• Nenhum resultado encontrado

Como observou Cunha (1988), a organização e análise dos dados nas pesquisas qualitativas são um processo complexo, pois requerem do pesquisador uma visão global do objeto pesquisado e do contexto que o envolve, sem perder as peculiaridades e particularidades que, muitas vezes, podem enriquecer a compreensão do fenômeno. Embora tenhamos reservado este espaço para tratar dela, a análise na investigação qualitativa foi se efetivando nas várias etapas do processo de conhecimento do campo, onde fomos fazendo aproximações sucessivas da realidade com base na combinação particular de teoria com dados.

Conforme Lüdke e André (1986, p. 42), no momento da análise ―[...] o pesquisador já deve ter uma idéia mais ou menos clara das possíveis direções teóricas do estudo e parte, então, para trabalhar o material acumulado, buscando destacar os principais achados da pesquisa‖. Assim, num primeiro momento, após sucessivas leituras, todo o material produzido após a coleta de dados foi organizado e categorizado segundo critérios relativamente flexíveis, previamente definidos e de acordo com os objetivos da pesquisa. Trata-se de um trabalho mais ―braçal‖ do que propriamente analítico, observa Duarte (2002). O que buscamos fazer

logo após as primeiras leituras foi uma primeira classificação e organização dos dados, de modo que pudessem ser usados mais adiante, numa fase mais complexa da análise.

Segundo Duarte (2002), vencida a etapa de organização/classificação do material coletado, devemos fazer um mergulho analítico profundo em textos densos e complexos, de maneira a produzir interpretações e explicações que possam dar conta, em alguma medida, do problema e das questões que motivaram a investigação. Para tanto, dedicamo-nos a novas leituras do material disponível, cruzando informações aparentemente desconexas, interpretando respostas, notas e textos integrais que — afirma Duarte (2002) — são codificados em ―caixas simbólicas‖, categorias teóricas ou ―nativas‖, as quais ajudam a classificar, com certo grau de objetividade, o que pudemos depreender da leitura/interpretação daqueles diferentes textos.

Assim, fragmentos de discursos, imagens, trechos de entrevistas, expressões recorrentes e significativas, registros de práticas e de indicadores de sistemas classificatórios constituem traços, elementos em torno dos quais construir-se-ão hipóteses e reflexões, e serão levantadas dúvidas ou reafirmadas convicções. Aqui, como em todas as etapas de pesquisa, é preciso ter olhar e sensibilidade armados pela teoria, operando com conceitos e constructos do referencial teórico como se fossem um fio de Ariadne, que orienta a entrada no labirinto e a saída dele, constituído pelos documentos gerados no trabalho de campo. (DUARTE, 2002, p. 152).

No processo de organização e análise, procuramos fazer que os dados obtidos pela pesquisa bibliográfica, pela pesquisa documental e pela pesquisa empírica ―dialogassem‖ entre si.

Foram definidos dois parâmetros de estudo: ―O professor do curso de Odontologia e sua formação, seus saberes e práticas‖ e ―Formação dos cirurgiões-dentistas em tempo de novas diretrizes‖. No parâmetro ―O professor do curso de Odontologia e sua formação, seus saberes e práticas‖ buscamos apresentar os sujeitos da pesquisa e delinear as suas trajetórias formativas, por meio dos dados dos questionários e entrevistas. Com as informações obtidas, simultaneamente, mediante entrevistas, questionários e observações em aula, procuramos analisar a formação para o exercício da docência e os saberes e os fazeres docentes. No parâmetro ―Formação dos cirurgiões-dentistas em tempo de novas diretrizes‖ identificamos as possíveis mudanças na formação odontológica atual, que já se desenvolve sob as orientações das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a área, procurando analisar a influência da atuação do professor na definição do perfil do profissional cirurgião-dentista. Nossa análise abordou aspectos que consideramos entraves relevantes para a formação generalista, para a formação crítico-reflexiva e para a formação humanística do cirurgião-dentista, apto tanto

para o trabalho na clínica privada, quanto no Sistema Único de Saúde, conforme recomendado pelas DCN.

Durante a análise, utilizamos a quantificação em momentos que julgamos relevante para a compreensão do fenômeno, bem como para caracterizar os nossos interlocutores e identificar o seu perfil. Procuramos ultrapassar a simples descrição, buscando realmente interpretar e analisar os dados, dialogando com os teóricos relacionados ao tema em estudo.

Capítulo II

D E S A F I O S D O P R O F E S S O R U N I V E R S I T Á R I O N O C O N T E X T O D A C O N T E M P O R A N E I D A D E : N O V A S A T R I B U I Ç Õ E S , O U T R O S

S A B E R E S E O U T R A S P R Á T I C A S P E D A G Ó G I C A S

Antes de decidirmos o tipo de

universidade que queremos edificar, é necessário refletir sobre o modelo de sociedade que desejamos desenvolver.

— FERNANDES, F., 1974.

Neste capítulo, procuramos dialogar com a literatura face às exigências contemporâneas para a educação superior, analisando seu reflexo nas funções docentes, e abordamos as questões específicas da prática pedagógica do professor universitário e dos saberes que a compõem, procurando relacioná-las com o momento presente, de mudanças profundas. 2.1 Exigências da sociedade

Vivemos um momento em que a globalização e as grandes e constantes inovações tecnológicas têm provocado transformações profundas nos mais diversos setores da vida humana, com reflexos na universidade e em seu papel na sociedade. Segundo Feuerwerker (2003), as universidades são levadas a buscar modos de ampliar sua relevância social em função da limitação e insuficiência das respostas por elas produzidas para temas contemporâneos cada vez mais complexos. De acordo com Pachane (2003), a evolução tecnológica gera mudanças cada vez mais visíveis na vida cotidiana, e o processo de globalização da sociedade se evidencia na rapidez com que os acontecimentos socioeconômicos e culturais se propagam e afetam as rotinas de todas as nações. Nessa conjuntura, a situação da universidade não difere da situação geral por que passa a humanidade; não só por causas estruturais, mas também porque as próprias universidades são fonte responsável e geradora dessa situação geral, de acordo com Silva (1999).

A principal característica deste novo tempo é o enorme acúmulo de conhecimento em todos os domínios, com um potencial de armazenamento vertiginoso; e esse conhecimento já não é produzido, necessariamente, na universidade (FORGRAD, 1999). Nas palavras de Masetto (2003a, p. 3):

Hoje, sabemos que as funções de produzir e solicitar o conhecimento podem ser realizadas por outras organizações, outros centros, ambientes e espaços tanto públicos como particulares. Hoje podemos pesquisar em nossos computadores domiciliares ou profissionais, nos escritórios, nas empresas, nas ONGs, em casa, assim como podemos nos informar por meio dos canais abertos pela telemática sobre todo e qualquer assunto que desejarmos. Isso vale para nós professores, assim como para nossos alunos e para as pessoas que não estiverem vinculadas a uma instituição escolar.

O papel da universidade relativo à formação profissional precisa ser revisto, de modo a acompanhar a evolução tecnológica que define os contornos das profissões, pois a formação acadêmica é tarefa que se realiza, necessariamente, em tempo diferente daquele em que acontecem as inovações. Além disso, já não se concebe mais um exercício profissional homogêneo no período de inserção no mundo do trabalho (FORGRAD, 1999). Segundo Zabalza (2004), espera-se que a universidade não se contente em só transmitir a ciência, mas que também a crie, combinando docência e pesquisa; que dê um sentido prático e profissionalizante ao que oferece aos alunos; que desempenhe tais funções sem se fechar em si mesma, isto é, em contato com o meio social, econômico e profissional, de modo a colaborar para a melhoria desse meio.

Conforme o Plano Nacional de Graduação (FORGRAD, 1999), é preciso cuidar para que o conhecimento, ao priorizar a dimensão tecnológica em estreita sintonia com as relações de mercado e em um contexto globalizado, não se descole de sua função de busca de sentido para a vida, para o destino humano e da sociedade, e não se torne ―produto comercial de circulação‖ orientado pelo paradigma da aplicabilidade. Logo, o papel da universidade já não é só o de formar profissionais para suprir as demandas do mercado, mas também de formar cidadãos imbuídos de valores éticos que, com competência técnica, atuem em seu contexto social de forma comprometida com a construção de uma sociedade mais inclusiva (FORGRAD, 1999).

As mudanças ocorrem na própria concepção e no papel social da universidade. Nas palavras de Zabalza (2004, p. 25):

[...] de um lugar reservado a uns poucos privilegiados tornou-se um lugar destinado ao maior número possível de cidadãos. De um bem direcionado ao aprimoramento de indivíduos, tornou-se um bem cujo beneficiário é o conjunto da sociedade (sociedade do conhecimento, sociedade da competitividade). De instituição com uma ―missão‖ que ultrapassa os compromissos terrenos imediatos, tornou-se uma instituição para a qual se encomenda um ―serviço‖ que deve resultar na melhor preparação e competitividade da força de trabalho da sociedade à qual pertence. [...] tornou-se mais um espaço em que se destacam as prioridades e decisões políticas.

Portanto, muitas têm sido as alterações impostas à educação superior: da massificação e progressiva heterogeneidade dos alunos à redução de investimentos; da nova cultura da qualidade a novos estudos e novas orientações na formação (fundamentalmente, da orientação centrada no ensino à outra centrada na aprendizagem), incluindo a incorporação das novas tecnologias e do ensino à distância. Concordamos com Zabalza (2004) quando afirma que as mudanças estão submetidas à dialética de duas forças contrapostas: de um lado, a pressão da globalização e internacionalização dos estudos e dos pontos de referência (sistemas de avaliação, níveis de referência, políticas de pessoal, condições de credenciamento e reconhecimento das titulações, mobilidade dos estudantes, estratégias para competir em pesquisas e em captação de alunos etc.); de outro, há cada vez mais consciência da importância do contexto como fator determinante do que ocorre em cada universidade e das dificuldades para aplicação de regras ou critérios gerais.

Em que pese a necessidade de mudança imposta pelo novo contexto global e globalizado no que se refere a priorizar o econômico, é papel da universidade, igualmente, combater essa pretensa hegemonia (FORGRAD, 1999). Afinal, a globalização da sociedade não elimina a ―cultura regional‖, as minorias que cultivam identidades próprias, as realidades que se alimentam do ―local‖, do diferente, do ―outro‖. Silva (1999, p. 20) defende esta tese:

As universidades têm de perceber este fato, assim como têm de perceber emergências não previstas nesse processo de desenvolvimento, emergências que dialeticamente contradizem a globalização e os princípios que a fundamentam, a começar da irracionalidade que marca os movimentos da especulação financeira internacional. Emerge uma sociedade civil global, ligada por meio de tecnologias comunicativas, que evoluem com base na informação compartilhada e que possibilitam a crescente consciência de identidades diferenciadas e de culturas locais e regionais. Desse modo, vai-se verificando uma espécie de participação global que, em vez de anular o específico, chama a atenção para este. [...] hoje se está formando uma nova consciência coletiva — nem sempre crítica —, mais ampla talvez, sobre a importância da natureza, das culturas nacionais, da solidariedade entre os povos e entre as sociedades. Surgem também propostas de novos estilos de vida que visam à distribuição mais justa dos recursos naturais e da riqueza. [...] o sentimento de solidariedade geral pode impulsionar o desenvolvimento humano para formas globais de intercâmbio, para o florescimento de diversas culturas e para o diálogo de culturas excluídas ou marginais com a alta cultura da racionalidade científica e tecnológica.

A redefinição do papel da universidade passa, então, por uma questão fundamental: decidir a que modelo ou estratégia de desenvolvimento ela vai servir. É possível esboçar duas alternativas: o modelo concentrador, que busca aproximar o país do padrão internacional pelo fortalecimento científico-tecnológico de certos setores da sociedade com base no qual se aceita a exclusão de enormes segmentos sociais; ou o modelo includente, para o qual o desenvolvimento deve ser igualitário e centrado no princípio da cidadania como patrimônio universal, de modo que todos os cidadãos possam partilhar dos avanços alcançados (FORGRAD, 1999).

A autonomia universitária é tratada, aqui, no sentido de não aceitar ser posta a serviço de um único segmento social. Com seus múltiplos e contraditórios papéis, a universidade nos tempos contemporâneos tem sido cobrada quanto a se situar, critica e dialeticamente, na sociedade. Além de contribuir para o desenvolvimento tecnológico, formando quadros e gerando conhecimento para essa sociedade concreta, ela precisa, simultaneamente, promover a cidadania universal, orientando parte significativa de sua produção de saber pelos interesses sociais mais amplos da sociedade (SILVA, 1999). Dessa forma, observamos que, também, está sendo cobrado da universidade o cumprimento de sua função social, que se orienta pelo direito de todas as pessoas à vida digna; além disso, que, no contexto dessa nova sociedade do conhecimento, propicie a ampliação democratizante do acesso a esse conhecimento. Nessa perspectiva, ela deverá se orientar, em primeira instância, não só pelos desafios tecnológicos, mas também pela ética. Parece fundamental que a universidade, por todas as suas ações, busque o equilíbrio entre vocação técnico-científica e vocação humanística.

Segundo consta do documento ―Plano nacional de graduação‖ (FORGRAD, 1999), propor ações para a educação superior na virada do século requer atenção aos apelos desse novo tempo que se impõe sob o signo da comunicação e da informação.

Vivendo na era da sociedade tecnológica, torna-se necessário rever as formas de pensar, sentir e atuar sobre essa realidade, que não se apresenta de modo linear, num

continuum de causa e efeito, mas, de modo plural, numa multiplicidade e

complexidade inscritas em redes e conexões, ampliando a inserção do homem no mundo. (FORGRAD, 1999, p. 6).

Para que sejam elaboradas novas formas de produzir, administrar e difundir conhecimentos, Pachane (2003) destaca a necessidade de promover profundas mudanças pedagógicas. Em consequência, o trabalho do professor universitário, também, modifica-se. Conforme Masetto (2003a, p. 4):

De uma preocupação total e exclusivamente voltada para a transmissão de informações e experiências, iniciou-se um processo de buscar o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos; de aperfeiçoar sua capacidade de pensar; de dar um significado para aquilo que era estudado, de perceber a relação entre o que o professor tratava em aula e sua atividade profissional; de desenvolver a capacidade de construir seu próprio conhecimento, desde coletar informações até a produção de um texto que revele esse conhecimento. Superando a formação voltada apenas para o aspecto cognitivo, o que se busca é que o aluno em seus cursos superiores esteja desenvolvendo competências e habilidades que se esperam de um profissional capaz e de um cidadão responsável pelo desenvolvimento de sua comunidade. Isso fez com que os cronogramas curriculares se abrissem para atividades práticas, integrando-se com teorias estudadas. E a discussão de valores éticos, sociais, políticos, econômicos, por ocasião do estudo de problemas técnicos, integra-se à análise teórico-técnica de determinada situação, com os valores humanos e ambientais presentes e decorrentes da solução técnica apresentada.

Todavia, a adequação a uma conjuntura de transformações tão amplas e profundas tem sido objeto de políticas e textos reformadores onde, com frequência, são propostas soluções padronizadas às questões da educação superior. Em uma época marcada pelo delinear de um mercado amplo de trocas em escala planetária, as reformas dos sistemas públicos de ensino se preocuparam, predominantemente, com questões relativas às formas de financiamento, controle e gestão da educação escolar. Segundo Gentili (1996, p. 18), no pensamento neoliberal,

[...] não faltam escolas, faltam escolas melhores; não faltam professores, faltam professores mais qualificados; não faltam recursos para financiar as políticas educacionais, ao contrário, falta uma melhor distribuição dos recursos existentes. Sendo assim, [para o neoliberalismo] transformar a escola supõe um enorme desafio gerencial: promover uma mudança substantiva nas práticas pedagógicas, tornando-as mais eficientes; reestruturar o sistema para flexibilizar a oferta educacional; promover uma mudança cultural, não menos profunda, nas estratégias de gestão [...]; reformular o perfil dos professores, requalificando-os; implementar uma ampla reforma curricular.

Seguindo esses princípios, efetivaram-se mudanças segundo uma lógica em que a qualidade da educação se relaciona com a eficácia gerencial e a otimização dos recursos disponíveis. Assim, as reformas educacionais desse período frequentemente aparecem como matéria técnica, elaborada por peritos no assunto e visando

[...] obter um melhor desempenho escolar no que tange à aquisição de competências e habilidades relacionadas ao trabalho, controles mais diretos sobre os conteúdos curriculares e sua avaliação, implicando também a adoção de teorias e técnicas gerenciais próprias do campo da administração de empresas. (AZEVEDO, 2004, p. XI).

Nesse sentido, destacamos que os professores exercem papel imprescindível e insubstituível no processo de mudança; se forem deixados à margem, as decisões pedagógicas e curriculares alheias — mesmo que possam ser interessantes — não se efetivam.

Entretanto, as atuais políticas para a educação superior não evidenciam esforços de investimento na formação e no desenvolvimento profissional dos docentes; tampouco se percebem esforços de investimento em sua valorização, o que envolveria formação inicial e continuada, articulada, identitária e profissional, e não só o treinamento de competências técnicas.

De qualquer modo, em um contexto de forte subordinação das políticas educacionais à política econômica, o professor — voz raramente ou nunca presente na definição das reformas educacionais — sofre intensamente o impacto das mudanças delas decorrentes.

2.2 Impacto das reformas e transformações mundiais nas atribuições do professor