.

Letra B. Vimos que o § do artigo 1.120 expressamente veda que os sócios votem o laudo no caso da fusão.

Assertiva errada.

Letra C. Esta assertiva inverte os termos. A incorporadora é a sociedade que permanece. A incorporada é sociedade que se extingue. Assertiva errada.

Letra D. Temos um assunto relativo ao Direito Econômico (que constava no edital do concurso MPTCU/2015).

Assertiva errada.

Letra E. Literalidade do artigo 252 da Lei das SA. Assertiva certa.

Resposta: E

(ESAF. SET/RN. 2005)

As operações de fusão e incorporação de sociedades

a) dependem de aprovação por todos os membros de cada uma das sociedades envolvidas.

b) constituem formas de reorganizar as relações societárias.

c) podem ser deliberadas por maioria desde que haja previsão contratual.

d) facilitam a mudança dos tipos societários.

e) permitem a redução do capital social de qualquer das envolvidas no processo sem que os credores possam se opor.

RESOLUÇÃO:

Letra A. O quórum de deliberação depende do tipo societário. Por exemplo, numa LTDA, por força do artigo 1.071 conjugado com o 1.076, as operações societárias dependem da aprovação de 3/4 do capital social.

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Letra C. Na LTDA o quórum é de 75% do capital social.

Letra D. Assertiva sem sentido. A mudança do tipo societário é feita pela transformação. Uma fusão poderá ensejar o surgimento de uma nova sociedade com novo tipo (por exemplo, duas LTDA de fundem e criam uma SA), na incorporação não há que se falar de mudança do tipo societário.

Letra E. O artigo 1.122 confere o poder de oposição em até 90 dias:

Art. 1.122. Até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles.

Resposta: B.

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