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Na sua opinião, diante dos resultados do questionário Saresp, 8 que indicam a baixa utilização de diferentes recursos midiáticos no ensino, quais seriam os desafios a

PROF DR ERNST WOLFGANG HAMBURGER

6) Na sua opinião, diante dos resultados do questionário Saresp, 8 que indicam a baixa utilização de diferentes recursos midiáticos no ensino, quais seriam os desafios a

serem enfrentados pelos programas de formação docente? Ou o senhor julga que o problema não está só na formação?

Minha experiência mais recente é, com mais clareza, que os problemas da educação são muito mais amplos que os currículos, instrumentos e computadores. Tentar introduzir uma modificação educacional nesse método de projeto que estamos acostumados a usar, pode em certas circunstâncias ter sucesso, mas em geral vai depender de condições muito mais gerais. E, no nosso caso, o sistema escolar e a escola são instituições muito complexas, e a tentativa de massificá-las e simplificá-las é arriscada.

Nesse projeto Mão na Massa – que foi implantado na rede escolar da Prefeitura [de São Paulo] em 2001 –, são muitos cursos, muitos professores, e agora é difícil você perceber onde foi feita a modificação, pois este é um exemplo contemporâneo. Em 1970 nós fizemos um Projeto de Ensino de Física – chamado PEF. Quando o fizemos, eu pensava, ingenuamente, que era só fazer um bom livro acompanhado de material experimental, descrições e tudo mais, que aquilo resolvia o problema. Aí, a primeira coisa que aprendi é que não era assim; que os professores tinham dificuldades, e você tinha de fazer cursos de

7 Programa de formação docente voltado para o “fazer ciências” nas séries iniciais do ensino fundamental. Como diretor da

Estação Ciência da USP, o entrevistado foi o principal divulgador desse projeto, de origem francesa, em escolas públicas da rede municipal e estadual, em especial no estado de São Paulo.

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Antes de iniciar a entrevista, foram apresentados ao entrevistado os dados Saresp que indicam isso e que constam nos anexos.

treinamento de professores; mesmo com professores experientes, nós fizemos uma porção de cursos e treinamento de professores, milhares de professores foram treinados.

Mas aí tínhamos outros detalhes bobos. O MEC participava pela Fename, a Junta Nacional de Material Escolar, ele estava no livro, mas estava com muita pressão dos setores particulares. Não sei se foi por isso ou por ineficiência própria que os livros da Fename só saíam em maio, quando mais cedo, ou em agosto, quando o ano já tinha começado e os professores teriam que adotar um outro livro. E a adoção de uma inovação implica em geral que o professor tem que trabalhar mais. E mesmo que você facilite ao máximo para o professor, ele tem que aprender aquelas novas coisas, ele tem que aprender a fazer experiências, conviver com experiência e resultados diferentes: “acho que é errado”, que “deu resultado errado”.

Tem mudanças de comportamento que não são triviais, e que, para serem induzidas, precisariam ter toda uma situação excepcional dentro da escola, favorecendo. E, em geral, os outros professores não têm interesse, diretores não têm interesse. Nossa escola é muito difícil: você encontra escolas excelentes, escolas públicas, e outras que não são. O treinamento de professor é necessário, mas não é suficiente; a existência de material é necessária, mas não é suficiente; o apoio da diretoria é necessário, mas não é suficiente; a existência de uma coesão entre professores é necessária, mas não é suficiente... É mais parecido com um problema político do que com um problema científico. Um dos ‘x’ da história é que os professores tenham conhecimento, treinamentos, tempo, e estejam sempre em contato.

Vou te contar uma história: uma escola tinha adotado o projeto Mão na Massa, e todos estavam contentes. Aí, de um ano para o outro a escola – numa cidade vizinha, eu acho que era Osasco – ia ser municipalizada, e os professores estaduais daquela escola se anteciparam e se transferiram para a capital. Eles eram antigos, tinham muitos pontos, todos escolheram ficar em certa escola. Substituíram os professores jovens, que estavam fazendo o projeto muito bem, por velhos professores que estavam nas vésperas da aposentadoria e não tinham nenhum interesse por inovação. E o negócio parou!

As inovações curriculares e educacionais são lentas e dependem de uma organização social. Em uma escola que está sujeita a grande violência, você tem outros fatores... Tem coisas que você só encontra em certas escolas, nos lugares nos quais uma diretora ficou muito tempo, deu muito apoio à comunidade, tem boas condições e consegue fazer um trabalho bom. Para essa escola adotar um projeto novo, usar um novo computador, não é difícil, já está dentro da rotina da escola fazer esse tipo de coisa.

Vou te contar outra história: eu estive na Hungria em 1970, em uma conferência de ensino de física. Uma pessoa lá contou como foi depois da guerra: o país estava completamente desarticulado, destruído, as crianças ficaram sem escolas por muito tempo e

eles resolveram, então, antes de tentar qualquer coisa, antes de estudar física no ensino médio, dedicar-se totalmente à literatura do país. Eles se dedicaram aos grandes escritores, e só depois disso começaram a fazer física. Primeiro, eles tinham que colocar as crianças – no caso, muitos já eram jovens – numa situação de sentar em uma escola, de pensar no conhecimento, e então isolar a educação do resto que estava acontecendo na sociedade. Não tem cabimento! Isso aí é um sintoma, um sintoma importante de que a maioria das condições não é estável; não suficientemente e ao mesmo tempo estáveis e dispostas a melhorar as coisas.

Existem pontos isolados que você pode apontar: que um professor que dá aula 60 horas por semana, não é viável... Certamente você precisa conseguir que o professor trabalhe em uma escola, ou em duas escolas, e não em mais; que ele chegue a conhecer as crianças, que ele saiba quem são os alunos dele, que ele tenha tempo para preparar as aulas.

Mas as crianças mostram também que, mesmo você colocando o professor nessa situação, em que materialmente eles tenham essa possibilidade, nada acontece automaticamente: você precisa ter todo um ambiente que facilite, que estimule um comportamento desse tipo. Isso exige, certamente, uma liderança local do diretor ou do coordenador pedagógico, da coordenadoria de educação e, provavelmente, depende também de uma liderança nacional e de governo. Que se tenha educação e que se tenha certa estabilidade, e que se consiga que os professores se sintam parte da construção de uma nova sociedade, que é o que nós tínhamos nos anos 50, nos anos pós-guerra.

O espírito geral era esse, e a ciência brasileira avançou rapidamente porque havia isso: a fundação da SBPC, a Academia de Ciências (que já existia) e a SBF; são todos sintomas de uma comunidade de cientistas e professores que estavam se dedicando, feito missionários, à melhoria da educação e da ciência do país. Ainda existe muita gente desse tipo, mas ao mesmo tempo estão atravessados por disputas políticas, por disputas sindicalistas, corporativas, que desmantelam isso.

ANEXO 5

QUESTIONÁRIO PARA ESPECIALISTA APLICADO AO