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Organização do processo de trabalho para gestão do cuidado à pessoa com doença

2.2 GESTÃO DO CUIDADO À PESSOA COM DOENÇA CRÔNICA NA REDE DE

2.2.2 Organização do processo de trabalho para gestão do cuidado à pessoa com doença

Sabe-se que certamente a implantação da RADC implica transformações nos processos de trabalho das equipes de saúde em todos os pontos de cuidado, desde a ABS até o hospital, por meio de distintos instrumentos, com a finalidade de se produzir cuidados. Esses instrumentos denominam-se tecnologias e se referem a um conjunto de ferramentas utilizadas pelo profissional para alcançar um determinado objetivo (MERHY, 2007).

Para Merhy (2007), o processo de trabalho em saúde expressa de modo exclusivo o trabalho vivo em ato, distinguindo-se de outros processos produtivos em que o trabalho vivo pode e deve ser capturado globalmente pelo trabalho morto e pelo modelo de produção. Nessa perspectiva, o autor defende que o trabalho em saúde não seja globalmente capturado pela lógica do trabalho morto, em razão do seu objeto não ser plenamente estruturado. Assim, suas

tecnologias de ação devem ir além dos saberes tecnológicos estruturados e constituir processos de intervenção em ato.

Dessa forma, as tecnologias envolvidas no trabalho em saúde são classificadas em três dimensões: as tecnologias leves, reconhecidas como as originárias da produção do vínculo, autonomização, responsabilidade, acolhimento e gestão, como uma forma de governar processos de cuidar; as tecnologias leves duras, ligadas ao saber bem estruturado, como a epidemiologia e a clínica das quais os profissionais lançam mão durante a execução dos seus processos de trabalho; e as tecnologias duras, relacionadas aos equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, normas e estruturas organizacionais (MERHY, 2007).

Sobre a necessidade de aplicação em saúde dessas tecnologias, destaca-se uma crescente incorporação no contexto hospitalar mediante o incremento de aparelhos modernos e sofisticados que auxiliam o diagnóstico e a terapêutica, proporcionando grandes avanços nessa área ao mesmo tempo que tornam mais complexa a assistência à saúde, exigindo do profissional mais qualificação para se adequar a essa realidade. Apesar disso, a repercussão do desenvolvimento tecnológico na área da saúde não se restringe apenas à exigência de mais qualificação profissional, mas também repercute diretamente no cotidiano de trabalho dos profissionais e nas relações estabelecidas entre eles e os usuários, constituindo um desafio para a organização da produção do cuidado.

Nesse contexto, não é condizente julgar se os equipamentos são bons ou ruins, e sim analisar qual a necessidade do seu uso diante do que se pretende alcançar e o lugar que o usuário/necessidade ocupa na rede de relações que os constitui. É preciso ter a clareza da intencionalidade dos atos para se utilizar o instrumento adequado à finalidade a que se pretende chegar (MERHY, 2007).

Nesse sentido, a organização do cuidado ao paciente prescinde da definição de um modelo de cuidado que norteie a escolha das tecnologias e/ou outras estratégias ao seu alcance. Para a assistência às pessoas com doenças crônicas, deve-se adotar um modelo de atenção centrado no usuário e na família, em substituição à abordagem centrada na doença, o que pode permitir uma transformação da relação entre os usuários e os profissionais de saúde, visto que a atenção centrada nas pessoas se baseia em dignidade e respeito, participação e colaboração (BRASIL, 2013b).

Para tanto, consideram-se as práticas de acolhimento como tecnologias leves que devem ser adotadas pelos profissionais de saúde em todos os pontos da rede de atenção, com o propósito de atender todos os que procuram os serviços de saúde, ouvindo e assumindo uma postura capaz de acolher e dar respostas adequadas aos usuários. Isso requer o exercício da

escuta com responsabilização e resolutividade e, quando for o momento de orientar o usuário e a família para continuação da assistência em outros serviços, o estabelecimento de articulações que garantam a eficácia desses encaminhamentos (BRASIL, 2013b).

Nessa perspectiva, o cuidado a pessoa com condição crônica de saúde deve envolver uma equipe multiprofissional para, através da interação e da integração de distintos saberes e práticas, construir um campo único de atuação e de estratégias de intervenção. Entre as possíveis estratégias de intervenção utilizadas pela equipe, cita-se o Projeto Terapêutico Singular (PTS) como ferramenta capaz de qualificar o cuidado, visto que possibilita a discussão de um sujeito singular em situação de mais vulnerabilidade e complexidade. Como resultado, propicia à equipe multiprofissional, ao usuário e sua rede um conjunto de condutas terapêuticas articuladas e construídas a partir do movimento de coprodução e cogestão do processo terapêutico (PINTO et al., 2011).

É preciso, ainda, definir a regulação da rede de atenção de forma clara por meio do estabelecimento de fluxograma e de condições para o encaminhamento do usuário à linha de cuidado à pessoa com doença crônica. Mesmo durante o seu acompanhamento na atenção especializada, a ABS deve se manter informada sobre a situação de saúde dessa pessoa e acompanhar o desenvolvimento do plano de cuidado. Durante o processo de internação, é imprescindível haver uma pactuação dos critérios para a alta e as condições de seguimento dessa pessoa na ABS (BRASIL, 2013b).

Por sua vez, o apoio matricial é tratado como parte fundamental da atenção especializada, considerando ser ferramenta de aproximação entre os diferentes pontos de atenção da rede e os profissionais, à medida que propicia um atendimento mais integral. Possibilita ainda suporte pedagógico, assemelha-se ao conceito de educação permanente e deve compor no seu plano de atuação um local para construção da Rede de Atenção à Pessoa com Doença Crônica. Considera-se esse apoiador um especialista com conhecimento distinto daquele do profissional de referência, mas que contribui com as intervenções e potencializa a resolutividade dos problemas da equipe primariamente responsável pela pessoa com Doença Crônica. Procura-se, então, construir espaços para comunicação por meio da ativação do sistema de referência e contrarreferência, estimulando o contato direto entre a referência e o especialista (BRASIL, 2013b).

O estímulo ao autocuidado é fundamental para o sucesso do tratamento da pessoa com doença crônica e deve levar adiante as atitudes que melhorem estilos de vida, adesão ao tratamento, não devendo se restringir apenas à prescrição profissional. Isso pode ser realizado com base no autocuidado apoiado, que se concretiza por meio de uma estreita colaboração

entre a equipe de saúde e o usuário, os quais, em conjunto, estabelecem metas para monitorar as ações na instituição de planos de cuidado e na resolução de problemas que surjam ao longo do processo (BRASIL, 2013b).