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5 A DIMENSÃO DE GÊNERO E A CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES NO

5.4 OPORTUNIDADES DE ASCENSÃO NA CARREIRA DO MAGISTÉRIO

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, o concurso público tinha aplicabilidade eventual, para determinados cargos e funções da Administração Pública, mais por tradição do que por obrigação. A carreira do magistério não fugiu a essa regra, e é possível encontrar vários relatos de professoras/es que entraram como contratados no serviço público e depois da aprovação da Constituição foram enquadrados como professoras/es efetivas/os. Atualmente, segundo o art. 37 inciso II da Constituição Federal,

Art. 37- [...] [...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[...] (BRASIL, 1988).

No caso do magistério a aprovação acontece através de provas e títulos. Antes da Constituição Federal e da Lei 9.394/96 (LDBEN) era possível ingressar no magistério sem a formação mínima exigida, principalmente nas cidades do interior, em decorrência dos favores políticos. Hoje, o curso mínimo exigido é magistério em nível médio – antigo pedagógico, o qual habilita as/os profissionais em educação a lecionar da educação infantil até o 5º ano do ensino fundamental.

A carreira do Magistério é regulamentada pelos entes públicos (estaduais, municipais e federal) através de Planos de Carreira e Estatutos do Magistério. Esses documentos, geralmente são negociados entre as/os docentes e as/os gestoras/es públicos, disciplinando a vida profissional das/os professoras/es; neles estão contidos a forma de ingresso na função e todos os direitos e deveres dos profissionais do magistério – professoras/es, pedagogas/os, especialistas, diretoras/es e coordenadoras/es. Esses documentos permitem que professoras/es que têm a mesma carreira recebam os mesmos salários e avancem na carreira por meio da progressão nos estudos sem discriminação de sexo, raça/etnia, orientação sexual, renda e geração.

Contudo, em relação à ocupação de cargos de poder nas unidades de ensino e nas secretarias de educação, da maioria dos municípios sergipanos e na rede estadual, é bem diferente. Os cargos de diretor/a, coordenador/a e secretário/a de escolas, por exemplo, são preenchidos, na maioria dos municípios sergipanos e até na rede estadual, ainda, por

indicação política, isto é, a escolha dos ocupantes desses cargos não é feita de forma democrática como preconiza o art. 206 inciso VI da Constituição Federal de 1988. De acordo com esse artigo constitucional a gestão democrática da educação nas unidades de ensino e nos sistemas de ensino é um dos princípios constitucionais garantidos ao ensino público. A LDBEN (Lei 9.394/96) confirma esse princípio constitucional, reconhecendo a organização federativa, no caso da educação básica, repassou aos sistemas de ensino a definição de normas de gestão democrática, explicitando dois outros princípios a serem considerados: a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político- pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. O PNE reforça esses princípios na Meta 19 do Anexo à Lei 13.005 de 25 de junho de 2014:

Meta 19 - assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto. (BRASIL, 2014).

Os Estados, os munícipios e o Distrito Federal, caso ainda não tenham implementado a gestão democrática nas unidades de ensino e nos sistemas de ensino, têm até junho de 2017 para fazê-lo, conforme o plano.

De acordo com as falas de 83,3% das/os entrevistadas/os, os cargos de poder nas escolas são divididos geralmente conforme o sexo. Segundo todas as entrevistadas do sexo feminino, as mulheres geralmente ficam com o cargo de coordenadora pedagógica por estar mais ligado ao cuidar, orientar e intermediar os conflitos entre professoras/es, professoras/es e alunas/os, entre alunas/os e entre pais de alunas/os e professoras/es. Já os homens geralmente ficam com o cargo de diretor porque socialmente se convencionou que o homem é mais rígido, tem mais pulso, principalmente nas escolas localizadas em regiões consideradas problemáticas com alto índice de violência e uso de drogas.

A mulher para a coordenação, porque a coordenação lida mais com o pedagógico, com o cuidar. [...] Tudo que a gente já sabe da sociedade, vai cuidar, vai aconselhar, vai acolher os alunos quando tem problemas, é uma extensão da mãe, na verdade. Vai conversar com os estudantes quando não obedecem às regras, por aí. O homem principalmente se for uma escola que se diz problemática, porque eles acham que a mulher não tem pulso para resolver certos problemas. Ele acha que a presença do homem vai inibir certas ações de estudantes e até mesmo da comunidade ao redor. [...] Se tivessem homem e mulher para assumir coordenação e direção, geralmente colocaria o homem na direção da escola, porque hierarquicamente é o cargo maior da escola (Dirigente Inês, 45 anos).

A entrevistada Vanda (60 anos), além de reconhecer a divisão sexual do poder nas gestões das unidades de ensino também chama a atenção para os cargos de secretário/a de educação, segundo ela, a Rede Estadual de Ensino de Sergipe nunca nomeou uma mulher para secretariar a pasta da Educação. Houve uma mulher que era adjunta e na ausência do secretário assumiu a pasta. Nos municípios são raras as mulheres que chegam ao cargo de secretárias. A informante atribuiu o fato às construções sociais que historicamente convencionaram que os espaços de poder devem ser reservados aos homens.

Cargos de chefia no topo, como secretário de educação do Estado, por exemplo, nunca vi mulher, só como adjunta. Esses cargos [...] são masculinos. [...] Na escola geralmente o homem é o diretor e cabe a mulher a coordenação pedagógica, os espaços pedagógicos. Então, os espaços de poder de empoderamento, eles são espaços masculinos, ainda são espaços masculinos. [...] foi construído historicamente que o homem tem mais o poder de mando, ele é mais respeitado. E para mulher fica, o quê? Vamos pegar a questão pedagógica como a questão doméstica. A questão pedagógica que na verdade ela não é pedagógica. Ela é mais como se fosse tomar de conta das crianças, não é de ajudar a elaborar o projeto político pedagógico fica para a coordenadora pedagógica porque ela tem “jeitinho” de cuidar das crianças, de lidar com os professores, mas, aquele de mando é meu, do homem. Isso é uma construção histórica e acredito que a gente está desconstruindo isso. Os espaços de poder de empoderamento das mulheres eles ainda são poucos, mas existe e antigamente a gente não tinha quase nada, nem casa a mulher poderia, era a doméstica da casa, mas quando ele chegava era ele que mandava. Então, é uma construção histórica, existe a desconstrução histórica (Dirigente Vanda, 60 anos).

Curiosamente, o entrevistado do sexo masculino atribuiu a escolha dos ocupantes dos cargos de poder nas unidades de ensino apenas a questões políticas, segundo ele não seria o sexo e sim as influências políticas que atuam interferindo na educação.

Lá nos municípios aos quais eu faço parte, não, porque infelizmente a política ainda tem muita influência no sistema educativo, a educação não está desvinculada do processo político. [...] A lógica de quem for favorável ao prefeito ou aos vereadores for da base de apoio daquele que foi eleito este terá cargo de diretor e de coordenador. [...] Não seria o sexo. Seria quem tivesse a família maior, porque aí teria mais votos ou então se nós tivéssemos apoiado o mesmo candidato a vereador era ele quem decidiria. Aí poderia colocar você como diretora e eu como coordenador ou vice-versa, mas de forma que ele contemplasse aquele que foi cabo eleitoral dele no período eleitoral (Dirigente Paulo, 35 anos).

Contudo, apesar das questões políticas pesarem na escolha das/os integrantes dessas funções do magistério, não se deve jamais esquecer que as relações sociais estabelecem tarefas e atribuem papéis sociais baseados no sexo biológico para homens e mulheres. A divisão sexual do trabalho garante aos homens prioridade nas atividades produtivas relacionadas às ocupações de forte valor social e às mulheres a esfera reprodutiva (atividades

relacionadas a cuidados e afazeres domésticos). Essa divisão repercute fortemente nos cargos e funções ocupados pelas mulheres e em seus rendimentos, já que são destinadas às mulheres principalmente tarefas e ocupações que remetem a cuidado e serviços que são menos valorizados socialmente.

As relações de gênero são construídas fundadas em verdades discursivas proclamadas pelas instituições sociais. Estas vêm, ao longo dos séculos, regulando as relações entre homens e mulheres e construindo papéis sociais que ditam como devem se comportar cada um deles. Nesse sentido, Foucault (2015) afirma que o poder é uma relação de forças que ocorre de forma silenciosa nas instituições e nas desigualdades econômicas, na linguagem e até no corpo do indivíduo. Ele estabelece relação entre as práticas discursivas e os poderes que as permeiam. Ao percorrer os diversos procedimentos que cerceiam e controlam os discursos na sociedade, ele comprova que o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder que se quer apoderar (FOUCAULT, 1996).